Pular para o conteúdo
TEORIA

O terrorismo israelense

Henrique Carneiro 

Vivemos a era da novilíngua anunciada por George Orwell em “1984”. Os Estados manipulam termos dando-lhes um sentido oposto. O termo terror e seus derivados é um dos que mais se prestam para a operação ideológica de justificação do predomínio hegemônico estadounidense no mundo sob a cobertura da legitimidade. Os maiores praticantes do terrorismo de Estado sempre chamam seus adversários de “terroristas” e consideram seus bombardeios de alta tecnologia como ações justas e necessárias.

O exemplo mais flagrante dessa manipulação terminológico é o uso do terror contra populações civis no conflito do Oriente Médio onde apenas um lado pode merecer esse epíteto demonizante: “terrorista”! A mídia ocidental, seguidora das determinações da política externa do governo estadunidense e israelense, insiste em chamar o Hamas de terrorista.

Ora, mas Israel é um Estado terrorista! Mesmo antes dos sucessivos bombardeios de Gaza em 2008, 2012 e 2014, e do Líbano em julho/agosto de 2006, já se vinha praticando, com mísseis e disparos de helicópteros, as chamadas cinicamente de “execuções extra-judiciais” de dirigentes palestinos e libaneses de forma sistemática, em suas casas ou enquanto transitam de carro, com enorme número de vítimas civis “colaterais”, inclusive muitas crianças. Nos territórios ocupados, pratica um sistemático terrorismo contra as populações ali confinadas. Essas regiões, onde vivem milhões de pessoas, são os guetos contemporâneos, segregados, sem direitos e cercados de muros. O estatuto do “estado judeu” é o pressuposto racista do “direito de retorno” que garante cidadania israelense a qualquer judeu de qualquer nação, mas expulsou e não admite nenhum direito de retorno para cerca de três milhões de palestinos.

Sua origem foi marcada por um terrorismo de dupla natureza: contra populações civis árabes por meio do extermínio de centenas de pessoas em aldeias inteiras, dentre as quais o caso de Deir Yassim, onde centenas de moradores foram trucidados em 9 de abril de 1948, é o mais exemplar, e contra autoridades da administração britânica da Palestina, o mais sangrento dos quais foi a bomba que destruiu o Hotel King George, em 22 de julho de 1946, em Jerusalém, matando mais de cem pessoas. Mas os grupos terroristas sionistas também atuaram no exterior, colocando, por exemplo, uma bomba na embaixada britânica em Roma.

Em 1982, Israel invadiu o Líbano provocando mais de 20 mil mortos, entre os quais 1.700 palestinos dos campos de refugiados de Sabra e Chatila, trucidados em uma noite de terror por milícias cristãs apoiadas pelo exército israelense. Em 2000, Israel foi obrigado a sair do Líbano, com um custo de mais de 700 soldados mortos, devido a uma resistência militar encabeçada pelo Hizbolah.

Em 2006, Israel desencadeou uma operação de destruição do Líbano, sob o pretexto da captura de dois soldados, a mesma usada para atacar Gaza, enquanto nas prisões israelenses são mantidos mais de nove mil prisioneiros palestinos e libaneses, inclusive centenas de mulheres e menores de dezoito anos.

Numa ação genocida, por meio de bombardeios sistemáticos, Israel destruiu grande parte da infra-estrutura do Líbano, bairros residenciais inteiros, usina elétricas (provocando um desastre ecológico que já é talvez o maior derramamento de óleo no Mediterrâneo), estradas, fábricas civis, etc. Quase um quarto da população do Líbano (cerca de um milhão e meio de pessoas) tornou-se refugiado. Do lado libanês, houve mais de mil mortos, um terço dos quais de crianças de menos de 12 anos, sem contabilizar as dezenas de cadáveres que apodrecem nos escombros de prédios de apartamentos. Todos mortos em seu próprio país, a maioria em suas casas. Do lado israelense, 156 mortos, sendo 117 soldados invasores e 39 civis. Essa desproporcionalidade obrigou até mesmo os países aliados de Israel a emitirem tímidos protestos pedindo que Israel mate menos civis.

Mas Israel mata civis deliberadamente, atirando contra bairros residenciais, contra comboios de carros de refugiados, contra hospitais e mesquitas, usando bombas de fragmentação e até mesmo de fósforo branco. Afinal, quem possui a maior ajuda militar estadunidense no mundo que representa metade do orçamento nacional precisa justificar esse dinheiro gastando um pouco de munição.

A deliberação de bombardear Qana, matando meia centena de civis, a maioria crianças, repetindo o crime de dez anos antes, quando na mesma cidadezinha, uma centena de civis foi morto num abrigo da ONU demonstra a política de terrorismo para expulsão da população, ou seja, limpeza étnica. A idéia era simplesmente expulsar a população libanesa do sul do Líbano para ser ocupado por uma tropa de cobertura para Israel.

Por outro lado, demonstra-se para os palestinos de Gaza e Cisjordânia a determinação ilimitada de Israel em matar, buscando-se assim, desencorajá-los de reivindicarem seus direitos a um Estado. Não importa que a maioria do povo palestino de Gaza tenha eleito o Hamas, pois com o uso do termo “terrorista” Israel declara que quem apóia tal grupo é terrorista e pratica contra eles um terror imensamente maior, vindo do céu onde pilotos anônimos matam covardemente.

Nos ataque a Gaza em 2008-2009 houve 1166 palestino mortos, dezenas de milhares de feridos para 13 israelenses mortos. Em 2012 foram 167 palestinos mortos para seis israelenses. Agora, em 2014, já são mais de 150 palestinos mortos e nenhum israelense morto. Tais cifras expressam uma desigualdade e uma assimetria que se configura claramente num desproporcional massacre.

Israel é um Estado terrorista, faz terror com uso do quarto maior arsenal militar do planeta, usa o método nazista de quando receber ataques contra soldados fazer represálias contra a população civil e mantém populações subordinadas, sem direitos de cidadania, como mercado de mão de obra barata, submetidas a humilhações, torturas e assassinatos. Não respeita nenhuma das resoluções da ONU, nem a resolução 181, da partilha da Palestina de 1947, nem a exigência de devolução dos territórios ocupados em 1967. Praticou, aliás, diversos atos terroristas contra a própria ONU. O grupo terrorista sionista Lehi matou o próprio mediador enviado pela ONU, o Conde Bernadotte, em 17 de setembro de 1948. O exército israelense bombardeou um abrigo da ONU, em 1996, matando uma centena de civis e assassinou, em 2006, com o bombardeio do seu posto de observação, quatro enviados da ONU (um chinês, um canadense, um austríaco e um finlandês) mesmo após dez horas de telefonemas dos observadores advertindo o comando israelense. Nem o Conselho de Segurança nem o Secretário-Geral, no entanto, condenaram esse ato como crime de guerra.

Dizer isso tudo, não significa não reconhecer que também tem existido terrorismo do lado palestino, e que é preciso, por princípio, condenar toda e qualquer ação que vitime civis, como os ataques contra alvos não-militares. Mas a desproporção “assimétrica” da violência, uma estatal, genocida, imperialista, colonialista, opressora, a outra social, desesperada e até suicida, de resistência de oprimidos, exige que qualquer consciência política e moral baseada nos valores humanistas e socialistas saiba diferenciar ações de resistência, mesma aquelas que levam a mortes de inocentes, da destruição sistemática de civis por meio de máquinas de guerra estatais, especialmente com uso de bombardeios.

A busca da paz passa necessariamente pela condenação da agressão israelense como o fator provocador da guerra, invadindo e bombardeando os territórios ocupados da Palestina num ato de genocídio e numa seqüência de crimes de guerra.

Somente o fim da colonização dos territórios ocupados e o reconhecimento de um Estado palestino podem fazer retroceder o projeto militarista, colonialista e imperial do exército israelense.