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EDITORIAL

REINO UNIDO: CAMPANHAS TOMAM AS RUAS. VOTE LABOUR /JEREMY CORBYN!

 

Foto: Comício de Jeremy Corbyn em York. 10/05. Fonte: Jaine Aitchison (Twitter)

 

Por Vicente Marconi, Londres/Inglaterra

Foi dada a largada oficial para a campanha dos partidos nas Eleições Gerais (EG) marcadas para o dia 08 de junho. Os partidos definiram os candidatos de cada distrito. Os atos de lançamento, comícios e manifestos vieram a seguir.

Vale lembrar que, no Reino Unido, o eleitor não vota diretamente no candidato a Primeiro Ministro (PM), mas no candidato a parlamentar de seu distrito. A eleição é majoritária em que se escolhe um parlamentar por distrito. O PM será o líder do partido que obtiver maioria no Parlamento. O único local onde o candidato a PM é submetido à eleição é no seu próprio distrito, que ele (ou ela) tem de vencer para garantir a cadeira em Westminster (sede do Parlamento).

As pesquisas eleitorais têm apontado um favoritismo que o Partido Conservador eleja a maioria das cadeiras e, com isso, sua atual líder, a PM Theresa May, seja reconduzida a um novo mandato. Na verdade, essa foi a estratégia utilizada por May ao convocar eleições com pouco mais de um mês de antecedência: não dar tempo para a oposição se organizar eleitoralmente e aproveitar o momento de verdadeira guerra civil no principal partido oposicionista, o Trabalhista (Labour Party – LP).

Eleições locais em partes do país apontam tendências

No início de maio, algumas regiões do país viveram processos de eleições locais. O maior derrotado em todo o processo foi o partido de extrema-direita UKIP, que perdeu todos os assentos em conselhos locais e teve votações baixíssimas, inclusive em redutos onde esperava vencer. Praticamente todo esse espaço foi ocupado pelo Partido Conservador, o que mostra que a guinada à direita que os Tories cursaram desde o Brexit vem atraindo esse eleitorado.

No norte da Inglaterra e Mid-Lands[1] houve eleições em vários conselhos locais. O Labour perdeu assentos em várias localidades, mas teve algumas importantes vitórias, com destaque para o novo cargo de prefeito da “Grande Liverpool”[2]. Mas fica o balanço que os trabalhistas não conseguiram crescer sobre os escombros do UKIP (os Conservadores ocuparam, ou seja, é um setor que permanece à direita). Também fica ressaltado o desgaste de conselheiros do partido em suas bases. Em sua grande maioria são políticos identificados com o estilo Blairista ou da direita do partido.

Na Escócia, o grande vitorioso foi o Partido Nacionalista Escocês (SNP), que nos últimos anos vem ocupando o espaço à esquerda deixado pelo Trabalhista Escocês (Scottish Labour). O maior exemplo deste crescimento foi a municipalidade de Glasgow, maior cidade de Escócia e uma das maiores do Reino Unido. Nesta, o Labour perdeu a maioria pela primeira vez, desde 1980. Os Conservadores tiveram ganhos pontuais na Escócia, ocupando o espaço político à direita no país, mas ainda seguem bem atrás dos Trabalhistas e, principalmente, do SNP. No País de Gales, atualmente governado com maioria e um PM[3] Trabalhista, o partido também perdeu algumas cadeiras com crescimento do partido nacionalista Plaid Cymru.

Em suma, mesmo não sendo um desastre, o resultado das eleições locais foi ruim para a esquerda britânica, especialmente para o LP[4]. Se é verdade que muitos debates se deram à luz de discussões locais e não refletem o ambiente e a polarização de uma Eleição Geral, sinalizou que um deslocamento à esquerda, mesmo que eleitoralmente, não ocorreu no país pelo menos até esse momento.

Partido Conservador: discurso de “estabilidade e força” pós- Brexit

O governo do Partido Conservador vem enfrentando uma série de problemas em sua condução do Brexit. Primeiro, vale recordar que o partido se dividiu no Referendo, quando sua direção majoritária apostou na permanência, enquanto setores ligados a frações minoritárias da burguesia britânica dirigiram a campanha pela saída do bloco. O resultado foi a derrota da equipe central que dirigia o partido e o governo – David Cameron e o “Grupo de Notting Hill[5]” – e a ascensão de um setor refletindo as frações vitoriosas, resultando em um deslocamento ainda mais à direita da organização.

Theresa May chegou à liderança dos Tories e ao cargo de PM, após um acordo interno entre as distintas frações no partido. Assumiu prometendo implementar o resultado do referendo – a saída do país da UE – mas sem apresentar um modelo de como se daria o processo.

Com a vitória de Trump nos EUA e a ameaça de uma onda de extrema-direita varrendo a Europa, May iniciou uma aproximação com este discurso e começou a apontar para uma ruptura mais profunda com a UE, o chamado hard Brexit.

Em janeiro, provavelmente apostando em vitórias de partidos de extrema-direita na Holanda e França, onde eram até então favoritos, anunciou que o controle da imigração era mais importante que a permanência no Mercado Comum Europeu. O favoritismo destas correntes não se confirmou. Os governos europeus não aceitaram suas exigências quanto ao fim da livre movimentação no bloco. Pelo contrário, reafirmaram as exigências para a negociação de saída do Reino Unido.

Quando May acionou o Artigo 50, dando início ao processo formal de saída da UE, o clima no país era de que o governo não tinha um projeto definido de relação com a Europa, nem de como operar as negociações. A propaganda do Partido Conservador busca exatamente cobrir esse flanco. Diz que o país precisa se “unificar” e estar sob a batuta de um governo “forte”, com ampla maioria parlamentar, para que tenha autoridade na negociação com Bruxelas e os governos europeus. Joga para escanteio temas importantíssimos na vida do país, como a crescente crise social e o sucateamento dos serviços públicos. Deixa de lado também pontos com apelo populista de direita, como a ridícula defesa da volta da legalização da caça às raposas.

A crise no Labour Party: a burocracia do Partido aceita entregar as Eleições Gerais para tentar derrotar Corbyn

Ao final das eleições locais, os caciques do LP e seus aliados na mídia alardeavam que o destino das Eleições Gerais estaria traçado com uma derrota histórica e humilhante que deveria ser creditada a Jeremy Corbyn.

Tom Watson, o parlamentar que organizou a campanha frustrada de remover Corbyn da liderança – a bem da verdade acabou tendo o efeito inverso -, declarou à imprensa que os Conservadores terão a “maior vitória desde a era Tatcher”. Na verdade, Watson e a estrutura tradicional do LP não apenas esperam, mas trabalham por isso.

A escolha dos candidatos nos distritos não seguiu critérios democráticos de forma a envolver o ativismo das localidades e aumentar as chances da campanha. Pelo contrário, em muitos casos candidaturas foram “empurradas” de cima para baixo, retirando nomes de preferência majoritária por outros de fora da localidade, mais alinhados com os gabinetes que com as ruas. Insuflam em suas bases eleitorais que “Corbyn é muito radical, empurrando o partido à derrota”.

O ex- PM Tony Blair reapareceu recentemente anunciando que voltaria à cena política – não nessas eleições por falta de “tempo hábil” – para construir um “campo supra-partidário contra o hard-Brexit”. O que a estrutura tradicional do LP quer é que o partido se torne o porta-voz das frações imperialistas descontentes com a condução do Brexit, apresentando uma versão britânica da “alternativa Macron”. Para isso, precisam destruir Jeremy Corbyn e todo o fenômeno de reorganização à esquerda a ele associado.

O programa “vazado” e o início das atividades de rua. O jogo ainda não acabou!

Até poucos dias, a Eleição Geral ainda era um tema morno no dia-a-dia do país. De fato, mesmo após o anúncio das EG pelo governo e sua confirmação no parlamento, as campanhas ainda não estavam na rua, o que favorecia o governo. Theresa May anunciou que não participará dos debates da TV e aposta em uma campanha sem polarização para que seu discurso tenha mais efeito.

No dia 09 de maio, a campanha de Corbyn foi oficialmente lançada, com um ato em Manchester. No dia 10, um comício na cidade de York levou milhares de pessoas às ruas, revivendo o clima de mobilizações da campanha pela liderança do LP em 2016.

No dia 11, um rascunho do programa do LP para as eleições “vazou” para a imprensa antes de sua aprovação pela Direção Nacional do partido. O manifesto, considerado o mais à esquerda desde os anos 80, ainda que não seja socialista adota medidas bastante progressivas: reestatização das ferrovias e empresas privatizadas (correios, energia etc), aumento dos investimentos sociais (incluindo saúde e educação), fim da cobrança de taxas nas universidades, impostos progressivos para os mais ricos, um agressivo programa habitacional, “salário máximo” para executivos de empresas, maior presença do Estado em vários segmentos, fim dos contratos de trabalho precarizados, além de outras.

O “vazamento” do manifesto com o programa Trabalhista parece ter sido, de fato, o tiro de largada do processo eleitoral. Em primeiro lugar, despertou a ira de caciques políticos do partido que acusam uma manobra de Corbyn e um de seus principais aliados, John McDonnel, em lançar um programa que não seria aprovado nas instâncias partidárias. Por outro lado, parece ter sido o combustível que faltava para a campanha tomar as ruas.

Pesquisas recentes apontam que as propostas no manifesto do Labour têm alta aprovação popular, com todas as medidas descritas acima, com taxa superior a 50%. Mesmo que isso ainda não se reflita em uma virada nas intenções de voto para os trabalhistas, o Labour cresce nas pesquisas, diminuindo consideravelmente a diferença nos últimos dias. A figura abaixo mostra uma compilação de pesquisas de várias fontes (ao longo dos últimos dois anos), e dá uma ideia desta tendência.

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A campanha de rua visivelmente toma fôlego. O Momentum está organizando treinamentos para as sessões de canvassing[6], e lançou uma ferramenta online para organizar as atividades, possibilitando a formação de grupos, caronas, logística etc.

Ativistas de outros países estão vindo à Inglaterra voluntariamente para se incorporar às atividades, com destaque para vários estadunidenses da campanha de Bernie Sanders. As principais correntes de esquerda socialista do país estão chamando o voto em Jeremy Corbyn e no Labour Party nestas eleições gerais[7]. Essa unidade é importantíssima. Há muito ela não acontece. Basta ver a fragmentação da esquerda no referendo do Brexit.

Ainda não é possível saber se esta dinâmica de crescimento será suficiente para em poucas semanas desmontar o discurso dos Tories e virar o jogo no processo eleitoral. Também não podemos afirmar se haverá um fenômeno ao estilo Melénchon nas eleições francesas, onde a candidatura de esquerda deu um salto em poucos dias. Mas o certo é que hoje, a tarefa da classe trabalhadora, da juventude e minorias no Reino Unido é entrar com tudo nesta campanha, potencializando ao máximo estas possibilidades.

E depois das eleições?

Mesmo faltando poucas semanas para o processo eleitoral, ainda não se pode afirmar o quadro político que terá o país após a nova composição de Westminster. Mesmo que hoje a hipótese mais provável ainda seja a vitória do Partido Conservador, ainda é cedo para prever como a esquerda sairá deste processo.

Seja qual for o resultado é necessário que se mantenha um pólo de unidade da esquerda socialista. Foi esse pólo que colocou nas Eleições Gerais um programa avançado, como não se via há décadas. Ele obriga um partido como o LP a ter – contra sua vontade e estrutura – uma figura como Corbyn encabeçando sua “chapa”.

Mas esse polo pode e precisaria ir ainda além. Seria importante que fosse um agente que atuasse para unificar as lutas de diferentes categorias e movimentos sociais. Seria importante também que continuasse apresentando de forma unificada um programa da classe trabalhadora que combatesse as medidas de austeridade, o racismo e a extrema-direita. As pressões serão enormes para que Corbyn recue e adote um perfil mais conciliador, ou que não implemente a fundo o programa de transformação. E este polo de esquerda é fundamental para que não existam retrocessos, mas sim avanços, nesse combate. Isso tem tudo para ser, independente do resultado eleitoral, o grande legado das Eleições Gerais de 2017 no Reino Unido.

 

 

 

 

[1] Região central do país, incluindo cidades importantes como Liverpool e Birmingham

[2] O candidato do Labour, não alinhado a Corbyn, venceu com ampla maioria (59%). Uma candidatura trotskista (Roger Bannister, do Partido Socialista, seção britânica do CIT) obteve 2.4% dos votos

[3] First Minister: Chefes dos parlamentos nacionais de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, que possuem diferentes graus de uma relativa autonomia dentro do Reino Unido.

[4] Na Escócia o resultado pode ser considerado desastroso para os Trabalhistas, mas o espaço foi principalmente ocupado pelo SNP.

[5] Setor interno do Partido Conservador, que esteve no centro do poder nos mandatos de Cameron, combinando liberalismo em assuntos comportamentais e de liberdades individuais com ortodoxia neoliberal na economia. https://en.wikipedia.org/wiki/Notting_Hill_set

[6] Campanha feita de porta a porta, comum no Reino Unido

 

[7] além do Momentum e das correntes que fazem parte do LP, Left Unity, Socialist Party /CIT e SWP