Por: João Zafalão e Karen Capelesso*
Foi aprovada no Senado nesta quarta-feira (08) a reforma do ensino médio (Projeto de Lei de Conversão 34/2016, originado a partir de alterações na Medida provisória 746/2016). Agora ela vai para sanção presidencial para entrar em vigor.
O que está em jogo
Na reforma, são estabelecidos cinco itinerários formativos, que são Linguagens, Matemática, Ciências na Natureza, Ciências Humanas e Sociais aplicadas e Formação Teórica e Profissional. Se faz um discurso de que estudantes poderão escolher áreas de seu interesse, mas no projeto aprovado diz que a escola está obrigada a fornecer ao menos um itinerário formativo. Quer dizer que nas periferias, a opção do estudante será se matricular na área que for fornecida na escola perto de sua casa ou na distante, porém sem transporte escolar.
Também vale ressaltar que durante a ditadura civil-militar (1964-1984) o currículo escolar tinha disciplinas como Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política do Brasil) com conteúdo programático, que exaltava a ditadura brasileira. A escola tinha partido, e era o da ditadura. Com a democratização, existe uma forte luta para mudar o currículo educacional e a reintrodução de sociologia e filosofia no currículo do ensino médio foi uma conquista. No projeto aprovado pelo Senado, estas disciplinas, educação física e artes passam a ter obrigatoriedade de estudos e práticas, ou seja, não existe mais obrigatoriedade destas disciplinas, mas sim de seus conteúdos. Elas poderão ser ministradas por junto com outras disciplinas e por outros professores.
Outra mudança é que hoje 20% das aulas do ensino médio é da chamada parte diversificada (cada escola escolhe qual disciplina terá). Com a reforma, passa a ser 40%, reduzindo a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) a 60% da grade. As disciplinas que são obrigatórias em todo ensino médio serão Português, Matemática e Inglês a partir do sexto ano (porém sem garantias de estar na grade curricular do ensino médio). A definição de quais disciplinas farão parte das Bases Nacionais Curriculares Comum será feita até o fim deste ano. Portanto, sequer garantias se tem da manutenção de história, geografia, química, física e biologia.
O projeto também faz uma escala progressiva para ampliar o ensino de tempo integral, que esbarra na falta de financiamento e estrutura adequada. Como passar oito horas por dia na escola sem uma refeição? Essa é a situação denunciada durante as ocupações dos alunos do Centro Paula Souza em São Paulo. Outro problema para aplicar o ensino integral esbarra na realidade das periferias, em que os jovens com 13 ou 14 anos já começam a trabalhar para ajudar na renda familiar, impedindo a permanência deles na escola em tempo integral.
Por fim, o projeto aprovado estabelece que se pode contratar professores por notório saber nos ensinos técnicos. Todos sabemos que, na maioria das vezes, pedreiros experientes sabem mais que engenheiros na hora de calcular a quantidade de cal, cimento e ferro que se precisa para erguer uma parede. Porém, o problema reside em quem define quem tem e quem não tem o notório saber. Esse é um mecanismo de apadrinhamento, que destrói a impessoalidade do serviço público.
Educação é uma trincheira de luta
Em qualquer campanha eleitoral, a educação está sempre entre as quatro ou cinco “prioridades” dos políticos junto com saúde, segurança, habitação e transporte. Porém, na hora de governar, a prioridade passa a ser o superávit primário, que nada mais é do que tirar dinheiro destas mesmas áreas para o pagamento da dívida pública com os banqueiros, que consomem quase metade do orçamento do país.
O currículo escolar e a decisão de quais disciplinas devem existir são determinados por uma relação de poder. Afinal, a escola é um aparelho de reprodução ideológico das classes dominantes, mas também é um espaço de disputa contra-hegemônica e de luta social. A degradação das condições de trabalho docente, com escolas literalmente caindo aos pedaços e superlotação de salas de aula, tem gerado muita tensão no interior da escola. Isto se manifesta algumas vezes de forma negativa, por meio da violência contra professores ou entre alunos. Mas também se expressa de forma muito positiva nas incontáveis greves protagonizadas pelo magistério por todo o país e mais recentemente nas ocupações de escolas protagonizadas pela juventude negra, pobre, feminina e LGBTT. Estes são exemplos, ainda que minoritários, de organização e disposição de luta pela escola pública. A escola que existe não a é escola que a juventude quer, mas a sua defesa como patrimônio da juventude é um júbilo para quem acredita na escola pública e gratuita.
O governo ilegítimo de Temer se apoia nas queixas da juventude e na falta de qualidade do ensino para aprofundar os ataques aos direitos sociais de conjunto. Coma educação não é diferente. Ele articulou a aprovação da PEC do fim do mundo (PEC 55), que congela por 20 anos os repasses das áreas sociais. Na educação, isto representa um retrocesso, pois não será mais respeitada a Constituição, que determinava o investimento mínimo de 18% do orçamento federal na educação e que estados e municípios devem investir ao menos 25% na área. Também podemos citar a Lei da Mordaça (Projeto Escola Sem Partido), que parte de uma ideologia (falsa ideia) de que professores doutrinam seus alunos com ideias esquerdistas. O projeto de lei tenta criminalizar professores que manifestarem apoio a lutas e movimentos sociais. Isso é um mecanismo da classe dominante para tentar destruir o espaço de resistência que existe nas escolas. Esta resistência não existe por força de ideias esquerdistas de professores, mas pelas condições cada vez mais degradadas da escola pública.
Devemos lutar pela escola que queremos
A solução da crise da escola pública passa por garantir salários decentes aos profissionais de educação, redução de alunos por sala de aula (máximo de 15 alunos no fundamental I, máximo de 20 alunos no fundamental II e máximo de 25 alunos no Ensino Médio), reformar a maioria das escolas, criando espaços adequados às necessidades de aprendizagem, com laboratórios, bibliotecas, centro esportivo, a democratização dos conselhos escolares e democratização da tomada de decisão e o fim de cartilhas que engessam o conteúdo, garantindo a liberdade de cátedra. Não é necessário reduzir as disciplinas, mas sim garantir investimento para a escola seja um espaço democrático de aprendizado propedêutico e técnico.
Diante disso, a greve nacional da educação marcada para 15 de março é necessária para enfrentar a reforma da previdência que ataca os trabalhadores de conjunto e em especial as mulheres que, são quase 80% do magistério. Também temos que enfrentar as reformas anti-educacionais, como a reforma do ensino médio.
*João Zafalão é professor da rede básica de ensino de São Paulo e Karen Capelesso é professora da rede pública de ensino do Paraná
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