Há quase um ano, vivemos a mudança mais radical de todas as nossas vidas. Fomos inseridos num ‘Novo Normal’ que, na verdade, é um antigo normal de forma piorada. E é sobre isso que serão desenvolvidas as próximas linhas.
Quando a pandemia da Covid-19 virou uma realidade mundial, tivemos que interromper imediatamente nossa vida educacional presencial e tentar nos adaptar ao virtual. Grande mudança? Sim. Mas também não podemos esquecer que, na prática, tivemos um aprofundamento dos nossos problemas educacionais. Somos profissionais da educação que sempre fomos mal remunerados e tivemos que dispor nossos equipamentos e conexões bem limitadas de internet ao novo fazer educacional. E, assim, evidenciou-se que precisávamos de equipamentos e conexões melhores. Mais uma vez, era o educador investindo do próprio bolso pra compensar a precariedade das condições de trabalho.
Nesse momento, também os profissionais precisavam manter contato com estudantes e famílias. O “Novo Normal” poderia ser uma oportunidade, mas o que se viu foi que os problemas citados no parágrafo anterior eram muito piores na realidade de muitos estudantes e suas famílias. Em suma, as condições que o estado oferecia já eram precárias no ambiente educacional presencial e se tornaram quase impraticáveis no ambiente remoto.
Passou-se alguns meses e parte da mídia e dos homens que “pensam” a educação escolar começaram a disseminar sobre os problemas mentais causados pelas escolas fechadas (o que de fato acontece). Porém, o que não foi mencionado é que os problemas mentais já estavam sendo potencializados na época do “antigo normal”, com as escolas sucateadas, salas fechadas e superlotadas, falta de infraestrutura, plano de carreira quase extinto, péssima remuneração, falta de ambientes diversos para o desenvolvimento das atividades educacionais, entre outras questões.
Joga-se a responsabilidade da cura pelos males psicológicos e a defasagem educacional na reabertura das escolas. Só esquecem de mencionar que salvo básicas reformas realizadas em algumas unidades, todas continuam com praticamente a mesma estrutura. Não se menciona que elas não têm condições de cumprir todos os protocolos sanitários, porque é preciso lembrar que as salas e pátios continuam com ventilação inadequada, que não há funcionários suficientes para limpeza e higienização dos ambientes a cada três horas (como manda o protocolo) e que não há nenhum controle do contágio da pandemia atualmente no Brasil, até porque não há testagem em massa e muito menos plano de vacinação visível no nosso horizonte.
Por último, esqueceu-se que a educação escolar é feita através do contato, da aproximação, da interação. Que ainda que conseguíssemos cumprir todos os protocolos sanitários, perderíamos o mais essencial que é a própria dinâmica do ambiente educacional. Além disso, não conseguiríamos resolver nada da complexidade da saúde mental, pois ela também exige interação para o seu cuidado.
Não se pode jogar nas costas das escolas e dos seus profissionais a responsabilidade pelo descaso das autoridades governamentais. Não se pode, contudo, colocar nossas vidas em risco em prol de um plano de retorno que não se sustenta no seu próprio planejamento. É compreensível o esforço de gestores e educadores para deixarem os ambientes escolares o mais prontos possíveis para o retorno das aulas presenciais, mas nossos braços e pernas não são capazes de atender a toda a complexidade dessa questão. Somos profissionais e estamos com imensa saudade dos estudantes e do nosso trabalho olho no olho, mas também somos seres humanos limitados e não super-heróis capazes de vencer tudo, inclusive a morte.
*Jefferson Santana é poeta e professor da rede pública estadual de São Paulo.
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