Pular para o conteúdo
BRASIL

A Resistência subiu a rampa e agora?

Gibran Jordão, membro da direção nacional da Resistência/PSOL
Lula, Janja, Dona Lu e Alckmin na rampa
Scarlett Rocha

O movimento bolsonarista, suas frações mais radicais e fanáticos simpáticos ao uso de violência com armamento de fogo pesado, fizeram dezenas de vídeos nas redes sociais e gritaram em acampamentos na porta dos quartéis que Lula não subiria a rampa do palácio para tomar posse em Brasília no dia 1º de janeiro. Chamavam sistematicamente por uma intervenção das forças armadas, e até planos terroristas foram desarticulados por forças policiais, como o caso de um ativista bolsonarista que tentou explodir um caminhão de combustível no aeroporto da capital federal dias antes da posse de Lula. 

O próprio Bolsonaro, se destacou como o primeiro presidente desde o fim da ditadura militar que não teve o ato democrático de passar a faixa presidencial para o seu sucessor. Ficou em silêncio até os últimos dias de seu governo e depois fugiu para os EUA, tal postura ajudou a alimentar uma expectativa de caráter golpista no interior do movimento bolsonarista. Embora tenha setores golpistas nas forças armadas, essa ideia não encontrou ainda, apoio majoritário na burguesia nacional e internacional como em outros momentos da história. 

A verdade é que, não só Lula subiu a rampa, como também sua cadelinha chamada “Resistência”. Num momento histórico no qual a faixa foi passada para o novo presidente como um ato simbólico que expressou setores da sociedade que normalmente são excluídos e/ou vitimas de todo tipo de negligência e violência. Produto de um país desigual, preconceituoso e com profundas estruturas antidemocráticas que até hoje não conseguimos superar, pelo contrário, em certa medida se fortaleceram no ultimo período. 

É preciso ter a dimensão histórica dos resultados da luta política que atravessa o país nos dias de hoje. A derrota eleitoral de Bolsonaro (Líder máximo da extrema direita brasileira) representa uma imensa vitória dos movimentos de resistência que lutaram nos últimos anos para defender direitos sociais, civis e democráticos numa correlação de forças muito desfavorável. Nesses últimos seis anos apanhamos, levantamos, tentamos, erramos, reelaboramos, esperneamos, fizemos unidade para avançar contra um inimigo maior, exercemos a resiliência, mobilizamos gente nas ruas, organizamos calendários de luta unitários. Como também nos jogamos na eleição de Lula desde o primeiro turno, expressando a correta sensibilidade em compreender que Lula era o único filho histórico dos movimentos de resistência do país, com força capaz de vencer a extrema direita na eleição presidencial. Mesmo que agora estejamos diante de um governo de conciliação de classes, inegavelmente, a vitória eleitoral da esquerda contra o bolsonarismo, é uma conquista histórica da resistência! 

AS PRIMEIRAS MEDIDAS DO NOVO GOVERNO LULA… 

Assim como Pelé foi o único jogador campeão três vezes de copas do mundo. Lula é o único cidadão brasileiro que foi eleito presidente três vezes da republica federativa do Brasil pelo voto popular. Nesse terceiro governo, não está sendo diferente das outras vezes, representantes da classe trabalhadora em aliança com frações da burguesia vão governar uma das maiores economias do mundo no marco de uma democracia liberal-burguesa de origem nas concepções que ganharam o mundo ocidental após a revolução francesa no final do século XVIII.

As primeiras medidas do governo Lula e as declarações na posse de seus ministros que estão se dando essa semana, geraram um mau humor entre os poderosos do mercado de capitais. A interrupção dos processos de privatizações de várias estatais como Petrobras e Correios e as criticas ao teto de gastos são exemplos que geraram momentaneamente a queda da bolsa e a subida do dólar. 

O poderoso discurso de Sílvio Almeida em sua posse como novo Ministro dos Direitos Humanos em substituição a sinistra Damares Alves se destacou por toda mídia e redes sociais. Também deixou os setores mais conservadores, reacionários e atrasados de nossa sociedade de cabelo em pé. Almeida fez questão de dizer em alto e bom som o que ele mesmo classificou como o óbvio, estendeu a mão para todos os setores que vivem a violência cotidiana do discurso de ódio bolsonarista, de seculos de exclusão, covardias e indiferenças típicas de uma sociedade capitalista. 

Destaque também para a primeira mulher da história a ser ministra da saúde. Nísia Trindade, ex-presidenta da Fiocruz, que tomou posse essa semana com um forte discurso contra o negacionismo do governo anterior. Anunciando nos próximos dias a revogação de normativas que segundo ela “ ofendem a ciência, os direitos humanos e os direitos sexuais reprodutivos”. 

Mas as contradições já estão expostas, como a declaração do novo ministro da previdência social, o pedetista Carlos Lupi que em sua posse, falou em rever a reforma da previdência. Ele disse: 

“Precisamos discutir com profundidade o que foi essa anti reforma da previdência… Precisamos mudar os atrasos, os desrespeitos, o acinte à cidadania que houve nessa reforma. Temos que ter a coragem de mudar isso.” No dia seguinte, já foi desautorizado pelo ministro chefe da casa civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa, que disse: “ Não há nenhuma proposta sendo analisada e pensada nesse momento para revisão de reforma, seja da previdência ou outra…”

Muito provavelmente o novo Ministro da Fazenda Fernando Haddad terá a tarefa de acalmar os mercados propondo medidas de austeridade fiscal que vão de uma forma ou de outra entrar em conflito com os interesses econômicos da classe trabalhadora. Haddad já tem dado sinais nesse sentido, o jogo só está começando e precisamos estar atentos aos novos capítulos. 

A OPOSIÇÃO DE EXTREMA DIREITA… 

Vai ser acendendo velas para dois deuses, como já fez de outras vezes, que o novo governo Lula vai tentar se desenvolver. Mas agora o contexto político é diferente, terá como oposição o movimento bolsonarista que já deu provas que tem força política e de mobilização para tentar desestabilizar o país. Vale também destacar que embora Bolsonaro perdeu por muito pouco a disputa na eleição presidencial, a extrema direita teve vitórias importantes na eleição de governadores e no próprio congresso nacional. Tudo indica que teremos uma forte oposição liderada por Bolsonaro que vai trabalhar dia e noite para voltar ao comando central do país em breve. Seja através de planos golpistas ou na próxima eleição… 

Menosprezar a capacidade de resiliência do bolsonarismo e sua mobilização social é um erro muito grave e rude. A sociedade brasileira segue dividida e as arcaicas estruturas reacionárias se mantém sólidas, bem posicionadas, bem aparatada com amplo alcance nas redes sociais e com arsenal bélico pesado. Um flanco aberto ou um erro político simples, poderá desencadear mobilização de rua liderada pelo bolsonarismo com poder de colocar não só o governo Lula, mas toda a esquerda na defensiva. Seria ingenuo achar que as grandes igrejas conservadoras, os ruralistas, os golpistas das forças armadas e o empresariado bolsonarista em geral vão se dispersar e abandonar a luta política no próximo período. 

Todas as “migalhas sociais e/ou democráticas” que o movimento conseguir arrancar durante o atual governo, será motivo para a extrema direita neofascista organizar a reação. Eles sabem que só podem seguir acumulando mais capital e poder político, se avançarem na destruição política de qualquer representante de um programa de esquerda. Não importa se moderado ou revolucionário, se conciliador ou de ruptura, se tem cargos no governo ou não. Para o neofascismo, somos todos “comunistas!”

O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS, DO SINDICALISMO E DA JUVENTUDE… 

A resistência subiu a rampa, mas não pode sair das ruas, a vitória eleitoral contra Bolsonaro não pode ser de maneira nenhuma entendida como o capitulo final da história do bolsonarismo no Brasil. Como também não pode significar um “cheque em branco” para o atual governo fazer o que quiser, em especial aos temas que são de interesse do povo trabalhador brasileiro. Como já caracterizamos nesse texto, estamos diante de um governo de conciliação de classes, no qual haverá uma forte pressão das frações burguesas que estão dentro e fora do governo para que o mesmo cumpra uma agenda neoliberal que garanta um novo folego na acumulação capitalista para o próximo período. 

A vitoria de Lula não leva a classe trabalhadora para o paraíso, mas cria oportunidades para uma nova correlação de forças e nos obriga preparar um processo de mobilização social para não só defender direitos, mas para avançar em conquistas. Trata-se de um desafio, de um novo momento na luta política do país, no qual o sindicalismo, os movimentos sociais, a juventude e os ativistas em geral precisam construir espaços de dialogo, elaboração e de ações comuns para a mobilização social em torno de pontos programáticos unitários que se enfrente contra os interesses do capital.

Quando estávamos todos de acordo em tirar Bolsonaro da presidência da republica foi fundamental a unidade em torno da campanha “Fora Bolsonaro”. E agora? Qual será os pontos programáticos e o espaço de articulação unitário que vai sedimentar um possível movimento nas ruas com alcance de massas? Como vai se dar o processo de reorganização? Com certeza não será sem luta política no interior da própria esquerda. Grandes poderes exigem grandes responsabilidades, e esperamos que as direções majoritárias do movimento estejam com a mente aberta para construir tal reorganização. Que precisa estar preparada para ter independência política que permita acumular força de mobilização com amplo alcance e capaz de colocar na defensiva toda e qualquer iniciativa das forças comprometidas com o programa neoliberal e conservador. Há uma imensa expectativa de dias melhores no seio da massa trabalhadora, a única forma desse sentimento não ser frustrado, é organizando desde já, pela base, a luta social! 

Por ultimo, temos o direito e o dever de criticar toda e qualquer medida que possa ser de iniciativa do atual governo que desagrade os interesses do povo brasileiro. O que não temos o direito de fazer é confundir nossa mobilização com as movimentações da oposição liderada pela extrema direita. Contra o golpismo bolsonarista, jamais podemos ter a dúvida de que lado da história devemos ficar!