Coluna Rádio Peão
Estamos a recém em dezembro e a temperatura já está nas alturas. De acordo com os especialistas, o calor ainda vai aumentar.
Como tudo na vida, o calor tem um impacto para os ricos, e outro para os pobres. Os patrões não sofrem, como os trabalhadores, as consequências do calor. Os graúdos da sociedade não pegam ônibus e trem lotado sem ar condicionado. Não precisam esperar em filas, às vezes no sol. Não enfrentam os apagões de energia elétrica e de água, comuns no verão. Para a classe operária, até quando vem chuva, que é um alívio, depois vêm os problemas dos temporais de verão, que são outro pesadelo: enchentes, casas destelhadas, móveis e eletrodomésticos perdidos.
Mas, o pior é o trabalho. A classe trabalhadora, que passa quase 12 horas do seu dia trabalhando pra sobreviver e ganhar o pão de cada dia, precisa enfrentar o inferno todos os dias. O que acontece nas fábricas é o maior exemplo disso, com sensação térmica chegando até 60ºC na linha de produção. Quem sofre é a peãozada, pois a chefia trabalha no ar condicionado.
Os mais prejudicados com o calor são as mulheres e os operários que trabalham em condições especiais
Entre nós há também os superprejudicados: aqueles que trabalham no tratamento térmico, forjaria, fundição, por exemplo. Trabalhando à beira de fornos e caldeiras de cerca de 1.000°C, o parâmetro de calor é outro. Nos contou um cipeiro que essa semana mesmo um colega brincou: “Se a fábrica é o inferno de quente, o tratamento térmico é a cozinha do capeta”.
Toda a classe trabalhadora sofre muito com o calor. A classe operária, em particular forneiros e pedreiros, sofrem muito mais. As mulheres operárias sofrem ainda mais. Vítimas do calor terrível do chão de fábrica, são ainda vítimas de dezenas de preconceitos e machismo praticado por colegas e chefes. Ao menor sinal de levantarem a blusa ou arregaçarem as mangas, são taxadas de “vagabundas”, por estarem “se mostrando”, e ficam expostas aos olhos da peãozada bárbara e bruta e, também, da chefia. Muito mais comum que no inverno, no verão, em que as roupas são mais curtas, as mulheres operárias precisam enfrentar mais esse terrível obstáculo.
Péssimas condições de trabalho
O fato é que a classe operária é submetida a condições de trabalho desumanas. Trabalha porque não tem alternativa. Muitos preferem se submeter ao terror das cozinhas do capeta porque algumas empresas pagam um pouco mais de insalubridade.
O membro da CIPA da Taurus, empresa fabricante de armas no Rio Grande do Sul, Lucas Fogaça, apresentou recentemente um projeto de impacto de altas temperaturas na saúde do trabalhador na reunião da CIPA. A ideia de apresentar o projeto é para propor melhorias em relação às altas temperaturas a que os trabalhadores estão expostos. Segundo Fogaça, o calor pode causar câncer, impotência sexual, desidratação, entre vários outros problemas. “É preciso atentar também para as grávidas que precisam de cuidados especiais”, concluiu.
Conversarmos também com Clodoaldo Duarte, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo e região e ex-candidato a prefeito em Sapucaia do Sul, pelo PSOL. Ele é trabalhador da Siderúrgica Gerdau. “Na aciaria da Gerdau onde eu trabalho temos alguns pontos muito quentes. Temos os fornos elétricos de aciarias que chegam a 1650 graus dentro do forno. Então, no entorno do forno temos temperaturas altíssimas e respingo de aço que pode queimar, além do próprio risco de explosão do forno. Também, o processo de lingotamento contínuo é muito prejudicial à saúde, já que além de ser muito quente e fica aço líquido acima da cabeça dos trabalhadores, contém césio que traz o risco de câncer. E ainda tem o setor da panela que além de muito quente tem os gases que são queimados para aquecer a panela”, explicou. Para Duarte, o problema se agrava no verão. “Tudo isso piora muito no verão quando dentro do prédio a temperatura pode chegar a 50 graus”, concluiu.
Assista, nos vídeos, as péssimas condições de trabalho e as altas temperaturas a que estão expostos os trabalhadores
Desrespeito à legislação e o lucro acima de tudo
O que dói é saber que poderia ser diferente. Há tecnologia suficiente para automatizar boa parte das forjarias, fundições, diminuindo a exposição às mais altas temperaturas. E isso não é tudo: existe muita tecnologia para atenuar os efeitos do calor em ambientes como esse, tal como revestimento duplo e isolante térmico especial para as caldeiras e roupas autoclimatizantes. Mas, na cabeça do patrão só existe o lucro acima de tudo, não é?
Além dessas medidas, há outras muito simples que já melhorariam, ao menos um pouco, a vida do peão. Trocar as telhas de zinco e Brasilit* por telhas de barro, aumentar o pé direito dos pavilhões, permitindo uma maior circulação de ar, instalar sistemas de climatização ou, ao menos, ventilação e umidificação. Muitas vezes, é uma briga para conseguir coisas mínimas, como água gelada no bebedouro, ou um ventilador. Para os operários que trabalham em situações especiais é preciso também algumas medidas imediatas especiais, como isotônico gelado liberado e o cumprimento dos intervalos remunerados dispostos na NR-15.
É preciso se unir com os trabalhadores, se organizar e lutar
No sistema em que vivemos, de um lado estão os patrões, do outro os peões. Temos interesses opostos que nunca se combinarão. Assim, para termos melhores condições de trabalho, precisamos impor isso aos patrões. Eles não nos darão de mão beijada. Eles, por outro lado, se puderem, vão nos impor um ritmo cada vez maior nas piores condições e com os menores salários.
Nós devemos exigir dos patrões medidas para atenuar o calor. Todas as medidas possíveis, desde a água gelada até um sistema de climatização nas fábricas. Devemos ter consciência de que eles só pensam no lucro. Para eles, o peão bom é o peão que produz. Nada mais importa. A lógica deles é o lucro e a ganância. Tudo que conseguirmos será obra de nossa luta contra eles.
Mas, a nossa guerra contra os patrões é muito maior do que a batalha para atenuar o calor. Mesmo que consigamos impor aos empresários que comprem alguns míseros ventiladores para a linha de produção, eles darão um jeito de tirar na outra ponta, como no plano de saúde, na alimentação, na PLR (participação nos lucros e resultados), ou seja, lá no que for.
Assim, não há saída senão lutar até o fim para derrotar os patrões e deles tomarmos as fábricas e toda sociedade que não existiriam sem nós: mesmo sendo nós que, com nossas mãos e corpos, produzimos tudo o que existe na sociedade, do alfinete ao avião, eles exploram a gente e ficam com praticamente tudo que produzimos, e nós vivemos uma vida miserável.
Então, é preciso lutar. Convencer os colegas. Unir o pessoal. Se organizar e lutar! Somos a maioria. Podemos vencer!
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