Por Lucas Brito, de São Paulo, SP
Mais de 1.200 escolas ocupadas em todo o país. Mais de 300 campi universitários e 100 institutos federais, todos ocupados contra a PEC 55, a contrarreforma do ensino médio e a lei da mordaça. A manifestação que ocupou Brasília no dia 29 de novembro mostrou que um gigante havia acordado: o movimento estudantil. Mas acima de tudo, essa juventude se levantou reclamando seu direito ao presente e ao futuro ao dizer que não pagaria a conta da crise dos ricos e poderosos. No ano de 2016, a luta estudantil marcou seu lugar na história mais uma vez.
Tudo ocupado… 2, 3, muitos Paranás pelo Brasil!
O levante estudantil se espalhou pelo país a partir do Paraná. O método da ocupação se generalizou. Apesar de ser novo para muitos, esse método já vem sendo utilizado pelo movimento há tempos.
Mais recentemente, todos lembram das centenas de escolas ocupadas em São Paulo que desafiaram o todo-poderoso Geraldo Alckmin e, por um momento, foram vitoriosas mesmo que depois, covardemente, o governo tenha mantido o projeto de reorganização escolar com outra roupagem.
Mas antes disso, esse método foi responsável por uma das mais impressionantes lutas travadas pelo movimento estudantil em todo o mundo. No Chile, em 2006, a conhecida “Rebelião dos Pinguins” foi marcada pelas centenas de escolas ocupadas e as maiores manifestações de rua da história do país. O Brasil em 2016, por meio da luta estudantil, se reconectou com suas referências de luta na América Latina.
Isso também é reflexo das lutas cuja juventude também foi protagonista contra os planos de austeridade na Europa, com ocupações de praças. Mais do que uma tática, ocupar é parte do método da ação direta, um importante acúmulo dos movimentos sociais em todo o mundo.
As conquistas do movimento Ocupa Tudo
Vivemos no Brasil um momento político em que os ricos e poderosos estão em uma ofensiva sobre os direitos da juventude e do povo trabalhador e que, infelizmente, as lutas de resistência seguem atomizadas e fragmentadas. O golpe parlamentar que levou Michel Temer à presidência e as recentes eleições municipais fortaleceram os planos da burguesia jogar sobre as costas da juventude e do povo trabalhador as consequências da crise.
Fortalecidos, governo e Congresso Nacional agem como se não houvesse amanhã e apostam em aplicar um profundo ajuste no país. Diante disso, o mais provável é que a PEC 55 seja aprovada ainda esse ano no Senado Federal combinando com a recente aprovação da MP da reforma do ensino médio na Câmara e a apresentação da PEC da reforma da previdência que já entra em tramitação na Câmara dos Deputados.
Para barrar a PEC 55, a reforma da previdência, a reforma do ensino médio, as privatizações e o próprio governo Temer e quem o sustenta é preciso uma aliança de todo o povo trabalhador. O levante estudantil desse ano, junto com a greve da educação federal, apesar de muito importantes, sozinhos não são o bastante. É preciso uma ampla unidade entre todos os setores da juventude e do conjunto dos trabalhadores. Uma grande Frente Única para lutar que unifique os movimentos sociais e populares da cidade, do campo e da luta contra as opressões; as entidades sindicais e centrais; entidades locais e nacionais, partidos políticos de esquerda, ativistas, intelectuais, artistas e etc.
Contudo, a grande conquista que o movimento alcançou foi ter polarizado a sociedade em torno das suas pautas. Deve-se em parte às ocupações feitas pelos estudantes que cada vez mais o povo trabalhador tenha compreendido as consequências dos planos do governo e do Congresso.
Além disso, a maior conquista pode não ter consequências imediatas, mas nem por isso deve ser negada. Esse levante da juventude nos seus locais de estudo fortaleceu um dos principais movimentos sociais do país, o movimento estudantil.
Assembleias lotadas, mais e mais estudantes interessados em agir para combater os retrocessos, a experiência de autogestão dos locais de estudo, os aprendizados feitos com os inúmeros debates; rodas de conversa, cines e as discussões em assembleias ou durante a madrugada nas comissões de segurança, tudo isso agora é parte de cada um/a que está nessa luta. Isso tudo elevou a compreensão coletiva de que só por meio da luta direta é possível barrar os ataques. Isso é um patrimônio, não só para os estudantes, mas para todo o povo trabalhador desse país.
O projeto de congelamento dos gastos sociais por 20 anos, a reforma da previdência e outros ataques planejados são a ponta de um iceberg. O objetivo do governo e do Congresso é acabar com a constituição de 1988, os direitos sociais conquistados, as liberdades democráticas e etc. Querem transferir as contas da crise acabando com o presente e o futuro de pelo menos duas gerações.
Portanto, quem entrou em luta nessa reta final de 2016 deve ter em mente que começou uma maratona e não uma corrida de 100 metros. E em uma maratona o que mais conta não é a largada, mas a capacidade de resistir. Para isso, o fortalecimento dos movimentos sociais é fundamental, aí entra o papel do movimento estudantil.
Fez falta uma articulação nacional entre as ocupações
Diante de qualquer desafio é preciso saber enxergar não só as próprias qualidades e vantagens, mas também os pontos fracos. Ao longo desse levante nacional estudantil algumas debilidades ficaram ainda mais expostas e é importante que o movimento se prepare para superá-las.
A manifestação do dia 29 de novembro em Brasília reuniu milhares de pessoas sendo uma das maiores manifestações protagonizadas pelo movimento estudantil da história do nosso país. Infelizmente a duríssima repressão da PM acabou impedindo a continuidade da manifestação. Muitos estudantes voltaram para seus estados com um forte sentimento de frustração, não só pela ação violenta da PM, mas especialmente pelo nível de desorganização do próprio movimento. Dois fatos chamaram a atenção, o primeiro foi o despreparo quanto à autodefesa e o segundo a ausência de uma coordenação política coesa.
A ausência de uma forma de unificação e coordenação democrática nacional para o processo fez com que o movimento deixasse de acumular para si tudo o que poderia. Apesar de em alguns estados tenha havido experiências de articulação local, como em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco, a regra geral foi muita unidade na pauta política e no método, mas pouca ou nenhuma coordenação nas ações e formulações para o movimento. Ou seja, em Brasília quando as bombas explodiam ficou nítida a falta de uma frente nacional das ocupações e mobilizações estudantis ou outro espaço que pudesse articular e unificar nacionalmente o movimento.
O próprio dia 29 poderia ter sido aproveitado para articular as centenas de ocupações presentes em uma espécie de Encontrão como foi proposto por algumas ocupações. E infelizmente nesse terreno o papel cumprido por algumas organizações políticas e coletivos não caminharam no sentido de superar esse problemas.
A superficialidade com que a organização da manifestação do dia 29 tratou o tema da autodefesa é reflexo dessa dificuldade em articular nacionalmente o movimento. As ocupações só conseguiram resistir durante tanto tempo, pois tinha preparação e organização para isso, sejam a mais básica que é a comissão de segurança, seja por meio de outras iniciativas de autodefesa do movimento nas ocupações e nas manifestações de rua. Caso a manifestação do dia 29 tivesse sido organizada por uma articulação nacional do movimento das ocupações ou se até mesmo no próprio dia 29 tivesse acontecido um espaço comum de organização do movimento muitos problemas poderiam ter sido evitados.
Infelizmente isso não ter sido alcançado se deve em grande parte por não ter tido acordo entre as entidades e movimentos de juventude, como a direção da UNE e boa parte dos seus coletivos que na prática tiveram uma atuação contrária. É necessário que as entidades e movimentos de juventude batalhem para que o primeiro a ser beneficiado pelas lutas seja o próprio movimento.
Além disso, de uma forma muito justa há no movimento um progressista alerta contra a burocratização do movimento. Um estado de alerta de quem sabe o quão nocivo é o papel da burocracia sindical e estudantil. Entretanto, a esse estado de alerta se agregam correntes de opinião que defendem que não pode haver representações democraticamente eleitas. Isso também foi uma empecilho para a conformação de comandos locais, coordenações que pudessem cumprir o papel democrático e necessário de unificar e articular a luta.
Fora Temer! Eleições Gerais já.
Hoje ocorrerá o segundo turno da votação da PEC 55 no Senado que provavelmente será aprovada. Também nesse dia a PEC 287 (Reforma da Previdência) será apreciada na Comissão de Constituição e Justiça(CCJ) da Câmara dos Deputados e deverá ser considerada Constitucional pela corja de deputados corruptos.
Ao mesmo tempo estão sendo preparados atos em todo o país que devem reunir ativistas das ocupações, greves da educação federal e movimentos sindicais e populares.
O Congresso Nacional e o governo golpista de Temer se apressam para impor seus planos de ataques para impedir que a crise política e seus desdobramentos os impeça, querem mostrar força.
Mas se engana quem acha que a crise é pequena. Pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que 51% dos brasileiros consideram a gestão do presidente ruim ou péssima, 65% consideram o presidente falso, metade dos brasileiros veem Temer como autoritário e 58%, desonesto. Além disso, 75% já percebeu que ele é defensor dos mais ricos. Esse governo não tem nenhuma legitimidade para seguir à frente do país. É urgente a convocação de uma consulta pública, pois só o povo pode decidir sobre as medidas do ajuste e a própria continuação desse governo.
O dia 13 de Dezembro servirá para inaugurar um novo momento na luta de resistência e do levante estudantil. O encerramento de ocupações não são o fim do processo. Agora é momento de ocupar mais que escolas e universidades e partir para as ruas, disputar a opinião do povo trabalhador. A partir de agora a tarefa é ganhar a população para combater Temer e seus ataques exigindo o direito do povo de escolher, ter voz própria.
Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil
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