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EDITORIAL

REINO UNIDO: antecipação inesperada das eleições gerais pode ser aposta arriscada do governo

 

Por Vicente Marconi, Londres(Reino Unido)

O Reino Unido foi surpreendido no dia 18/04 pelo anúncio que o governo chamaria Eleições Gerais para o dia 08 de junho. Dias antes, a Primeira-Ministra Theresa May havia garantido que não tinha planos para antecipar a eleição – que renova todo o parlamento e pode significar a mudança de governo – originalmente prevista para 2020.

Conforme publicado recentemente no Esquerda Online, essa eleição ocorre em um momento bastante conturbado da política britânica. O governo do Partido Conservador vem perdendo o apoio de importantes setores da burguesia britânica com sua condução do Brexit. Tudo indica que as negociações com os demais governos europeus serão mais duras do que apostava o gabinete de May. Tensões nacionais colocam no horizonte a separação da Escócia e, em menor ritmo, da Irlanda do Norte. A popularidade do governo ainda está alta, mas está caindo, devido aos sucessivos cortes em investimentos sociais (saúde e educação, principalmente) e aumenta a quantidade de greves em diversos setores.

A gota d’água para a antecipação das eleições parece ter sido a investigação sobre as contas da última campanha eleitoral, que estaria envolvendo dezenas de parlamentares do Partido Conservador. Uma eventual cassação de parte destes colocaria em xeque a maioria de Theresa May em Westminster. Mas esse fator vem acompanhado de um cálculo político. A atual crise do Partido Trabalhista (Labour Party) – ver artigo publicado no Esquerda online – leva a que os Conservadores avaliem ter melhores condições de manter ou aumentar o número de cadeiras neste momento, garantindo uma maior estabilidade no parlamento durante as negociações do Brexit.

Refletindo essa situação, a Secretária de Assuntos Internos do governo britânico, Amber Rudd, disse ao canal Channel 4 que “a razão pela qual esta eleição foi convocada não é a perspectiva de cassação de diversos parlamentares, mas pelo que explicou a Primeira Ministra, termos um governo com maioria sólida apto a negociar firmemente com a UE”.

É verdade que as pesquisas hoje apontam que o Partido Conservador teria condições de manter – ou mesmo ampliar – sua maioria no parlamento britânico. Mas muita coisa pode acontecer nessas oito semanas que antecedem o pleito.

Em relação ao Labor, os setores ligados ao aparato do partido ainda têm como o centro da sua política a ofensiva contra Corbyn e estão dispostos a entregar essa eleição para que voltem a ter o controle do partido. Por outro lado, pesos-pesados do Partido Conservador como George Osborne – o número 2 do gabinete de Cameron -, abandonaram o barco e avisaram que não vão concorrer. Já a extrema-direita racista e xenófoba representada pelo UKIP, lançou seu programa de “integração” para os muçulmanos, incluindo a proibição da burka, fechamento de escolas islâmicas – nada em relação às cristãs ou de outras religiões – e exames médicos compulsórios em meninas das comunidades muçulmanas (criando a categoria de “grupos étnicos suspeitos” no país).

 

Erro de cálculo?

A primeira-ministra da Escócia, Nicola Stugeon, disse que “Theresa May cometeu um erro de cálculo que lhe será fatal” e que seu partido, o Partido Nacional Escocês (Scottish National Party; SNP), “vai varrer os Conservadores da Escócia”. O partido LibDem (Liberal Democrats, LD) entra nas eleições com um discurso de centro totalmente pró-UE e deve ganhar muito espaço do Partido Conservador e da direita Blairista do Labour. O próprio Tony Blair deu uma entrevista a BBC no sábado (22/04) dizendo estar “tentado” a participar mais desse processo e chamou à conformação de uma frente suprapartidária “contra o hard Brexit”. Ou seja, a velha raposa está preparando seu retorno, ainda que não se saiba sob que pele.

Mas existe o fator principal para a incerteza do quadro que ronda a antecipação das eleições: a mobilização. Desde que foi anunciada a data da eleição, o número de registros de eleitores teve um boom excepcional de quase 350 mil pessoas, a maioria de jovens. Além disso, é possível observar o ressurgimento do fenômeno que movimentou milhares na época da disputa de Corbyn pela liderança do Labour.

É justamente essa mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras, jovens e minorias no Reino Unido que pode levar à superação da atual paralisia do aparato do Partido Trabalhista. Não se deve subestimar o fato de que essa mobilização crie um movimento nacional contra o Partido Conservador e o que tem sido a marca de seu mandato: os cortes em investimentos sociais e políticas de austeridade. Oito semanas é pouco tempo. Mas seria incorreto descartar essa possibilidade.