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EDITORIAL

Qual é o país de Trump?

 

A base de Donald Trump tem sempre sido a classe alta – não os trabalhadores pobres.

Por Tristan Hughes*

(Traduzido por Gleice Barros) – originalmente publicado na Jacobin Magazine em 21/08/17

A pergunta a seguir é como montar um complexo quebra-cabeça: como podemos compreender a retórica de Donald Trump sobre salvar a classe trabalhadora (branca) americana de uma conspiração financeira internacional com os dados que temos sobre sua base eleitoral, que sugerem que a maioria ampla do seu apoio nas eleições veio da parte mais rica da sociedade estadunidense?

Trump ganhou o pleito prometendo tirar uma elite liberal ou global, um grupo que ele e, pelo menos, alguns de seus partidários continuam a se ver enfrentando. “Fui eleito”, declarou Trump enquanto anunciava sua decisão de romper com o Acordo de Paris, “para representar o povo de Pittsburg, não de Paris”. Ainda assim, Trump possui possivelmente, pelo menos nominalmente, milhões de dólares em ativos financeiros estrangeiros (enquanto não divulgar sua declaração de renda, não há como ter certeza). Portanto, se existe alguém na elite financeira global, é ele.

No decorrer das últimas décadas, 10% dos maiores investidores apropriaram cerca de 90% da renda obtida, que representa uma riqueza quatro vezes maior que a dívida do governo americano com países estrangeiros. A maioria dos apoiadores de Trump está incluída neste percentual. Trump, em outras palavras, é um capitalista rico em uma batalha com um fantasma:  uma batalha que faz sentido retoricamente, mas não estatisticamente.

Então quem são os moradores desta Pittsburg imaginária que Trump invoca e quem são os moradores desta Paris imaginária que procura aniquilar?

A base de Trump

De acordo com a compreensão popular, Trump surge para a Casa Branca com a força de brancos descontentes e de baixa escala. Com a tendência de Michigan, Pennsylvania e Wisconsin à direita, foi possível que ele ganhasse nos colégios eleitorais (não no voto popular). Mas qualquer que seja a verdade, o pequeno grupo de trabalhadores brancos que apoiaram Trump não compõe a maioria de sua base eleitoral. Sondagens são imprecisas, mas de acordo com os dados que temos, Trump foi mal entre os eleitores com renda anual de até US$50 mil (aproximadamente a metade mais pobre da sociedade dos EUA); Clinton ganhou neste grupo com 11 pontos percentuais à frente.

Os ganhos de Trump pareceram vir principalmente de parte dos maiores investidores. Em 2008, Obama e McCain receberam cada um 49% dos votos da porção com rendimentos maiores que US$ 50 mil. Em 2016, Trump superou Clinton em 4% entre os eleitores na faixa de renda entre US$50 mil – US$100 mil; 1% na faixa de renda entre US$100 mil – US$200 mil; 1% na faixa de US$200 mil – US$250 mil, e 2% entre aqueles que ganham mais do que US$ 250 mil.

Estes ganhos são significativos: constituem a grande maioria dos eleitores, cerca de 64%. Nos Estados Unidos, os 10% mais ricos são cerca de 30 milhões de pessoas.  Um ganho de 2% entre este grupo politicamente influente seria imenso, especialmente em uma eleição em que Trump perdeu o voto popular por três milhões.

A questão crucial é a seguinte: Trump superou constantemente Clinton entre os mais abastados e não entre os mais pobres.

Historicamente, esta é a situação típica da distribuição de votos para os republicanos – mas é um resultado controverso para um candidato que presumiu ser aquele que colocaria a classe trabalhadora americana em primeiro lugar. Então, pergunta-se novamente: quem são os habitantes desta fantasiosa Pittsburg?

Um conto de dois países

Localizada a algumas horas de Manhattan, o Condado de Suffolk é um lugar de praias isoladas, faróis pitorescos e clubes de golfe exclusivos. Com renda média de US$ 88.663, é o oposto do que o New York Times quer que você acredite ser a América de Trump. Mesmo assim, Suffolk se tornou republicana em 2016, vivendo um aumento de 11% nos votos em Trump.

Não muito longe de Suffolk, o Condado de Putnam também votou em Trump. Em 2015, Putnam foi o segundo condado mais rico de Nova Iorque, com uma renda média familiar de US$ 96.148. Ao contrário da tendência de outros países ricos – que seguem a trajetória de Suffolk – Putnam se tornou cada vez mais republicano desde a década de 90.

Putnam e Suffolk são semi-rurais e sedes de grandes latifúndios e antigos capitais. Comparados com o condado de Manhattan, marco zero para estilos de vidas exóticos e a gentrificação: um parque de diversões para beneficiários do capital financeiro internacional. Com taxas de desigualdade próxima a diversos países em desenvolvimento, a sobreposição de casacos Burberry e casas de compras é um microcosmo de uma utopia neoliberal. Manhattan apoiou Clinton com 86% contra os 10% de Trump.

Manhattan, ao contrário de Putnam e Suffolk, é o reduto da classe super-administrativa – jovens, habilidosos nos negócios e na exploração das oportunidades surgidas durante o ascenso neoliberal. Fizeram sua fortuna a partir da financeirização da economia durante Reagan, Clinton e Bush e têm se beneficiado do favoritismo governamental declarado (mais notado na forma de resgates de vários bilhões de dólares).

São super ricos que denunciam a desigualdade de gênero tomando vinhos finos ao anoitecer e se engajam em ambientalismo de Starbucks, enquanto desestabilizam a vidas de milhões por meio da especulação financeira selvagem. Eles são, minimamente, o que a direita chama de “liberais”. E são, talvez, alguns dos cidadãos da fantasiosa “Paris”.

Quanto aos eleitores ricos de Trump, digamos, entre US$50 mil e US$200 mil (que podem habitar Staten Island ou o Condado de Putnam), muitos teriam seus ativos financeiros destruídos pela recessão.  A especulação financeira destruiu o patrimônio herdado e a carta de investimentos. Diferentemente dos financistas em Manhattan, aqueles que conseguem seu dinheiro de fontes à moda antiga não receberam massivos resgates.  E são claramente conscientes desta diferença.

Isso não quer dizer que todo gerente de fundo de multimercado que foi beneficiado pela desregulamentação apoie Clinton: uma exceção notável foi Robert Mercer, “o recluso magnata de fundos de multimercado por trás da presidência de Trump”. Mas talvez a divisão cultural e política entre Manhattan e os condados de Putnam e Suffolk forneça dicas sobre a natureza das fissuras, como parte do quebra-cabeça.

A classe alta dividida

Esta divisão explica o foco específico em formas de direitos recentemente adquiridos durante a eleição. Os dois grupos da classe alta incorporam dois diferentes, e igualmente detestáveis, sistemas normativos. A elite super-administrativa apoia o liberalismo cultural superficial.  Dentro deste sistema de valores, membros corruptos da elite do Vale do Silício, como Tim Cook, podem denunciar a retirada de Trump do Acordo de Paris enquanto usam o que é essencialmente trabalho escravo para produzir seus produtos sem aparente contradição. Dentro da matriz normativa do neoliberalismo – em que tanto o Vale do Silício quanto Manhattan estão inseridos – gestos simbólicos em direção a diversidade travam qualquer discussão de direitos econômicos. Isso, obviamente, se encaixa perfeitamente com os objetivos políticos do Partido Democrata: o partido que recebeu os votos dos quatro condados mais ricos do país.

Por sua parte, os ricos apoiadores de Trump parecem suspeitar do sistema de valores que surge ao lado da neoliberalização, favorecendo em seu lugar um conservadorismo intransigente e um capitalismo menos financeirizado. Estes apoiadores ricos de Trump, que formam sua base de apoio, não são cidadãos nem de Paris nem de Pittsburg. Eles vivem em condados como Putnam e Suffolk: são americanos brancos incomodados pelo fato de que outros americanos não mais trabalham para eles, cuja saúde, status e poder tem ostensivamente sido atacados e corroídos nas últimas décadas. E os querem de volta – com a ajuda de Donald Trump. Ou pelo menos, este é meu melhor palpite.

O que fica claro é que existe uma fissura recorrente da classe alta. Sua causa exata, seus participantes, são enigmas que ainda precisam ser solucionados. “Para ter seus pecados perdoados”, escreveu Marx em uma carta em 1843, “a humanidade precisa apenas declarar o que realmente é”. Os pecados, surgiram com Trump, e os que ele cometeu precisam ainda ser totalmente declarados.

*Tristan Hughes é estudante na Universidade de Toronto.