Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

Extermínio da juventude negra no Piauí, até quando?

Por: Ramsés Eduardo Pinheiro, de Teresina.

Para cada branco morto no Piauí, 14 negros são assassinados. Tal estatística alarmante foi divulgada através do recente Mapa da Violência, documento que nos apresenta um minucioso registro sobre os homicídios por arma de fogo no Brasil entre 2003 e 2014. Os dados sobre os homicídios no Piauí presentes neste documento expressam uma realidade nacional: as vítimas por disparo de arma de fogo são majoritariamente homens jovens e negros. O mesmo estudo também aponta que no Brasil os negros morrem 158,9% mais que os brancos.

Ao compararmos os dados do Mapa da Violência relativos a 2013, verificamos que no Piauí daquele ano 17 brancos foram assassinados, enquanto o número de negros vitimados por arma de fogo atingiu 120. Ou seja, em 2013, para cada branco assassinado, sete negros eram vítimas de homicídio. Cerca de onze anos depois, esta estatística dobrou demonstrando o aprofundamento da política de extermínio da juventude negra no Estado do Piauí. Estes dados confirmam o Piauí como o terceiro Estado mais perigoso do país para a população negra.

Capitalismo, escravidão e racismo

 Não podemos compreender o contexto nacional e regional de extermínio da juventude negra sem inserir a relação entre a questão racial e o capitalismo no centro do debate político. Em outras palavras, o racismo institucionalizado e a violência policial contra os negros estão intrinsecamente relacionados com a formação social capitalista em que vivemos. Em sua obra clássica “Capitalismo e escravidão”, o historiador britânico Eric Williams acentuou que a escravidão moderna não nasceu do racismo, ao contrário, o racismo foi a principal consequência da escravidão negra.

A própria instituição da escravidão negra a partir do século XVI está localizada nos marcos da ação política dos estados modernos europeus visando fortalecer a chamada Acumulação Primitiva de Capital, que por sua vez criou as condições para a expansão do capitalismo industrial na virada do século XVIII para o XIX. Os três séculos de sequestro, tráfico e trabalho compulsório de africanos escravizados nas plantations da América criaram o capital necessário para a consolidação dos primeiros centros industriais em Londres e Birmingham. Marx foi quem melhor sintetizou este processo ao afirmar que “o capital nasce escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça aos pés”.

Uma abolição compromissada

 A decadência do sistema escravista moderno também ocorre menos por razões humanitárias do que propriamente econômicas. A condenação do trabalho escravo por Adam Smith e seus sucessores liberais, bem como a ação do Império Britânico no sentido de acelerar a abolição da escravidão no globo como instrumento de expansão de mercados consumidores para suas indústrias, se insere na perspectiva de reacomodação do próprio capitalismo ao longo do século XIX.

Deste modo, a crise do sistema escravista no Brasil iniciada em 1850 deu início a um processo de abolição a conta gotas que não deixou de enfrentar a renitente reação dos fazendeiros brasileiros. Os dilemas da crise da escravidão no Brasil conduziram aquilo que sociólogo marxista Clóvis Moura definiu como “Abolição sem reformas”. Em síntese, o autor piauiense argumenta que: “O negro, ex-escravo, é atirado como sobra na periferia do sistema de trabalho livre, o racismo é remanipulado criando mecanismos de barragem para o negro em todos os níveis da sociedade, e o modelo de capitalismo dependente é implantado, perdurando até hoje”.

Em suma, o trabalhador negro descendente de africanos é inserido na periferia do nascente capitalismo brasileiro em uma posição que transita do subemprego à marginalização. Nesta perspectiva não é algo fortuito que os trabalhadores negros recebam até 59% dos salários destinados a trabalhadores brancos. Tão pouco, podemos considerar que a elevação constante do número de negros assassinados por arma de fogo no Brasil e no Piauí seja algo ocasional. Enquanto ideologia, o racismo continua a oferecer justificativas para a precarização dos trabalhadores negros e também para o extermínio cotidiano da vida de milhões de jovens negros nas periferias do país.

Aquilombar para resistir!

 A história da escravidão no Brasil também é a história da resistência dos negros contra este sistema de trabalho. Os inúmeros quilombos que surgiram ao longo da história brasileira representam a principal forma de resistência coletiva dos negros contra a escravidão que lhes foi imposta. Desta forma, devemos nos aquilombar para continuar lutando contra o racismo a partir de uma perspectiva classista que também aponte para o rompimento com o capitalismo que cria e potencializa permanentemente ideologias visando reproduzir sua hegemonia.

O dia 20 de novembro representa um patrimônio do povo negro na luta contra o racismo e suas consequências nefastas. É um dia de relembrar nossos heróis como Zumbi e Dandara e tantos outros negros e negras que resistiram à escravidão.  Entre os heróis do povo negro, ressalto a figura de Esperança Garcia, mulher negra escravizada que viveu na região de Oeiras e teve a ousadia de escrever uma carta ao governador do Piauí em 1770 denunciando os maus tratos sofridos por ela, seus filhos e companheiras.

Viva Zumbi!

Viva Dandara!

Viva Esperança Garcia!

Marcado como:
Racismo