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Lula agora é réu na Lava Jato: três perguntas diretas e três respostas frontais

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Por: Valério Arcary, colunista do Esquerda Online

1. O PT governou o Brasil em colaboração com banqueiros e grandes industriais, e recebeu o aplauso do imperialismo. Lula não viveu um processo de aburguesamento corrupto? Lula não era o máximo líder de uma organização corrupta que financiou o PT e o enriqueceu? Não deve ser condenado? Se condenado, não é justo que não possa se candidatar?

Não, não é justo que seja Sérgio Moro a decidir o futuro de Lula. Os trabalhadores devem castigar Lula e o PT retirando apoio ao lulismo nos sindicatos, nos movimentos e nas urnas. Não Sergio Moro.
Não só não apoiamos o projeto de uma Frente Ampla em torno de Lula em 2018, como consideramos chave para o futuro da esquerda começar desde já a construção de uma Frente da Esquerda Socialista independente do PT e seus aliados. Mas, defenderemos o direito de o PT poder apresentar Lula como candidato.

Sim, o PT e Lula governaram para a classe dominante, e isso merece ser denunciado, mas isso não é ilegal. Pode ser, politicamente, imoral, mas não é ilegal. Temos diferenças irreconciliáveis com o lulismo, mas não podemos ser cúmplices de uma investigação policial que criminaliza o PT e Lula.

Sim, Lula passou a viver um estilo de vida incompatível com uma identidade socialista. Foi algo que Pepe Mujica evitou no Uruguai, embora tenha, programaticamente, seguido uma orientação de colaboração de classes muito semelhante à de Lula. Mas, isso não é um crime. É imoral, mas não é ilegal. O aburguesamento do modo de vida como, por exemplo, o consumo de luxo proporcionado pela condição de Presidente da República merece ser julgado como imoral.

Para aqueles que abraçam uma perspectiva de esquerda, a orientação de colaboração de classes foi errada, ou foi uma capitulação, ou foi uma traição, de acordo com a maior ou menor radicalização de cada um de nós. Mas, essa é uma denúncia política, e até moral. Sim, também, é moral, na medida em que a defesa de políticas reacionárias como, por exemplo, a manutenção do tripé macro econômico dos governos FHC, com superávit primário elevado, câmbio flutuante e taxa Selic elevada, merecem ser denunciadas como imorais pelos sacrifícios desproporcionais que recaíram sobre os ombros de quem trabalha.

Mas, de novo, são denúncias políticas. Não fundamentam um processo de investigação criminal. A tese central da denúncia que apresenta Lula como o líder de uma quadrilha, apoiada na premissa, supostamente com fundamento jurídico, a teoria do ‘domínio de fato’ não é senão uma construção política para criminalizar Lula, ajudar a blindagem do governo Temer e impedir uma possível candidatura em 2018.

A razão é simples: tem medo do apelo eleitoral que Lula ainda poderá exercer em 2018, depois de dois anos de exercício de poder por Temer e o arco de alianças que lhe garante 400 votos no Congresso Nacional.

2. O triplex e o sítio não são dele? As palestras pagas a 250 mil dólares não eram partes de um esquema de corrupção?

Os procuradores da Lava Jato imortalizaram a frase mais absurda do mês: “Temos convicção, mas não temos provas”. Não há provas de que o apartamento do Guarujá ou o sítio de Atibaia sejam propriedade de Lula. E estas propriedades não são incompatíveis com sua renda. Há indícios de que Lula pode ter negociado com empreiteiras reformas nestes imóveis como retribuição de favores, e isso seria imoral, se ele fosse o dono e as reformas não viessem a ser pagas.
Mas, em não havendo provas, não sustentam o indiciamento.

Não surpreende que Sergio Moro tenha aceito a denúncia. Os abusos no episódio da publicidade da gravação da conversa telefônica entre e Dilma e Lula já o desqualificaram como um juiz idôneo.

As palestras milionárias de Lula são uma forma imoral de ganhar dinheiro, mas não são ilegais. Revelam que suas opiniões eram, seriamente, consideradas pelos mesmos capitalistas do Brasil que agora sustentam Temer. São imorais porque uma liderança dos trabalhadores não deve se prestar ao triste papel de conselheiro dos patrões. Mas, não são uma atividade mais criminosa do que as palestras de Fernando Henrique Cardoso, ou qualquer outro líder burguês.

O ônus da prova em qualquer investigação de Justiça civilizada deve ser de quem acusa. A presunção da inocência não deve ser compreendida como um excesso de legalismo. Em um país como o Brasil, em que a classe dominante governou tanto tempo, e tantas vezes, destruindo as mais elementares liberdades democráticas, a esquerda tem o dever de saber dizer não a qualquer abuso de autoridade da Justiça.

3. Só é possível ser contra o indiciamento, se acreditarmos na inocência de Lula?
Não. Não devemos nos iludir sobre a inocência de Lula.

Lula e a direção do PT não são inocentes. São, politicamente, culpados.

Sim, Lula mudou e para pior e muito.

Não obstante, não foi provado que Lula teve enriquecimento ilícito por atividade de corrupção, não foi provado que ele articulou a rede de financiamento do PT via superfaturamento de contratos da Petrobrás, e não foi provado que foi beneficiado nas reformas dos imóveis.

Esses são os nós da questão no processo jurídico em que agora é réu.

Não devemos ser cúmplices de uma operação política reacionária que pretende levar Lula à prisão, enquanto os líderes dos partidos financiados pelas grandes corporações ficam blindados para garantir a governabilidade de Temer.

Quem deve julgar Lula pelos seus crimes políticos são os trabalhadores, a juventude e o povo. E não queremos esperar a vitória da revolução brasileira para este julgamento. Aqueles que foram oposição de esquerda ao lulismo devem combater para o que o lulismo seja julgado a partir de agora nas nossas organizações, nas lutas e nas eleições. Assim se poderá abrir o caminho para a superaração das ilusões no lulismo. Uma prisão de Lula pela Justiça deste Estado não derrotará a política do lulismo, ao contrário, o fortalecerá, interrompendo a experiência.

Ser a favor da aceitação do indiciamento pelo juiz Sergio Moro é uma capitulação ao governo Temer, porque é o passo seguinte que tenta legitimar o impeachment de Dilma Rousseff.

Não foi a frustração, a perplexidade, ou a indiferença dos trabalhadores com o governo Dilma Rousseff que abriram o caminho para o impeachment.

Temer chegou ao poder ao final de uma campanha reacionária que levou milhões de acomodados às ruas, e uniu a burguesia em torno a um programa de choque neoliberal.

O juiz de Curitiba poderá até decretar a prisão provisória de Lula.

Aqueles que na esquerda não se opuserem a este arbítrio, mesmo que se dediquem por anos a pedir prisão para Aécio Neves e Renan Calheiros, ficarão para sempre cobertos pela vergonha.

Foto: Roberto Parizotti / Cut