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MUNDO

Os Socialista Democratas da América (DAS) e as Eleições de 2024: em política, silêncio é concordância

Por Philip Locker e Stephan Kimmerle

A Convenção dos Socialistas Democratas da América (DSA) de 2023 elegeu a nova direção da organização, seu Comitê Político Nacional (NPC), com a tarefa de “formar um comitê nacional multitendência para se preparar para as eleições nacionais de 2024, apresentando um programa positivo inspirado na Plataforma de Campanha do DSA para Bernie Sanders, de 2020.” Esse comitê, mais tarde conhecido como Comissão Para os Nossos Direitos (FORC), apresentou a sua proposta no final de Fevereiro. A NPC fez alterações na proposta e publicou sua versão final, “Programa FORC 2024: Em 2024, os trabalhadores merecem mais!”

Esta foi uma oportunidade para criar um apelo unificador à ação para ligar várias atividades do DSA em 2024 – do trabalho eleitoral às lutas laborais, das iniciativas eleitorais à solidariedade à Palestina – sob um programa político, um manifesto socialista, que defenderia as principais exigências imediatas, apelaria aos trabalhadores para se juntarem ao DSA e nos ajudarem a construir uma alternativa de massa da classe trabalhadora ao Partido Democrata. Uma oportunidade para definir nossa estratégia para a construção de um movimento de massas para desmantelar o capitalismo e articular uma visão ousada para uma ordem social fundamentalmente diferente – o socialismo – baseada na justiça económica, racial e de gênero.

Embora o programa inclua uma série de excelentes pontos gerais e demandas corretas, ele falha ao não abordar questões centrais relacionadas às eleições de 2024 e ao promover uma visão reformista do caminho em direção ao socialismo.

O elefante na sala

O programa apresenta uma série de pontos com os quais concordamos plenamente. Afirma apropriadamente que o Partido Democrata é “controlado pela sua classe de doadores, enraizada no capital financeiro internacional”. Destaca corretamente o “enorme orçamento militar” de Biden, a expansão da perfuração de petróleo, as “guerras intervencionistas no estrangeiro”, incluindo o “apoio ao genocídio brutal de Israel em Gaza”, e a manutenção e expansão das políticas racistas de imigração de Trump pelo presidente Democrata.

Explica ainda:

Diante de um Partido Republicano cada vez mais à direita, reconhecemos que uma segunda vitória de Trump seria catastrófica para a classe trabalhadora internacional. Confiar no Partido Democrata para liderar a luta contra o Partido Republicano e a direita não está funcionando. É necessário construir um caminho independente, enraizado na maioria da classe trabalhadora e orientado para a construção de um partido político dos trabalhadores (…) Este ano, derrotar o movimento de extrema-direita, proteger os direitos da maioria da classe trabalhadora e lutar pela democracia são as nossas principais prioridades. Em 2024 pretendemos unir a classe trabalhadora contra a extrema direita e o neoliberalismo, expandir a democracia e moldar um mundo por e para os trabalhadores. Através das nossas lutas nas ruas, nos locais de trabalho e nas urnas, continuaremos a construir um movimento da classe trabalhadora com o poder de enfrentar a classe capitalista e construir um mundo mais igualitário, democrático e livre.

Tudo muito bom! Mas como é que isto se aplica à questão premente que dezenas de milhões de trabalhadores enfrentam – como encarar as eleições presidenciais de 2024? Sobre esta questão central, o programa FORC 2024 não tem praticamente nada a dizer.

Mas esse silêncio não elimina o problema de como o DSA deve se relacionar à corrida presidencial. Significa simplesmente que o DSA está abandonando qualquer aspiração de liderar a classe trabalhadora, ou pelo menos a sua ala esquerda, quanto ao que fazer. Embora se tenha falado muito no DSA sobre “agir como um partido”, a essência de ser um partido político socialista é lutar para conquistar a liderança nos movimentos dos trabalhadores e das pessoas marginalizadas.

A recusa do DSA em assumir a responsabilidade pela liderança não significa que não haja liderança dos trabalhadores e dos movimentos de esquerda. Os líderes trabalhistas e progressistas como Bernie Sanders e Ilhan Omar estão endossando Biden. Argumentam que ele é um “amigo do trabalho”, um bom presidente, um defensor da democracia etc. Escandalosamente, os nossos sindicatos e organizações de movimentos sociais planeiam gastar centenas de milhões de dólares este ano com a campanha de Biden e dos Democratas.

Em nenhum momento o Programa FORC 2024 reconhece esta realidade, muito menos toma uma posição sobre ela. O leitor do Programa não obtém qualquer indicação de que o representante mais proeminente do DSA, Alexandria Ocasio-Cortez, está apoiando apoiado Biden (e provavelmente quase todos os outros representantes públicos do DSA irão, mais cedo ou mais tarde, seguir o seu exemplo). E como na política o silêncio não significa neutralidade, na prática, o DSA está aceitando que os seus representantes públicos, bem como seus líderes trabalhistas, apoiem politicamente a Joe Biden.

O Programa FORC 2024 apresenta pontos radicais ao nível dos comentários gerais, mas conclui com uma posição oportunista sobre a questão concreta das eleições deste ano. Isto é semelhante à abordagem “mínimo-máximo” da social-democracia clássica no período anterior à Primeira Guerra Mundial. A maioria dos líderes do partido social-democrata faziam discursos radicais sobre o marxismo e a futura sociedade socialista nos comícios do Primeiro de Maio e nas reuniões dominicais (o “programa máximo”). Mas durante o resto da semana a prática real destes líderes era fundamentalmente reformista, centrada na luta por um “programa mínimo” de reformas económicas e democráticas imediatas.

Encarando a corrida Biden-Trump: como construir uma alternativa de independência de classe?

O DSA está a debater-se sobre como se opor a Biden e aos Democratas pelas suas políticas pró-imperialistas e pró-capitalistas ao mesmo tempo em que reconhece o perigo ainda maior de um potencial segundo mandato para Trump. Nesta questão crucial, o Programa de 2024 é simplesmente insuficiente.

Os camaradas da FORC (e mais tarde do NPC) concordaram, como citado acima, que “perante o Partido Republicano cada vez mais à direita, reconhecemos que uma segunda vitória de Trump seria catastrófica para a classe trabalhadora internacional”.

Mas uma pequena maioria da FORC votou para remover desta frase a seguinte conclusão: “e acreditamos inequivocamente que é necessário derrotar [Trump]”. As correntes da ala moderada do DSA, Socialist Majority e Groundwork, defenderam a inclusão dessa meia frase. Uma estreita maioria da FORC composta por mais forças de esquerda em torno da Bread & Roses, do Marxist Unity Group e da Red Star votou pela sua eliminação.

Concentrar o debate na inclusão ou exclusão desta meia frase reduziu o debate a apoiar Biden (a política que a Socialist Majority e a Groundwork promovem implicitamente) ou a seguir o atual sentimento ultra-esquerdista de muitos ativistas de que as diferenças entre Trump e Biden podem ser efetivamente ignoradas nas eleições presidenciais (que a Bread & Roses, o Marxist Unity Group e a Red Star estão erroneamente ecoando).

Isto não significa que a Socialist Majority e a Groundwork estejam entusiasmadas com Biden, nem que a Bread & Roses, o Marxist Unity Group e a Red Star não vejam o perigo de Trump. A incapacidade de ambos os lados de encontrar uma posição de princípio que se oponha a Trump e ao mesmo tempo avance na luta pela independência política em relação aos Democratas, conduz a uma falsa dicotomia.

A realidade, com a qual ambos os lados deste debate não conseguem lidar, é – como descrito acima – que as forças que têm peso real na classe trabalhadora e nas comunidades marginalizadas – sindicatos e líderes progressistas – estão ativamente em campanha por Biden. Qual é a posição do DSA sobre esta política de falência? O DSA apoia ou se opõe a isso? Caso se oponha, qual é a alternativa que propõe? O Programa FORC 2024 não responde a estas questões e nem as coloca.

Na nossa opinião, o DSA deveria anunciar publicamente que não apoiaremos o nosso inimigo de classe, Joe Biden. Deveríamos exortar os representantes do DSA a também não apoiarem Biden, ou, se já o estão fazendo, a retirarem publicamente o seu apoio. O DSA deveria falar claramente contra nossos sindicatos e organizações de movimentos sociais que se vinculam a Biden e ao establishment Democrata. E, acima de tudo, a nossa mensagem precisaria apelar a todos aqueles que procuram uma alternativa anticapitalista a Biden para se juntarem ao DSA e nos ajudarem a construir um partido da classe trabalhadora para que nunca mais fiquemos presos numa eleição em que perdemos independentemente de quem vença.

Lutando no terreno de um sistema manipulado

Mas esta estratégia não terá sucesso se os socialistas ignorarem as preocupações legítimas dos trabalhadores sobre Trump nas eleições de 2024. Para combater eficazmente o alinhamento dos líderes trabalhistas e de esquerda com o Partido Democrata é vital que tenhamos as nossas próprias respostas à questão de como deter Trump.

É preciso diferenciar entre aqueles que usam o temor a Trump para angariar apoio para Biden e as suas políticas pró-capitalistas, e aqueles que estão alarmados com Trump, mas também estão zangados com as políticas de Biden.

Dado o Colégio Eleitoral antidemocrático1, as eleições presidenciais de 2024 serão determinadas por aproximadamente dez estados conhecidos como “estados pêndulos” (indecisos)2. Nos 40 estados onde o resultado das eleições é muito claro (“estados seguros”), não há razão para votar em Biden. Qualquer pessoa que defenda um voto tático em Biden para impedir Trump não poderá honestamente apoiar um voto em Biden nesses estados.

Por exemplo, no estado de Nova Iorque, onde o DSA é mais forte, não há justificação para a Alexandria Ocasio-Cortez e outros representantes do DSA apoiarem Biden, uma vez que o resultado da eleição ali não está em dúvida. Em vez disso, os representantes do DSA deveriam apelar aos seus apoiadores para que se juntem a eles na construção de uma resistência baseada em movimentos contra as políticas pró-capitalistas de Biden (que também será a melhor forma de combater Trump). Em nível eleitoral, isso significa registrar um protesto de esquerda por meio do voto no candidato mais forte da esquerda à presidência e do período eleitoral como uma oportunidade para chamar a adesão dos trabalhadores ao DSA. O DSA deveria propor abertamente à Alexandria Ocasio-Cortez e a outros seus representantes de Nova York a adoção desta posição.

Nos estados indecisos também não há justificação para apoiar Biden, adoçar as suas políticas ou doar para a sua campanha. Nesses estados, justifica-se um voto táctico em Biden para deter Trump, mas apenas com base na oposição aberta dos socialistas às políticas de Biden. Votar em Biden em estados indecisos não deve significar dar-lhe apoio incondicional em nome da “luta contra Trump” ou esconder a nossa oposição às suas políticas pró-capitalistas. Deveria ser apresentado apenas como uma infeliz necessidade táctica nestas eleições e deveria estar absolutamente ligado à construção de um partido independente da classe trabalhadora em todos os Estados Unidos, para que não tenhamos de enfrentar esta situação novamente.

A recusa do DSA até agora em abordar a realidade das eleições presidenciais de 2024 tem consequências práticas para o nosso trabalho. Resultou na incapacidade do DSA de defender com confiança a construção de uma alternativa da classe trabalhadora ao Partido Democrata na campanha do “voto não comprometido”. Tal como descreve o nosso artigo sobre a campanha pelo voto não comprometido, o DSA apresentou a nível nacional uma mensagem muito oportunista nesse movimento3.

Ao evitar o tema das eleições de 2024 o Programa FORC 2024 também silencia totalmente sobre Shawn Fain, o novo presidente de esquerda do UAW4, endossando Biden com entusiasmo. O DSA apoiou e fez campanha corretamente para eleger Fain. Mas isto tem consequências – estamos agora associados a Fain, incluindo o seu apoio a Biden.

Isso significa que é particularmente importante que nos distanciemos abertamente da posição errada de Fain. Não fazer isso é uma repetição dos mesmos erros que o DSA cometeu em relação a Bernie Sanders nas suas campanhas presidenciais. O DSA estava absolutamente correto ao apoiar Sanders, mas seguiu uma política oportunista de não se opor abertamente às posições erradas de Bernie sobre política externa e outras questões.

Outro problema com esta falta de crítica aos líderes sindicais é que o DSA não usa a influência dos nossos membros no movimento sindical de uma forma coordenada para desafiar a mensagem colaboracionista de classe da burocracia sindical segundo a qual Biden está do nosso lado. O poder do DSA pode ser limitado, mas a força que construímos até agora no movimento dos trabalhadores deve ser usada para desafiar essa postura servil em relação aos Democratas corporativos. Ao assumir uma posição clara, o DSA se destacaria como polo de atracção para uma minoria de trabalhadores com mais consciência de classe.

Esta política de seguir Alexandria Ocasio-Cortez e os líderes progressistas que fazem campanha ativa por Biden irá assombrar o DSA nos próximos meses. A campanha do “voto não comprometido” demonstra o desejo de milhões de lutar contra Biden e o establishment Democrata. Esperamos que esta tendência continue ao longo do ano que antecede as eleições de Novembro, embora seja provável que também seja cada vez mais afetada pelas preocupações crescentes sobre Trump. É hora de o DSA pôr fim ao seu silêncio sobre as eleições presidenciais de 2024 e elaborar respostas concretas para as verdadeiras questões que os trabalhadores enfrentam.

Para além de um cessar-fogo na Palestina

A solidariedade à Palestina é o movimento mais importante nos EUA neste momento. No entanto, a única exigência relativa à Palestina no Programa FORC 2024 é “Um cessar-fogo em Gaza”, que aparece na seção “Uma Política Externa da Classe Trabalhadora”.

Limitar-nos a pedir apenas um cessar-fogo é totalmente insuficiente. O cessar-fogo é uma importante exigência imediata para mobilização nas atuais condições. No entanto, embora um cessar-fogo ajudasse a pôr fim ao atual massacre que ocorre em Gaza, não resolveria a terrível opressão que o povo palestino enfrenta e que levou ao desesperado ataque de 7 de Outubro.

Como parte das nossas exigências imediatas, o DSA precisa apelar também para o fim de toda a ajuda militar dos EUA a Israel. Mas como parte do nosso programa para uma paz justa devemos exigir no mínimo:

– a retirada total e imediata das Forças de Defesa de Israel (FDI) de Gaza e da Cisjordânia

– o fim do cerco israelita e egípcio a Gaza

– o direito do povo palestino à autodeterminação e à condição de Estado

– o direito de regresso dos refugiados palestinianos como parte de um plano socialista para proporcionar habitação, empregos, paz e segurança a todos os povos da região.

Como socialistas, deveríamos ajudar a construir uma consciência anti-imperialista clara no movimento de solidariedade para com a Palestina. É por isso que é um erro significativo que a seção “Uma Política Externa da Classe Trabalhadora” não apele à abolição da OTAN, que foi expandida e fortalecida após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Vergonhosamente, todos os três membros do DAS no Congresso votaram a favor da expansão da OTAN a fim de incluir a Finlândia e a Suécia. Isto torna ainda mais importante que apresentemos a exigência do DSA para que os EUA se retirem da OTAN.

Como anti-imperialistas, devemos opor-nos às intervenções do imperialismo norte-americano em todo o mundo, incluindo na Ucrânia (cujo financiamento militar maciço recebeu os votos dos três membros do DSA no Congresso).

Direitos dos Imigrantes

Além disso, a exigência de “liberdade de circulação para todos os trabalhadores através das fronteiras” no Programa FORC 2024 é apresentada de uma forma liberal, carente de um enquadramento anticapitalista. O receio de um grande afluxo de imigrantes é explorado pelos republicanos de extrema-direita e pelos democratas do establishment a fim de deslocar a política dos EUA à direita. O discurso de Biden sobre o Estado da União fez eco à retórica e às políticas racistas dos republicanos de extrema direita em relação aos imigrantes.

O DSA deve opor-se intransigentemente ao racismo anti-imigrante dos Republicanos e do establishment Democrata e precisa lutar pelos interesses dos trabalhadores de todo o mundo, incluindo os imigrantes.

No entanto, o simples apelo à “liberdade de circulação de todos os trabalhadores através das fronteiras”, por si só, não resolve os desafios reais que a migração em massa de pessoas empobrecidas traz. Se nas atuais condições mais pessoas pobres tiverem de competir por empregos, habitação e serviços sociais, isso resultará na intensificação das tensões sociais nesta sociedade capitalista.

A forma de defender o direito democrático das pessoas de migrar por razões económicas e ambientais, ou para escapar à repressão ou opressão, é garantir que as empresas grandes e extremamente ricas cubram os custos de habitação, empregos e serviços sociais para todos, tanto migrantes quanto os já residentes. Limitar-se a ecoar o slogan liberal do direito de atravessar fronteiras, sem qualquer conteúdo de classe, irá, na verdade, ajudar a extrema direita.

O Socialismo Democrático é muito mais do que a democracia parlamentar

“Nosso objetivo final”, dizia a proposta de programa da FORC, “é o governo da maioria da classe trabalhadora, por meio de uma constituição democrática que crie um sistema político com direitos de voto universal e igual para a classe trabalhadora, representação proporcional em uma única legislatura federal e acabe com o papel do dinheiro na política.”

Chamar a isto o nosso “objetivo final” é um enfraquecimento massivo do programa do socialismo. No entanto, o NPC fez uma correção positiva ao adicionar:

Através desta democracia da classe trabalhadora, esperamos construir um mundo socialista onde as pessoas sejam colocadas à frente do lucro, as necessidades básicas das pessoas sejam retiradas das mãos do mercado e as maiores empresas sejam colocadas sob controlo público e democrático.

Apelar a “um sistema político com direito de voto universal e igual para a classe trabalhadora, representação proporcional numa única legislatura federal e acabar com o papel do dinheiro na política” é hoje absolutamente correto nos EUA. Todas estas são reformas democráticas que expandiriam a democracia burguesa, o que é do interesse dos trabalhadores e da nossa luta para derrubar o capitalismo.

No entanto, este não deve ser o nosso “objetivo final!” O Programa FORC 2024 reflete uma visão histórica extremamente estreita, aceitando que a forma particular de democracia burguesa (eleições parlamentares) é a última palavra quanto à democracia.

Em contraste, os marxistas há muito explicam que o socialismo – o domínio da classe trabalhadora – daria início a uma expansão qualitativa da democracia baseada na participação direta dos trabalhadores na gestão de todos os aspectos da sociedade – locais de trabalho, escolas e comunidades. A experiência de quase todas as revoluções da classe trabalhadora tem sido a do surgimento de órgãos democráticos de massa do poder popular, que constituem a base para um tipo fundamentalmente novo de Estado.

No seu programa de Dezembro de 1918, que mais tarde foi adoptado pelo novo Partido Comunista Alemão, Rosa Luxemburgo explicou esta visão marxista revolucionária da democracia socialista baseada em conselhos de trabalhadores:

O estabelecimento da ordem social socialista é a tarefa mais poderosa que alguma vez coube a uma classe e a uma revolução na história do mundo. Esta tarefa exige uma transformação completa do Estado e uma derrubada completa das bases económicas e sociais da sociedade.
Esta transformação e esta derrubada não podem ser decretadas por nenhuma mesa, comissão ou parlamento. Só pode ser iniciado e executado pelas próprias massas populares.
Em todas as revoluções anteriores, uma pequena minoria do povo liderou a luta revolucionária, deu-lhe objetivo e direção, e usou a massa apenas como instrumento para levar os seus interesses, os interesses da minoria, à vitória. A revolução socialista é a primeira que serve aos interesses da grande maioria e só pode ser levada à vitória pela grande maioria dos próprios trabalhadores.
A massa do proletariado deve fazer mais do que definir claramente os objetivos e a direção da revolução. Deve também, através da sua própria atividade, dar vida ao socialismo, passo a passo.
A essência da sociedade socialista consiste no facto de a grande massa trabalhadora deixar de ser uma massa dominada, mas antes fazer de toda a vida política e económica a sua própria vida e dar a essa vida uma direção consciente, livre e autónoma.
Desde o cume mais alto do Estado até à mais ínfima paróquia, a massa proletária deve, portanto, substituir os órgãos herdados do domínio de classe burguês – as assembleias, os parlamentos e os conselhos municipais – pelos seus próprios órgãos de classe – pelos conselhos de trabalhadores e soldados. Deve ocupar todos os cargos, supervisionar todas as funções, medir todas as necessidades oficiais pelos padrões dos seus próprios interesses de classe e das tarefas do socialismo. Somente através do contato constante, vital e recíproco entre as massas populares e os seus órgãos, os conselhos de trabalhadores e de soldados, a atividade do povo poderá encher o Estado de um espírito socialista.

A liderança do DSA está levando nossa organização a dificuldades crescentes. Infelizmente, o Programa FORC 2024 não prepara o DSA com uma linha política coerente que responda aos desafios reais colocados à nossa intervenção nas eleições presidenciais. Sua recusa em opor-se à política trabalhista pró-Biden e ao apoio a ele declarado pelas figuras políticas eleitas pela organização é uma indicação da hegemonia da política reformista que infelizmente permeia todo o DSA.

Em contraposição a esse caminho, é necessário construir uma ala revolucionária no DSA que possa oferecer uma liderança alternativa ao movimento socialista. Tal força só pode ser construída com base numa profunda compreensão internacionalista e histórica da teoria e da política marxistas, bem como num envolvimento dinâmico nas lutas realmente existentes da classe trabalhadora.

Tal construção começa pela clareza política sobre os desafios reais que a classe trabalhadora enfrenta e pela audácia de falar francamente sobre isso. Ou nas palavras poéticas de Rosa Luxemburgo, parafraseando o líder dos trabalhadores Lasalle: “A coisa mais revolucionária que se pode fazer é sempre proclamar em voz alta o que está acontecendo”.

Sobre os autores:
Philip Locker foi recentemente copresidente do DSA em Seattle e candidato ao Comitê Político Nacional (NPC) da organização. Também foi Coordenador Político das campanhas independentes de Kshama Sawant para o Conselho Municipal de Seattle em 2013 e 2015 e o porta-voz do movimento “15 Now”, que desempenhou um papel de liderança na transformação de Seattle na primeira grande cidade dos Estados Unidos a adotar um salário mínimo de 15 dólares por hora de trabalho.
Stephan Kimmerle é um ativista do DSA de Seattle. Já atuou como delegado sindical no setor público na Alemanha e hoje trabalha em empregos de meio período, cuida de dois filhos e organiza marxistas em nível internacional.
1No sistema eleitoral dos Estados Unidos apenas os partidos Democrata e Republicano concorrem às eleições com chance de vencer, apesar de outros partidos poderem apresentar candidatos ditos independentes. A eleição presidencial não é definida pelo voto direto e universal dos cidadãos e cidadãs. Os votos destes e destas contam para definir, em cada um dos 51 estados que compõem o país, os membros do Colégio Eleitoral que, este sim, elege o presidente. A composição deste Colégio Eleitoral não corresponde à proporção do eleitorado de cada estado. De forma que é possível que um candidato vença formal e legalmente a eleição presidencial, pelo voto do Colégio Eleitoral, mesmo havendo seu adversário conquistado maioria na votação direta.
2Estados pêndulos são aqueles nos quais a disputa presidencial entre Democratas e Republicanos se mantém habitualmente indecisa até a contagem dos votos para formação do Colégio Eleitoral. Diferente dos estados ditos seguros, habitualmente identificados com um do dois partidos.
3A campanha pelo “voto não comprometido” mobilizou milhares de eleitores do Partido Democrata a sinalizarem nas eleições primárias que definiram o candidato presidencial do partido sua negativa em votar em Biden e em qualquer outro concorrente não comprometido com o cessar fogo sobre a Palestina. A campanha contou com a adesão de 13% dos votantes em Michigan, 20% em Minnesota, 8% no Colorado e 13% na Carolina do Norte. Em vez de estimular o movimento na direção das conclusões relativas ao caráter pró-imperialista de Biden e do Partido Democrata e da construção de uma alternativa política independente, o DAS se limitou a encorajar “os eleitores que querem o fim deste genocídio a votarem Descomprometidos” a fim de que “a administração Biden acorde para as realidades políticas de hoje”.
4O United Auto Workers (UAW) é o sindicato que representa os trabalhadores das indústrias de automóveis, aeronaves e implementos agrícolas nos EUA, Canadá e Porto Rico.
Traduzido do Inglês por Toni de Castro