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BRASIL

Sobre a quarta-feira, 16 de novembro

Por: Yuri Lueska, do ABC paulista, SP

Alguns dias são marcantes na história, não porque contém só em si algo drástico, mas porque contam com a sorte de recepcionarem uma gota d`água. Ou seja, transbordam algo que já está prestes a ser transbordado antes. Bem, quarta-feira, 16 de novembro de 2016, não foi um dia desses. Mas, sem sombra de dúvidas foi um dia interessante. Provavelmente será um dia em breve esquecido, pelo simples fato de não recepcionar nenhuma gota d´água. Mas é um dia simbólico, pois conteve em si, nas suas míseras 24 horas, as causas, os personagens e os fatos que farão um dia um copo transbordar.

Hoje, o estado do Rio de Janeiro é uma espécie de simulacro do país. Uma espécie de laboratório. Muito com certeza não pela engenharia da nossa elite e dos nossos poderosos, mas pelo acaso. Uma crise econômica estatal tremenda, medidas extremas de austeridade, cenas televisivas que lembram a Grécia: e tudo isso com o tempero de complexidade típico da América Latina. Não por acaso, como informou a grande mídia, o Poder Executivo nacional estava atento com o desenrolar desta quarta-feira no Rio de Janeiro. A resistência do Rio pode gerar um ‘efeito cascata’ no país, que sem sombra de dúvidas, para um governo que planeja a bancarrota de qualquer direito, é algo indesejável.

Estavam com os olhos no Rio de Janeiro Michel Temer e toda sua equipe. Estavam ansiosos. Passaria a austeridade? Os populares conseguiriam tardar os trabalhos da Câmara? E eis que de repente, não mais que de repente – mas também não mais que curioso- um grupo com cerca de 50 pessoas ocupam a Câmara não do Rio, mas dos deputados federais, exigindo o fim da corrupção e a intervenção militar.

No meio disso tudo, a alguns quilômetros de distância, a polícia reprimia violentamente o ato no Rio de Janeiro. Os telejornais por assinatura acompanhavam a repressão. Alguns espectadores comemoravam, outros repudiavam (a divergência sobre esta aritmética, muito embora estéril, durará anos). No meio da repressão dois membros da tropa de choque deserta.

Sem sombra de dúvidas algo significativo. Tão significativo quanto aqueles que abraçaram estes dois policiais. Trata-se de uma greve onde há bombeiros e policiais. Estes mesmos, alguns dias atrás, ocuparam a mesma Assembleia Legislativa com uma faixa escrita “intervenção militar já”. Algo difícil de se explicar, muito embora a resposta seja aparentemente óbvia, mais ainda se a resposta for de fato a óbvia.

As lutas por direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, independente se as lesadas e os lesados são a favor ou contra uma intervenção militar, são justas. Isso, para qualquer um – pelo menos de esquerda- é inquestionável. E essa quarta-feira que passou é simbólica também por isso. É simbólica pois sei que a imensa maioria das, e dos, partícipes está lá pelos seus direitos. Mas, também sei que uma parte destes partícipes do protesto no Rio de Janeiro aplaudiram os cinquenta lunáticos que pediram intervenção militar enquanto ocupavam a Câmara de Deputados federais em Brasília.

Não pretendo discutir a aritmética no ato do Rio de Janeiro. Qual é a proporção dos que se entusiasmaram com os lunáticos de Brasília? Não me importa. Acho inclusive que são minoria. Não me surpreendo pela sua quantidade, mas sim pela sua coerência. A coerência é poderosa. A Ciência Política descobriu sua força só depois de um texto publicado em 1902. Quem dera esta coerência estivesse hoje do nosso lado.

É um dia simbólico. Poucos dias anunciam as peças de um jogo ainda correndo. Não acontecerá uma intervenção militar no Brasil. Não. Mas, a lei da curvatura da vara não pode ser desprezada. Que a esquerda entenda este dia, reflita sobre onde está e como está, como estão suas peças no tabuleiro. Tenha um pouco de calma. Às vezes vale a pena perder uma jogada para pensar no jogo. Que consigamos compreender onde perdemos e onde ganhamos, para assim inverter o jogo, e oxalá, quando o copo transbordar, que trasborde a nosso favor.