‘Adeus, Geral’: a exposição das arquibancadas

Por: Diogo Xavier, de Recife, PE

A elitização do futebol é muito bem retratada no documentário de Gustavo Altman, Martina Alzugaray, Matheus Bosco, Pedro Arakaki e Pedro Junqueira. A ideia de retratar a diferença nos estádios de futebol e entrevistar as partes envolvidas no futebol conseguiu expressar como as mudanças são sentidas pelas diversas partes do esporte.

É importante salientar que o processo de elitização dos estádios vem de longo tempo, mas dá um salto gigantesco com a Copa do Mundo de 2014 e suas arenas. Arenas não são espaços para torcedores de futebol convencionais, ali é o local do consumidor, que exige um bom serviço pelo que está pagando, por isso o conforto é a primeira característica exigida no ambiente. Os modelos que foram aplicados aqui cumpriram um padrão secular nos países subdesenvolvidos. Importar algo de países centrais sem levar em consideração as particularidades de cada região cria ambientes distantes da realidade do torcedor brasileiro e com problemas básicos, como por exemplo, a baixa quantidade de guichês para comprar ingresso, porque na Europa os ingressos são comprados com antecedência, já aqui enormes filas se formam perto da hora dos jogos.

A acessibilidade das arenas é outra debilidade. Com sistemas de transporte público falidos, muitas cidades têm nos dias de jogos um enorme problema de locomoção. Arenas pensadas pra um público que não depende de transporte público tem gigantescos estacionamentos e pouca quantidade de transporte para os que precisam. Essa realidade é mais notada em Pernambuco. A Arena Pernambuco se tornou um grande elefante branco, longe do centro e de difícil acesso.

O documentário aborda a forma como o torcedor não é tratado como parte atuante no futebol. Em uma das falas, o jornalista Juca Kfouri diz “Não perguntaram ao torcedor se ele queria essas mudanças”. Essa total falta de respeito com o torcedor reflete o olhar daqueles que olham para o esporte mais popular do país apenas como um meio de ganhar mais dinheiro. Com isso, faz com que a paixão do torcedor seja mais uma fonte de renda.

Faixa da torcida do Liverpool pedindo Justiça para os mortos que foram julgados inocentes em decisão recente da justiça inglesa.

Um projeto como esse de expulsão de uma parcela da sociedade dos estádios é visto em outras partes do mundo. A Inglaterra, tida como modelo a ser seguido, tem uma liga que segrega torcedores e transforma seus estádios em verdadeiros teatros. O torcedor não tem liberdade para se expressar, ou levar seus materiais. A origem desse processo é a morte dos 96 torcedores do Liverpool no desastre de Hilsborough, quando o governo de Margaret Thatcher se utiliza do acontecido para impor as suas normas de elitização do esporte.

 

Uma das falas mais significativas é quando o presidente do Palmeiras, Paulo Pobre, afirma que é natural a que exista um muro que afaste as pessoas do estádio. Essa lógica neoliberal apresentada pelo mandatário Palestrino é a lógica que empurra a maior parte da população de periferia para fora das universidades, que faz com que os negros sejam a grande maioria dentro dos muros das penitenciárias e põe muros que parecem que são naturalmente vencidos pelos brancos que conseguem ocupar os melhores postos de trabalho.

A lógica capitalista está cada vez mais modificando o futebol, não só fora de campo. É perceptível como as potências do futebol têm sido monopolizadas. Se antes em cada país existiam quatro, ou cino forças que rivalizavam, é comum as brigas serem cada vez mais compostas por duas equipes. Ou por apenas uma equipe multimilionária que impede o crescimento das outras, como Bayern na Alemanha e PSG na França. Essa monopolização dos clubes é o reflexo do monopólio dos grandes bancos que se concentraram cada vez mais após a crise de 2008 e tendem a diminuir o número daqueles que detêm a economia mundial

O espaço da Geral é muito glamourizado e visto algumas vezes sem a devida atenção. Ali era o encontro de todas as pessoas, dos pés descalços, mas também um local de pouca segurança e relegado pelos responsáveis pelo evento. A geral representava em certa medida a falta de preocupação com as áreas da cidade relegadas aos mais pobres. O que acontece é que nas novas arenas até esse direito foi tirado do povo mais pobre. Um torcedor do Flamengo que desembolsava R$ 5 na década de 90 para assistir seu time na geral, hoje não encontra ingressos abaixo de R$ 60 e com serviços de alimentação dentro do estádio muito mais caro. A lógica de exclusão matou o Geraldino, fez com que os folclóricos torcedores que iriam para se divertir e ter um momento de alegria fossem suprimidos até desse direito.

É necessário que haja uma mudança profunda no futebol, que pense o esporte como um bem cultural, que valorize o público e entenda que o que move uma multidão aos estádios toda semana é a paixão e o amor pelos clubes.

O documentário se encerra com a câmera filmando um torcedor que dá a impressão de olhar para o Maracanã e depois andar para trás saindo do estádio. Talvez seja essa a vontade da maior parte da população, voltar no tempo em que era possível ir aos estádios, onde os ingressos eram acessíveis e que no futebol o placar do jogo era mais importante que a renda da bilheteria. Voltar no tempo não é possível, mas é possível olhar para o passado e tirar lições de qual esporte queremos no futuro, do que ainda se pode reverter e os templos do futebol que não podem ser destruídos pela lógica do mercado.

Assisti ‘Adeus, Geral!’ é se aprofundar no tema da elitização e pensar o futebol para todas as camadas da sociedade. Bom filme.