Rodrigo Vides Vieira
“A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, no final, esta é sua única definição.” (E. P. Thompson)
Navegar pelas comunidades de professores nas redes sociais é se deparar, constantemente, com uma afirmação categórica: o professorado é uma classe desunida!
Na maioria dos casos (veja bem que não são em todos) a asserção resulta de conquistas não alcançadas por um determinado grupo e que tentam creditar a outro a responsabilidade pelas mesmas, daí a se usar, indistintamente, os conceitos classe e consciência. O uso indiscriminado destes instrumentos de análise mais confundem a categoria dos professores do que os auxiliam.
Desta forma, cabe-nos compreender os conceitos de classe social e consciência de classe, único caminho para nos afastarmos de interpretações confusas que fazem da “classe social” sujeito na oração aguardando seu predicado quando na verdade ela é verbo de ação.
Essa tal de classe social
Seguindo a linha de raciocínio de E. P. Thompson[1], classe social e conciência de classe são conceitos diferentes. Conforme o autor, a classe social não surge numa hora determinada em um lugar específico ela é um fenômeno histórico que acontece através de um processo, ou seja, é um fazer-se de agentes coletivos em relação com os meios de produção material e não-material. Sendo assim, devemos apreender o fato de que sendo a classe social é um fenômeno histórico e enquanto tal ela é fluída e nos escapa se tentarmos lhe imobilizar no espaço e no tempo.
A classe é resultado da articulação da identidade de interesses entre os homens, devido às experiências comuns, contra outros homens que defendem interesses que lhes opõem, se fizermos uma análise bastante superficial contastaremos que entre o professorado paulista existem dezenas de vontades individuais em conflito e, como bem nos esclarece Engels[2], esta pluralidade de ideias só pode nos levar a resultados muito diferentes daquele que desejamos. Em contrapartida, aqueles que nos opõem estão muito bem organizados e possuem um objetivo claro para manter a organização da formação social do Estado.
Neste ponto é importante ter em mente que quando se fala de classes sociais muitos são impelidos a considerar uma análise social através do conceito de modo de produção, habilmente desenvolvido por Karl Marx, no entanto, este modelo tende a ser dicotômico ao considerar a existência de duas classes: a burguesia e o proletariado. Como percebeu o filósofo alemão nenhuma sociedade histórica apresentará um modo de produção em sua forma pura, no conflito estrito entre os possuídores dos meios de produção e os desprovidos dos meios de produção; a sociedade se apresentará como uma combinação de elementos de modos de produção anteriores ou de elementos que antecipam transformações do modo de produzir e a esta presença de vários modos de produção é que chamamos formação social, encontraremos, assim, uma pluralidade de grupos no seio das classes.
Norberto Bobbio[3] quando trata da classe social nos diz que a existência das classes se baseiam nas posições diversas que os homens ocupam no processo produtivo em relação com os antagonismos que se situam em nível político. O momento de agregação mediante a organização política de interesses é o momento constitutivo da classe, desta maneira, em Marx e Engels[4] encontraremos que os individuos só se constituem uma classe quando estão comprometidos na luta comum contra outra classe, o que gera uma luta política e o reconhecimento de interesses comuns. Hoje reconhecemos o opressor, mas será que nós nos reconhecemos como oprimidos? Levantamos a bandeira de interesses comuns ou estamos em um nível de simples oposição ao governo? Marx[5] nos revela que os camponeses franceses não adquiriram a consciência de classe que é fruto da identidade de interesses políticos, pois, as condições de produção os isolavam uns dos outros e os punham em contato quase familiar com o patrão. Será que não vivenciamos algo similar hoje em dia na educação?
Uma tira da Mafalda do cartunista argentino Quino amplamente divulgada nestas comunidades de professores faz uma provocação interessante: se sofremos juntos por que não lutamos juntos? De certo que voltamos ao princípio, como lutar juntos se as vontades são diversas? Como lutar juntos se a grande maioria desacredita em sua unidade sindical? Como lutar juntos se a grande maioria esconde-se atrás de migalhas conquistadas? Como diz Lênin[6], “só pode exortar os outros à ação aquele se lança na ação”, a simplicidade da frase, talvez, possa encobrir sua profundidade prática.
Consciência de quem sou
O tipo de exortação que os professores fazem aliando frase de efeito à ideia imatura de classe soacial gera as confusões na categoria, pois ela simplesmente engessa os agentes coletivos, assim a classe social se torna uma “coisa” que podemos mensurar e qualificar e dela deduzir uma consciência coletiva e esta dedução é sempre frágil. Se da identidade de interesses políticos nasce a “consciência de classe” nem sempre ela é capaz de expressar as reivindicações das mesmas quando multiplicada. Para podermos analisar a “consciência de classe”, que é a forma como as experiências dos agentes são tratadas, tomamos como instrumento operacional as formulações de Marx de “classe para si” e “classe em si”.
Tendo como pressuposto que uma classe elevou sua luta para o campo político e os interesses comuns entre os indivíduos se revelaram desta identidade floresce a “consciência de classe”. Uma “classe social” dotada de consciência é uma “classe para si” se a consciência não emergir a classe continua uma “classe em si” ou seja, incapaz de expressar seus interesses políticos. A mudança de uma “classe em si” para uma “classe para si” não é necessária, como nós vivenciamos a identidade no processo produtivo não é um fator determinante para garantir a consciência de classe.
Norberto Bobbio[7] é incisivo ao afirmar que a grande fábrica capitalista oferece maiores condições para florescer a conciência de classe. Dado que a penetração das ideias da classe dominante são em menor grau, conforme Poulantzas[8], o ambiente escolar tem um papel ideológico de organizar a hegemonia do Estado, desta forma, a penetração das ideias da classe dominante serão em maior grau e isto, ao nosso ver, dificulta a condução da coletividade de professores à “classe para si”.
Aos professores não cabe somente se autoclassificar “classe” é preciso encontrar o seu lugar na história. A análise grosseira e superficial que podemos fazer é que o momento não nos permite identificar estes agentes coletivos como uma “classe social”, o desmonte sindical que vem sendo operado pelo governo do Estado de São Paulo nos últimos vinte anos inibiu o fazer-se dos professores. Possuímos hoje uma coletividade em torno de um sindicato, de direção pelega, lutando uma luta estreita, porém com um leque imenso de reivindicações que vão desde o plano econômico até a política sem se aprofundar em nenhuma das instâncias. Lênin[9] já nos alertava para os limites da “consciência sindicalista” que nada mais era do que uma “consciência burguesa”, dado que ela não avança para uma luta política, paira somente na luta econômica que visa vender por um melhor preço a mercadoria força de trabalho. É isto que vive o professor no Estado de São Paulo atualmente, busca que o Estado e a burguesia reconheçam o valor de sua mercadoria, a luta política nos aparece a anos-luz de distância.
Reconhecer que a consciência do professor é burguesa não é tarefa fácil, porém uma etapa importante no fazer-se da classe o que não podemos é relacionar a categoria dos professores neste momento com uma “classe social”, pois não o somos! Afirmar pelas redes sociais tal relação é dar condições para o surgimento de oportunistas que vem suprir a fragilidade da consciência com teorias substitutivas, seja o partido, seja o sindicato ou seja o teórico, ele nada mais fará do que desvendar a consciência não como ela é, mas como deveria ser e esta falsificação serve somente aos interesses da classe dominante. Devemos reconhecer o nosso lugar na história, pois só assim encontraremos a vitória a curto prazo na esfera econômica e, quem sabe, a longo prazo, enquanto representantes de classe social, na esfera política. Este posicionamento vai de encontro ao pensamento de Karl Marx[10], a saber, “a doutrina materialista segundo a qual os homens são produto das circunstâncias e da educação esquece que são precisamente os homens que modificam as circunstâncias e que o educador necessita, por sua vez, de ser educado”. O filósofo coloca a nós a responsabilidade de mudar a realidade e, o que parece ser uma obra faraônica e nos causa medo, nada mais é do que a prática revolucionária, deste modo, podemos concluir, assim como o fez Marx, que cabe a nós transformar o mundo!
[1] THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa, 1: a árvore da liberdade. 6. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2011.
[2] ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos filosóficos. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1974.
[3] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1998.
[4] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Editora Hucitec, 1984.
[5] MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, Karl. A revolução antes da revolução, II. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
[6] LÊNIN, V. I. Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento. In: LÉNINE, V. I. Obras escolhidas, 1. Lisboa: Edições Avante!, 1981.
[7] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1998.
[8] POULANTZAS, Nicos. Aparelhos de Estado e aparelhos ideológicos.
[9] LÊNIN, V. I. Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento. In: LÉNINE, V. I. Obras escolhidas, 1. Lisboa: Edições Avante!, 1981
[10] MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos filosóficos. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1974.
Comentários