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TEORIA

Quem está nas ruas desde junho no Brasil? (segunda parte)

Marco Pestana

III. A experiência recente da classe trabalhadora: a reconfiguração do capitalismo pelo neoliberalismo.

O início dos anos 1970 foi marcado pela eclosão de uma crise do padrão de acumulação capitalista gestado, principalmente, a partir do encerramento da II Guerra Mundial. Em face da progressiva intensificação da crise, frações da burguesia mundial e os governos comprometidos com a recuperação das taxas de lucro então em queda detonaram

“(…) um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores”[1].

No Brasil, as condições políticas específicas vivenciadas pelo país – com destaque para o processo de intensas lutas sociais e crescente organização política da classe trabalhadora ao longo dos anos 1980[2] – retardaram o impacto mais direto dessas transformações até o início dos anos 1990. A vitória de Fernando Collor nas eleições de 1989, no entanto, sinalizou uma virada no sentido da adoção do receituário neoliberal como base das políticas econômicas nacionais, num processo que se consolidou ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), criando as condições para a aceleração da reestruturação produtiva no país. Como consequência desse processo, os anos 1990 foram palco de uma retração do mercado laborativo brasileiro, associada à intensificação da expropriação de direitos trabalhistas e ao avanço da precarização das relações e condições de trabalho.

Na primeira década do século XXI, esse quadro sofreu algumas modificações. Assim, ainda que a precarização do trabalho tenha se sustentado em marcha acelerada, a criação prolongada de postos de trabalho ao longo do decênio – ainda que concentrados na base da pirâmide salarial, como já visto no tópico anterior – articulada ao aumento do poder de consumo (viabilizado pela difusão do crédito e pela valorização do salário mínimo) produziu uma melhora nas condições materiais de vida de parcelas significativas da classe trabalhadora, notadamente o precariado.

Simultaneamente, esses mesmos trabalhadores experimentaram uma importante ampliação de seu horizonte de expectativas. Na sequência da quase universalização da educação básica alcançada na década de 1990, o ensino superior passou a ser um caminho viável para cada vez mais jovens trabalhadores, como resultado da combinação – absolutamente não casual – da expansão da oferta de vagas nas universidades, principalmente do setor privado, com o avanço das políticas governamentais de financiamento dos estudos, com destaque para os programas do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e Universidade Para Todos (PROUNI)[3]. Entretanto, a manutenção e o reforço de traços estruturais da economia nacional, como a elevada participação do terciário e o predomínio de postos de trabalho de baixa qualificação nos mais diversos setores[4], têm representado um gargalo dificilmente superado pelos trabalhadores em sua busca pela ascensão profissional, condenando uma força de trabalho cada vez mais qualificada a ocupar cargos de baixa complexidade e remuneração, conforme demonstrou a pesquisa realizada por Ruy Braga entre os teleoperadores[5], trabalhadores de um dos setores que experimentou maior crescimento na economia brasileira do século XXI.

A experiência social do proletariado, no entanto, não se encerra em seus espaços de trabalho e estudo. Em se tratando de um país majoritariamente urbano como o Brasil – e tendo sido as grandes cidades o epicentro das manifestações iniciadas em junho –, as condições de vida nas cidades precisam ser, igualmente, inseridas nesse quadro. De acordo com o geógrafo David Harvey, as reestruturações urbanas têm funcionado como poderosas ferramentas de absorção de capitais e resolução de crises cíclicas capitalistas desde, pelo menos, o século XIX. No caso da crise iniciada nos anos 1970, o roteiro não foi diferente, tendo a construção do neoliberalismo implicado em uma radical reorientação da dinâmica e da estrutura das mais importantes cidades do globo. Nesse novo modelo de cidades,

“A qualidade da vida urbana, assim como a própria cidade, se tornou uma mercadoria para aqueles que têm dinheiro em um mundo onde o consumismo, o turismo, as indústrias cultural e lastreada pelo conhecimento, assim como o recurso perpétuo à economia do espetáculo, se tornaram aspectos fundamentais da economia política urbana, mesmo na Índia e na China. (…)

Mas, as fissuras no sistema são por demais evidentes. Vivemos cada vez mais em cidades divididas, fragmentadas e propensas a conflitos. A forma como vemos o mundo e definimos possibilidades depende do lado do trilho em que nos encontramos e do tipo de consumismo a que temos acesso. Nas últimas décadas, a virada neoliberal restaurou o poder de classe das elites ricas. (…) Os resultados dessa crescente polarização na distribuição de riqueza e poder estão indelevelmente grafados nas formas espaciais das nossas cidades, as quais avançam para se tornarem cidades de fragmentos fortificados, de comunidades muradas e espaços públicos privatizados mantidos sob constante vigilância. A proteção neoliberal do direito à propriedade privada e seus valores torna-se a forma hegemônica da política, mesmo para a baixa classe média”[6].

Em artigo recente, Carlos Vainer argumentou que esse modelo de cidade tem sido estruturado no Rio de Janeiro desde princípios dos anos 1990, de forma que “a cidade de exceção transforma o poder em instrumento para colocar a cidade, de maneira direta e sem mediações na esfera da política, a serviço do interesse privado de diferentes grupos de interesses”[7]. Uma das consequências mais diretas desse processo, o grande boom imobiliário recentemente verificado nas grandes cidades brasileiras[8] tem servido não apenas como mecanismo de valorização do capital, mas também de produção de um espaço urbano crescentemente hierarquizado e segregado, em que as parcelas mais pauperizadas do proletariado são empurradas para periferias cada vez mais distantes por processos de remoção branca e/ou direta[9]. Ao mesmo tempo, áreas historicamente ocupadas pela classe trabalhadora têm sido transformadas em ponta-de-lança da acumulação capitalista por meio da transferência de sua gestão para empresas particulares, cujo maior exemplo é o projeto Porto Maravilha[10].

Por fim, também os serviços públicos urbanos passam a ser objeto da lógica neoliberal. Nessa seara, o caso dos transportes coletivos é particularmente dramático. Além de todos os principais meios – ônibus, trens, metrô e barcas – já se encontrarem privatizados, as tarifas cobradas aos usuários são bastante elevadas e a ênfase no transporte rodoviário produz, diariamente, centenas de quilômetros de engarrafamentos, num processo que só é agravado pelos recentes incentivos concedidos pelo governo federal para que a população adquirisse automóveis particulares[11].

Não obstante nas áreas de saúde e educação ainda haja uma ampla rede de serviços públicos – municipais, estaduais e federais –, as mesmas tem sido objeto de um longo processo de precarização das relações e condições de trabalho, cujo resultado é a queda da qualidade no atendimento oferecido. Não à toa, os profissionais das redes de ensino municipal e estadual do Rio de Janeiro se encontram mobilizados em greve há mais de um mês como forma de tentar alterar esse quadro. Paralelamente, o aumento do poder de consumo de parcelas da classe trabalhadora, associada ao triunfo ideológico do neoliberalismo, que assevera a superioridade da gestão privada dos serviços, e aos incentivos estatais concedidos ao empresariado, tem condicionado um número cada vez mais elevado de pessoas a contratar esses serviços junto a operadoras privadas, cuja atuação é, em sua maioria, igualmente marcada por baixos índices de qualidade[12].

Sintetizando esse quadro, é possível afirmar que, atualmente, a classe trabalhadora brasileira encontra-se fragmentada em seu trabalho, com vários de seus mecanismos de proteção trabalhista sob direta ameaça, crescentemente endividada e com dificuldades de concretizar seus projetos de ascensão individual – fomentados pelos mais diversos subprodutos ideológicos do neoliberalismo, como o empreendedorismo e a teologia da prosperidade – por meio do trabalho e do estudo. Além disso, experimenta condições de vida progressivamente asfixiantes nas cidades, tendo seu direito a serviços públicos universais solapado em favor da lógica do consumo individual desses serviços. Entretanto, por mais drástico que esse quadro se apresente, é possível identificar fatores de coesionamento da experiência social do proletariado. Nos mais diferentes setores do serviço público e da iniciativa privada, por exemplo, a precarização do trabalho tem sido uma vivência partilhada. Os engarrafamentos, sejam eles enfrentados em automóveis individuais ou no aperto dos coletivos, igualmente marcam o cotidiano das mais diferentes frações de trabalhadores, assim como a baixa qualidade dos serviços de saúde e educação públicos e privados.

É possível, portanto, afirmar que os efeitos da forma cada vez mais perversa assumida pela produção capitalista em sua variante neoliberal, com acentuação da exploração e da expropriação, são sentidos pela classe trabalhadora em sua totalidade, independentemente de suas condições específicas de vida e trabalho. E, como demonstrou Edward Thompson em sua seminal obra A formação da classe operária inglesa, uma classe social não se produz pela homogeneização dos elementos isolados do cotidiano, mas pela experiência compartilhada de determinado processo social. Em suas palavras:

“Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência, como na consciência”[13].

Entretanto, no caso brasileiro atual, muitas das ferramentas historicamente produzidas pela classe trabalhadora para a organização coletiva dessa experiência em termos politicamente mais ativos têm funcionado precisamente como elementos de sufocamento da expressão do descontentamento latente em relação à atual situação. No próximo tópico, serão brevemente abordadas as trajetórias recentes de alguns desses instrumentos com o objetivo de auxiliar na compreensão das formas atualmente encontradas para expressar esse descontentamento.

IV. Os instrumentos políticos da classe trabalhadora: adequação do PT à ordem e explosão do descontentamento.

O último grande ciclo de mobilizações dos trabalhadores brasileiros, ao longo dos anos 1980, produziu uma longa série de formas organizativas bastante diversas, como partidos, sindicatos, associações e federações de moradores, movimentos sociais, entre outras. Dentre elas, é possível afirmar que o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) desempenharam, por sua abrangência e capilaridade, o mais destacado papel na aglutinação da fração urbana do proletariado nacional. Apesar da combatividade que marcou seus primeiros anos e da radicalidade de suas propostas iniciais, ambas as entidades passaram por importantes transformações ao longo de sua história. Não cabe, aqui, reabrir a prolífica polêmica sobre os marcos cronológicos dessa transformação, bastando, para os propósitos desse texto, afirmar que no decorrer dos anos 1990, sob o impacto do já mencionado neoliberalismo e de transformações políticas a nível mundial (queda do Muro de Berlim, fim da URSS, etc), novas concepções e práticas foram se afirmando.

No bojo dessa transição, partido e central sindical foram se adequando programaticamente aos limites da ordem capitalista. Analisando a trajetória do primeiro com ênfase nas metamorfoses de suas principais resoluções, Mauro Iasi afirmou que

“(…) o “projeto” político do PT, que inicialmente se propunha a ser a “expressão política de todos os setores explorados pelo capitalismo”, contenta-se agora em se constituir enquanto projeto de “parte” da sociedade que interage com outras “partes” na busca de um “entendimento comum”. Um projeto próprio, diríamos nós apoiados em Gramsci – um projeto capaz de autonomia histórica –, aponta para uma sociedade própria, o socialismo. Um projeto compartilhado pressupõe uma sociedade que seja capaz de conter os interesses daqueles que a compartilham, nos termos deste jovem adepto do liberalismo republicano alçado à condição de presidente do PT [José Genoíno]: uma sociedade livre e democrática”[14].

Tal virada, no entanto, longe de ter se dado unicamente no plano programático, foi acompanhada e condicionada pela emergência de um novo padrão de relação das organizações e dirigentes da classe trabalhadora com o processo de acumulação capitalista. Conforme apontaram Álvaro Bianchi e Ruy Braga, os recursos dos trabalhadores foram paulatinamente transformados em um dos pilares do financiamento do desenvolvimento capitalista nacional, notadamente via fundos de previdência complementar, tendo antigos dirigentes sindicais desempenhado o papel de gestores desses recursos[15].

Com a chegada do PT ao comando do governo federal, por meio dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e da gestão em curso de Dilma Rousseff (iniciada em 2011), esse processo de acomodação à ordem alcançou um novo patamar. Ocupando os principais postos de comando no Estado, os dirigentes petistas aturam no sentido de apresentar o próprio aparato estatal como responsável pela mediação das relações entre as classes sociais, distribuindo cargos para representantes das mais diversas classes e frações de classe. Operou-se, assim, um processo de esterilização das disputas políticas por parte das forças sociais, que resultou no avanço da domesticação de parcela significativa dos movimentos sociais ligados ao campo subalterno. As propostas de tímidas mudanças sociais que teimavam em sobreviver no programa do partido deveriam, a partir dali, ser perseguidas por meio de negociações com as heterogêneas e largamente conservadoras e fisiológicas coalizões de sustentação parlamentar dos governos petistas.

Paralelamente, a adoção de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, associada às já mencionadas valorização do salário mínimo e expansão do crédito, resultaram num deslocamento da base social de apoio ao PT, expresso num “realinhamento eleitoral” verificado a partir de 2006. Nesse cenário, os votos petistas passaram a apresentar configuração diversa da exibida desde 1989: em lugar do grande número de votos entre a classe média e a parcela melhor remunerada e mais organizada da classe trabalhadora, verificou-se uma concentração maciça dos seus sufrágios em meio ao que André Singer denominou “subproletariado”, ou seja, a “sobrepopulação trabalhadora superempobrecida permanente” – tendo Lula alcançado 64% das intenções de voto nesse segmento no segundo turno do pleito presidencial de 2006[16].

Apesar desse robusto apoio eleitoral, é impossível não perceber que, quando o governo Dilma e o PT viram-se mais acuados na conjuntura atual, não conseguiram produzir mobilizações de fôlego para sustentar seu próprio programa estratégico. Tal incapacidade mobilizatória foi verificada tanto no fracasso da convocatória do presidente nacional do partido, Rui Falcão, para que a militância petista ocupasse as ruas em meados de junho, quanto na ausência de apoio popular ativo aos cinco pactos (por responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte e educação) propostos pela presidenta como resposta às manifestações daquele mês[17]. Pela consideração desses dois episódios, fica claro que nem a militância mais organicamente vinculada ao partido, nem sua base eleitoral, possuem o tipo de adesão ao projeto petista necessário para sua defesa mais enfática nas ruas.

Tal constatação, evidentemente, não se choca com a análise acima esboçada acerca da adequação do PT à ordem e seu papel na desmobilização dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Ao contrário, aqueles processos estiveram precisamente na origem da incapacidade de desse projeto de angariar apoios ativos verificada na atual conjuntura. A mesma conjuntura, no entanto, tratou de demonstrar que a via institucional na qual o PT vem depositando todas as suas fichas não apresenta uma correlação de forças necessária para a realização de quaisquer reformas minimamente democratizantes, conforme evidenciado pelo afogamento parlamentar da proposta de reforma política da presidenta. Sintomaticamente, a recuperação da estabilidade do governo – e de seus índices de aprovação – deveu-se muito mais à vitória obtida no debate público, fundamentalmente via meios de comunicação, em torno do programa Mais Médicos, do que a qualquer mobilização coletiva.

Ao expandirmos o raio de observação para além do governo federal, rapidamente emergem novos indícios do comprometimento do PT com a ordem vigente. Nessa seara, ao analisarmos os eventos de junho, é possível citar o comportamento do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que adotou, inicialmente, uma postura de intransigente negativa – lastreada em argumentos de ordem técnica e financeira – em relação à reivindicação de redução das tarifas, e se articulou politicamente – chegando a conceder entrevista coletiva conjunta –  com o governador Geraldo Alckmin (PSDB)[18]. No segundo momento do processo de mobilização, já em julho e agosto, é importante perceber que a truculência que caracterizou a atuação repressiva das polícias militares de estados como Rio de Janeiro e São Paulo, governados, respectivamente, por PMDB e PSDB, foi a mesma que marcou a ação da corporação do Distrito Federal sob o comando do governador Agnelo Queiroz (PT)[19].

Como o subproletariado de André Singer e o precariado conceituado por Ruy Braga coincidem parcialmente em sua definição[20], é possível afirmar que o setor social que produziu com maior intensidade as manifestações de junho, julho e agosto é, precisamente, aquele que tem sufragado os candidatos petistas nos últimos anos. Essa aparente contradição indica que a parcela do proletariado cujas perspectivas materiais de vida tiveram, relativamente, mais acentuadas melhorias ao longo da última década, ao chocar-se com os limites à sua ascensão colocados pela anatomia do desenvolvimento capitalista brasileiro – especialmente nas grandes cidades, epicentro das manifestações –, não hesita em expressar seu descontentamento. Entretanto, a adesão do PT, da CUT e de outras organizações e movimentos sociais à ordem vigente privaram essa classe de instrumentos de mobilização de massa – ainda que existam iniciativas de organização independente da classe trabalhadora, bastante minoritárias –, induzindo a forma explosiva pela qual esse descontentamento de manifestou[21].

Por fim, é importante notar que, se com a adesão do PT à ordem e sua progressiva desvinculação da dinâmica mobilizadora dos movimentos sociais e das classes subalternas, foram bloqueadas as principais válvulas de escape do descontentamento subalterno nos últimos trinta anos, nada mais natural que alguns elementos do regime político – como as relações entre determinados governantes e parcelas do empresariado, ou a atuação das casas legislativas – passassem a ser, também, objeto das críticas dos manifestantes, conforme já verificado. Um quadro que se agrava tanto mais quanto o próprio PT e as demais forças político-partidárias comprometidas com esse regime insistem em responder às mobilizações com uma combinação da lógica neoliberal de represamento dos recursos destinados aos serviços públicos, com a redução continuada dos canais de participação institucional da população, tornando a atividade política cada vez mais privativa de uma camada tecnocrática e afastada dos anseios das classes dominadas, ao mesmo tempo em que a brutalidade policial trata de abafar as manifestações não institucionais de descontentamento[22].

V. Considerações finais.

Conforme aponta a imensa maioria dos artigos e ensaios que têm se dedicado a analisar a conjuntura aberta pelas manifestações de junho, a partir dali o quadro político nacional foi substancialmente alterado. Segundo a perspectiva aqui adotada, o elemento fundamental dessa nova situação é a explosão do descontentamento de parcelas significativas da classe trabalhadora brasileira, especialmente nas grandes cidades do país, onde as contradições do modelo de desenvolvimento capitalista vigente no país são mais agudas. As formas de elaboração e expressão desse descontentamento, no entanto, encontram-se historicamente condicionadas pela trajetória recente da classe trabalhadora e de suas entidades organizativas criadas no último grande ciclo de ativação de lutas sociais.

Essa trajetória – marcada pelo triunfo do neoliberalismo e pela adesão do PT, da CUT e de outras organizações à ordem –, por sua vez, impõe uma série de obstáculos à constituição de um processo de lutas mais coeso por parte dos diferentes setores da classe trabalhadora. Para que esses obstáculos sejam superados em favor da afirmação progressiva de um projeto político autônomo elaborado pelos próprios trabalhadores, será necessário que se criem formas de articulação daquela parcela dos organismos historicamente construídos pelo proletariado que se mantiveram combativos com as novas propostas organizativas e de ação que têm emergido com graus variáveis de novidade (como os Black Blocs, as ocupações de casas legislativas, as assembleias locais, os fóruns de lutas, entre outros).

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[1]
[1]                                                                    ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. p.31.

[2]
[2]                                                                    ROZENTINO, Gelsom. História de uma década quase perdida: PT, CUT, crise e democracia no Brasil: 1979-1989. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

[3]
[3]                                                                    As vultosas somas de dinheiro público transferidas para o empresariado privado da educação superior podem ser conferidas nos seguintes sites: http://www.portaltransparencia.gov.br/PortalComprasDiretasOEElementoDespesa.asp?Ano=2012&Valor=&CodigoOS=26000&NomeOS=MINISTERIO%20DA%20EDUCACAO&ValorOS=5132357498499&CodigoOrgao=74902&NomeOrgao=RECURSOS%20SOB%20SUPERVISAO%20DO%20FIES&ValorOrgao=438101138404&CodigoUG=151714&NomeUG=FUNDO%20FINANC.%20ESTUDANTE%20ENSINO%20SUPERIOR&ValorUG=438101138404 e http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1321455-prouni-rende-isencao-fiscal-de-r-4-bi-a-faculdades-privadas.shtml. Ambos foram consultados em 20/09/2013.

[4]
[4]                                                                    Esses traços já foram apontados por alguns autores como OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. pp.54-60.; e KOVARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. pp.116-117.

[5]
[5]                                                                    BRAGA, Ruy. A política do precariado…pp.192-196.

[6]
[6]                                                                    Tradução minha para os seguintes trechos: “Quality of urban life has become a commodity for those with money, as has the city itself in a world where consumerism, tourism, cultural and knowledge-based industries, as well as perpetual resort to the economy of the spectacle, have become major aspects of urban political economy, even in India and China. (…) But the fissures within the system are also too evident. We increasingly live in divided, fragmented, and conflict-prone cities. How we view the world and define possibilities depends on which side of the tracks we are on and on what kinds of consumerism we have access to. In the past decades, the neoliberal turn has restored class power to rich elites. (…) The results of this increasing polarization in the distribution of wealth and power are indelibly etched into the spatial forms of our cities, which increasingly become cities of fortified fragments, of gated communities and privatized public spaces kept under constant surveillance. The neoliberal protection of private property rights and their values becomes a hegemonic form of politics, even for the lower middle class”. HARVEY, David. Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. London: Verso, 2012. pp.5-15.

[7]
[7]                                                                    VAINER, Carlos. “Cidade de Exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro”. Anais: Encontros Nacionais da ANPUR, 2011. Disponível em: www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/view/2874/2811. Consulta em 20/09/2013.

[8]
[8]                                                                    Como ilustração desse ponto, é possível citar os seguintes dados: “Em São Paulo o preço dos imóveis sofreu aumento de 153% entre 2009 e 2012. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 184%”. MARICATO, Ermínia. “É a questão urbana, estúpido!”. In: [et al.]. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013. pp.23-24.

[9]
[9]                                                                    FAULHABER, Lucas. Rio Maravilha. Práticas, projetos políticos e intervenção no território no início do século XXI. Trabalho de Conclusão de Curso de Arquitetura e Urbanismo. Niterói: EAU, 2012. pp.72-74. Disponível em: http://www.issuu.com/lucas.faulhaber/docs/tfg_lucasfaulhaber.  Acesso em 20/09/2013.

[10]
[10]                                                                    Informações sobre o projeto podem ser encontradas em http://portomaravilha.com.br/index.aspx. Consulta em 20/09/2013.

[11]
[11]                                                                    “Em 2001, o número de automóveis em doze metrópoles brasileiras era de 11,5 milhões; em 2011, subiu para 20,5 milhões”. MARICATO, Ermínia. “É a questão urbana… Op. Cit.”. p.25.

[12]
[12]                                            Um exemplo dessa tendência pode ser verificado no caso da saúde. “Crescimento de planos privados prejudica saúde pública”. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/10183. Consulta em 20/09/2013.

[13]
[13]                                                                    THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. Vol.1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.9.

[14]
[14]                                                                    IASI, Mauro Luis. As metamorfoses da consciência de classe (o PT entre a negação e o consentimento). São Paulo: Expressão Popular, 2006. p.527.

[15]
[15]                                                                    BIANCHI, Álvaro; BRAGA, Ruy. “A financeirização da burocracia sindical no Brasil”. Disponível em: http://www.blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=477. Consulta em 20/09/2013.

[16]
[16]                                                                    SINGER, André Vitor. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. pp.19; 51-69.

[17]
[17]                                            “Presidente do PT convoca militantes para participar de protestos em SP: ‘Ninguém tem direito de proibir’”. Disponível em: http://noticias.r7.com/brasil/presidente-do-pt-convoca-militantes-para-participar-de-protesto-em-sp-ninguem-tem-direito-de-proibir-20062013. Consulta em 20/09/2013.; “Dilma propõe 5 pactos e plebiscito para constituinte da reforma política” Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/dilma-propoe-5-pactos-e-plebiscito-para-constituinte-da-reforma-politica.html. Consulta em 20/09/2013.

[18]
[18]                                                                    “Alckmin e Haddad se reúnem no Palácio dos Bandeirantes”. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/06/alckmin-e-haddad-se-reunem-no-palacio-dos-bandeirantes.html. Consulta em 20/09/2013.

[19]
[19]                                                                    “PM se excede na repressão aos protestos em Brasília, OAB e Sindicato dos Jornalistas comparam a tempos da ditadura”. Disponível em: http://www.dercio.com.br/blog/pm-se-excede-na-repressao-aos-protestos-em-brasili/. Consulta em 20/09/2013.

[20]
[20]                                                                    De acordo com Ruy Braga, ambas categorias contemplariam as porções latente e estagnada da superpopulação relativa. Entretanto, o precariado seria, ainda, composto pela superpopulação relativa flutuante, ao passo que o subproletariado englobaria o pauperismo e o lumpemproletariado. BRAGA, Ruy. A política do precariado…p.28.

[21]
[21]                                                                    IASI, Mauro Luis. “A rebelião, a cidade e a consciência”. In: : MARICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes… Op. Cit. p.46.

[22]
[22]                                                                    A combinação entre racionalidade econômica tecnocrática e proeminente ação do aparato repressor de Estado tem marcado a emergência e a consolidação do neoliberalismo nos mais distintos países do mundo, tanto em regimes abertamente ditatoriais, como o Chile de Pinochet, quanto naqueles cuja tradição democrática é supostamente dotada de grande robustez, como a Inglaterra de Margareth Thatcher, conforme bem percebeu KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. pp.95-172.

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