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BRASIL

A Embraer e a necessária luta pela sua estatização

Marina Sassi, de São José dos Campos, SP
Divulgação

Muitos estão acompanhando, com bastante apreensão, qual será o desenlace da crise na negociação de compra da Embraer pela multinacional norte-americana Boeing. Mesmo com diversas notícias negativas envolvendo a americana, como o recente caso da queda de dois aviões Boeing 737, ambas as empresas afirmavam solidez na transação comercial. A empresa brasileira chegou a iniciar diversas alterações nas suas operações como parte da incorporação. No final de abril, porém, na data limite para conclusão do processo, a Boeing rescindiu o acordo estabelecido.

O acordo previa a criação de uma nova empresa para a área de aviões comerciais, parte mais rentável, cuja aquisição desde o início das negociações era o principal objetivo dos americanos. Desta nova empresa a Boeing dominaria 80% das ações restando a Embraer apena 20%. Além disso, uma Joint Venture, com termos extremamente questionáveis, para a produção e comercialização do avião militar C390- Millenium, onde Embraer teria 51% e Boeing 49% do controle das operações.

Ainda no ano passado a empresa brasileira iniciou um profundo plano de reestruturação. Mudanças que alteraram praticamente todas suas operações, uma vez que objetivo era separar a área de aviões comerciais, cereja do bolo, das demais áreas de aviões militares e executivos.  Estima-se, segundo informações da própria Embraer que para isso a empresa gastou mais de R$ 485 milhões. Uma verdadeira fortuna, para transferir produção, relocar trabalhadores e mudar a sede da empresa impactando a vida de milhares de pessoas.

O sindicato preponderante da empresa, o dos metalúrgicos de São José dos Campos e região, sindicatos aliados, organizações de esquerda e especialistas acadêmicos foram contrários à essa venda desde que foi anunciada. Já sabíamos que a Boeing passava por uma crise, mas talvez ainda sem dimensionar sua proporção. Porém, a grande preocupação era com o ataque à soberania nacional, o futuro do setor no Brasil e o impacto sobre os empregos.

Trabalhadores afetados

Infelizmente pudemos confirmar, antes mesmo da venda se concretizar, a previsão de que este processo não beneficiava aos trabalhadores e à população. Houveram centenas de demissões decorrentes da reestruturação feita pela Embraer.

Muitos trabalhadores tiveram que escolher entre mudar suas vidas com a transferência para outra cidade, sem nenhuma garantia de estabilidade no emprego, ou ir para a rua. Uma forte campanha foi encabeçada pelo sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos para reverter esta situação. Nem mesmo assim, autoridades políticas que se posicionaram favoráveis à venda, como o prefeito de São José dos Campos, Felício Ramuth, e o presidente Bolsonaro, se pronunciaram para fazer qualquer tipo de declaração sobre o assunto.

Crise do setor aeronáutico

Hoje a situação do setor aeronáutico mundial é muito diferente. Voos foram cancelados pelo mundo todo por conta do necessário isolamento social e com isso as projeções de compra e venda de aviões também foram afetadas. A crise pela qual passa a Boeing com os acidentes dos aviões 737, foi potencializada pela crise decorrente do coronavírus.

Nesta situação, a Boeing não consegue pagar os U$ 4, 2 milhões referente a 80% de sua parte na nova empresa que seria formada com a Embraer. Ela chegou a arrancar declaração do próprio Donald Trump de “grande decepção” por não incidir como o previsto na economia norte americana e pretende demitir cerca de dez por cento dos seus funcionários, o que significa cerca de 16 mil pessoas.

Entreguismo de Bolsonaro

O setor da aviação que já é dependente de investimento governamental está ainda mais vulnerável agora. Neste sentido contar com o governo de extrema direita e entreguista de Bolsonaro não parece uma alternativa para a Embraer. Apesar do discurso nacionalista de campanha, o presidente brasileiro em nenhum momento se colocou na defesa do patrimônio construído desde 1969.

Logo que assumiu o governo, no início de 2019, autorizou a venda da empresa, que dependia do seu aval por conta da Golden Share (esta “ação de ouro” foi criada na privatização da empresa em 1994, dando ao governo federal poder de veto em questões estratégicas). O próprio setor militar que parece estar dividido em suas posições sobre o tema, não deu em nenhum momento declarações públicas para tentar reverter o rumo que está tomando a aviação nacional.

Situação da Embraer

A Embraer vive agora um momento muito peculiar. Passa pela crise mundial da pandemia como todo o setor, mas pior localizada para atravessar esse período. Destinou seus esforços nos últimos dois anos para uma estratégia de cisão de seu patrimônio (separação do setor comercial do executivo e militar).

Esta política de entrega adotada pelos acionistas para receber dinheiro rápido, falhou. A direção atual da empresa já mostrou que é incapaz de conduzir a empresa em uma lógica diferente da do lucro e não tem nenhum comprometimento social. Procuram agora ajuda financeira do governo para garantir liquidez para este período de crise.

A saída para a encruzilhada

Esta deve ser uma oportunidade de repensar estrategicamente qual é o papel social e econômico que a empresa deve cumprir para o Brasil. O governo não pode, especialmente em tempos de pandemia, investir dinheiro público para garantir lucro para uma pequena parcela de acionistas.

É preciso, sim, injetar dinheiro público, mas para construir uma empresa a serviço da nossa soberania, servindo aos interesses do povo brasileiro, com produção de alta tecnologia e garantia de empregos e direitos, ou seja, reestatizar a Embraer! Temos que unir todos os setores que defendam essa bandeira para lutar por esse projeto, não apenas do tipo de política para a aviação, mas por um projeto de país!

Reestatização da Embraer já!
Estabilidade no emprego e garantia de direitos!