O avanço Comunidades Terapêuticas em 2025 e a luta (ainda) por uma sociedade sem manicômios: um balanço de 2025
Publicado em: 31 de dezembro de 2025
Coluna Saúde Pública Resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Coluna Saúde Pública Resiste
Saúde Pública resiste
Breno Barros/Min. Cidadania
Por Pedro Costa
No presente texto, pretendo realizar um balanço daquilo que tem sido o carro-chefe dos retrocessos no campo da saúde mental, álcool e outras drogas: as chamadas “Comunidades Terapêuticas” (CTs), que nada têm de terapêuticas e/ou comunidades. No ano de 2025, vimos o avanço ainda maior de tais instituições sobre as políticas do campo, bem como sobre o fundo público. Com elas, vemos a intensificação do desenvolvimento da indústria da loucura, ou do complexo industrial-manicomial, no qual as CTs têm cumprido um papel de renovar o velho, isto é, de serem novos-velhos manicômios, trazendo consigo também elementos de outras três instituições sociais centrais na história de nosso país: prisões, igrejas e senzalas.
Este avanço tem se dado, inclusive, sob a chancela do governo federal, que não só o tem permitido, como o tem financiado com quantias cada vez mais significativas do fundo público, bem como outras medidas que normalizam e protegem as CTs. Os últimos meses e as últimas semanas do ano, infelizmente, têm sido bastante didáticos quanto ao poder das CTs em todo o território nacional. Em vários municípios do país, inclusive em alguns cujas prefeituras são de partidos “de esquerda” ou do dito campo “progressista”, vemos avançar uma série de políticas que aliam punitivismo manicomial, higienismo social, manicomialização e lucratividade, com contratos milionários para internações compulsórias nas CTs, sobretudo da população em situação de rua.
Contudo, com o ganho ainda maior de poder e de visibilidade das CTs, cresceram também as críticas e a lura contra elas. Os muros físicos e simbólicos das CTs, enquanto instituições manicomiais, não conseguem mais conter tanto suas próprias violências. As denúncias têm se avolumado nos meios de comunicação, nos entes e órgãos de fiscalização, por meio de pesquisas e, especialmente, a partir da coragem das pessoas violentadas em tais instituições que cada vez mais publicizam o que as acometeu. Na verdade, o que temos visto nem é necessariamente o aumento da violência das CTs, mas o crescimento da publicização daquilo que até então era mais ocultado e que diz respeito ao que as CTs concretamente são, a despeito de toda a retórica que produzem para si: instituições manicomiais, isto é, instituições que não são de cuidado, mas de violência.
Soma-se a isto a construção coletiva, a unidade de ação de diversos personagens, movimentos e lutas que, no ano de 2025, deram ainda mais centralidade à luta contra as CTs, justamente por constatarem a centralidade delas nos retrocessos no campo da saúde mental, álcool e outras drogas. Como exemplo, citamos o sucesso da Campanha nacional contra as comunidades terapêuticas, uma construção que unificou inúmeros coletivos, grupos e militantes dos movimentos antimanicomial, antiproibicionista e abolicionista penal, e que resultou em dezenas de ações no dia 10 de outubro, construído como o Dia de Luta contra as comunidades terapêuticas.
Na impossibilidade de esgotar um ano e campo tão complexos, neste drama e sua dinâmica contraditória, em que dois polos se chocam (um antimanicomial e outro manicomial), gostaremos de evidenciar alguns episódios ou personagens que expressam de maneira bastante pronunciada essa tensão e seus antagonismos, extraindo saídas e caminhos para o ano de 2026.
Novo edital, novo financiamento, novas Comunidades Terapêuticas… e velhas violências
Começamos a cena com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Durante o governo Lula 3, o MDS tem sido o principal órgão financiador, no âmbito do governo federal, das CTs. Para isso, possui em sua estrutura um departamento, o Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas (DEPAD), cuja função única e exclusiva até o presente momento tem sido a de financiar vagas em CTs.
Em 05 de agosto, muito em decorrência das lutas contra as CTs, o MDS revogou o principal mecanismo de financiamento das CTs, que era o Edital de Credenciamento Público nº 08/2023. No início de 2024, este edital aprovou 585 CTs para serem habilitadas e receberem montantes milionários do MDS. Contudo, pouco tempo depois à revogação, foi publicado outro Edital pelo mesmo MDS, o nº 20/2025, voltado à habilitação e a financiamento de CTs.
No dia 04 de novembro, o MDS, por meio do DEPAD, publicou o Aviso n° 3 2025/SE/DEPAD, em que habilitou 234 Comunidades Terapêuticas para receberem financiamento público. A dotação orçamentária de tal edital foi de R$119 milhões de reais, o que consiste praticamente na dotação total do DEPAD. Ou seja, temos concretamente um departamento das e para as Comunidades Terapêuticas. Todo um montante milionário, de verba pública, e toda uma estrutura departamental – vinculada à secretaria executiva do MDS – quase que única e exclusivamente voltados para financiar instituições privadas, que nem da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) ou do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) são. E o pior, instituições de características asilares-manicomiais, como denunciado por diversas entidades e órgãos, inclusive estatais, sejam eles de fiscalização, sejam de controle ou participação social.
Mencionamos aqui, a título de exemplificação, o relatório As comunidades terapêuticas em evidência: o que dizem as avaliações e fiscalizações do estado brasileiro?, publicado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o grupo de pesquisa Psicologia e Ladinidades, publicado em 2025. Nele, todas as 205 CTs inspecionadas por entidades é órgãos estatais brasileiros de caráter federal cometeram violações de direitos e/ou possuíam irregularidades.
Em novembro de 2025, foi publicado o Relatório da 2ª Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Trabalho (MPT). Nele, foram inspecionadas 43 CTs, em 25 estados brasileiros. Em todas elas foram encontradas violações de direitos de humanos, como, por exemplo: “pessoas contidas pela força ou por meio de medicamentos, ausência de comunicação externa, alojamento em condições precárias em lugares distantes que dificultavam a interação com seus familiares e a sociedade” (p. 3). Além disso, também se constatou inúmeras violações de direitos trabalhistas e situações de “trabalho escravo contemporâneo, considerando as condições degradantes encontradas e as jornadas exaustivas praticadas” (p. 88).
Tal cenário é idêntico ao da 1ª Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, realizada em 2017, e publicada em 2018, pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Também foram constatadas violações de direitos e/ou irregularidades em todas as CTs inspecionadas. Outros relatórios dos mesmos órgãos e de outras entidades, responsáveis pela fiscalização de instituições como as CTs, vão na mesma direção.
Em suma, as fiscalizações realizadas pelo próprio Estado brasileiro apontam para a condição de violência das CTs. E com todo o cuidado de não hierarquizar aquilo que não é hierarquizado, estamos falando aqui de privação de liberdade, de tortura, de trabalho forçado, não remunerado e análogo à escravidão, de abusos, de prisões e até mesmo de mortes – de um extenso rol que não podemos exaurir num texto como este. A narrativa de que as CTs que violam direitos são uma exceção, ou que tais instituições não são verdadeiramente CTs, não se sustenta na realidade. Quem ainda as reproduz está relativizando a violência e a violação de direitos.
Ainda assim, o governo federal continua a financiá-las. Para além disso, na listagem das 234 novas CTs habilitadas no âmbito do Edital 20/2025 do MDS, chamam atenção os próprios nomes das instituições, denotando já nos seus títulos a junção do moralismo típico da hegemonia de visões sobre as drogas, com a religião, numa mistura que historicamente tem significado violência – como apontam, uma vez mais, os inúmeros relatórios de fiscalização e inspeção sobre as CTs. Sob uma retórica de abordagem à espiritualidade, o que temos concretamente é a violência religiosa, bem como um filão para instituições religiosas se apoderarem do fundo público e materializarem um projeto de país e sociedade cada vez mais fundamentalista – como já apontado em texto anterior desta mesma coluna. Nesse sentido, choca ainda uma listagem quase que inteiramente composta por instituições religiosas, recebendo montantes milionários do fundo público, de um Estado que se diz laico.
Cabe ressaltar outro aspecto que temos denunciado: como a indústria da loucura, ou complexo industrial-manicomial, e que tem nas CTs o seu carro-chefe no presente, é chancelado, quando não financiado diretamente pelo Estado. Nisso, outros elementos constitutivos do próprio capitalismo ficam evidenciados na referida lista, como, por exemplo, o fato de a rede de CTs Fazenda da Esperança ter mais de 20% das CTs habilitadas6, demonstrando o caráter industrial (em larga escala) e mercantil das CTs, bem como a sua tendência monopólica (ou de formação de oligopólios).
Para piorar (ainda mais), encontramos algumas CTs na lista de habilitadas que foram previamente inspecionadas por órgãos e entidades estatais nos relatórios supracitados, tendo sido encontrados indícios de violações de direitos e irregularidades nelas. O cenário encontrado nelas – e que expressa as CTs de modo geral – vai na contramão de inúmeras normativas (leis, decretos, portarias, resoluções etc.), violando direitos e contrapondo a retórica de que tais instituições são assistenciais, de caráter residencial transitório e acolhedoras. O que os relatórios apontam são instituições de características asilares-manicomiais. Ademais, algumas das recomendações dos relatórios chegam até a solicitar: a interrupção do financiamento público dessas instituições; a interrupção de suas atividades; e a desinstitucionalização de pessoas acolhidas, com encaminhamento para serviços e equipamentos adequados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Resumindo, o MDS, ao habilitar tais CTs, está desconsiderando o próprio Estado brasileiro que, a partir de suas entidades e órgãos de fiscalização, inspeção, dentre outras atribuições, constatou violências nelas. Dessa forma, inclusive, podemos nos perguntar para que servem, então, estas entidades e órgãos, já que o que dizem acaba sedo desconsiderado.
Não suficiente, um dos casos – o Esquadrão Vida para Adolescentes – é um flagrante desrespeito à Resolução n° 249/2024 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que proíbe o acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas. Ou seja, não basta a CT violar a Resolução do CONANDA, ao ser voltada para adolescentes. O MDS ainda a habilita para ser financiada. Para piorar, no Aviso n° 3, foi retirado o restante do nome da CT, mais especificamente a parte “para Adolescentes”, como constava no Aviso n° 2, que trazia os resultados parciais do Edital nº 20/2025, deixando apenas como nome “Esquadrão Vida”. Contudo, a busca pelo CNPJ fornecido na listagem denuncia o nome completo da instituição.
Neste ponto, aliás, o próprio edital naturaliza mais condições de inaceitabilidade, como, por exemplo, o fato de que ela prioriza para classificação as comunidades terapêuticas que “prestam atendimento a mães nutrizes”, e que estejam “acompanhada[s] do lactente”. Se, de acordo com a Resolução 249/2024 do CONANDA, “o acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas viola as regras protetivas previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, o acolhimento nas comunidades terapêuticas de bebês, mesmo que junto de suas mães, se torna ainda mais temerário e incongruente com a defesa de direitos de tais infantes – bem como os de quaisquer pessoas em tais instituições, como denotam os relatórios sobre violências das comunidades terapêuticas. Com isso, não se afirma que mães e bebês devam ser separados, mas o óbvio, em termos de direitos humanos, que não só os bebês, mas também suas mães não devem estar em CTs.
Salientamos o caso emblemático do antigo edital, que foi extinto, em que uma das CTs habilitadas foi a CT Tenda do Encontro, presente na Lista Suja do trabalho escravo. Por mais que a sua inclusão na referida lista tenha sido posterior à sua habilitação, o MDS publicou, posteriormente à sua inclusão na referida Lista Suja, um rol de 100 CTs a serem credenciadas pelo MDS, em que ela constava. Tudo isso denota que o DEPAD não tem feito o trabalho devido de monitoramento nem mesmo no que se refere às CTs selecionadas por ele, ou que o próprio edital é falho, lacunar e problemático, não assegurando aquilo que deveria assegurar.
Tudo isso nos leva a reiterar – novamente – como não deve haver financiamento público às CTs e que o referido edital deveria ser extinto, da mesma forma que o antigo foi. Em extensão, a própria existência do DEPAD e sua função concreta de chancelar e financiar CTs é inaceitável, sobretudo, por ir na contramão da Reforma Psiquiátrica brasileira e seus princípios e horizontes antimanicomiais.
Abaixo, segue a lista de CTs habilitadas pelo Aviso n° 2 DEPAD/MDS, referente ao Edital MDS 20/2025, e que tiveram violações de direitos e irregularidades constatadas e publicadas por órgãos estatais de fiscalização, bem como a indicação dos relatórios. A exceção é a última CT, que desrespeita a Resolução do CONANDA, como mencionado. Ao todo, encontramos oito CTs. Contudo, é possível que tenhamos deixado passar algum CT.

O financiamento público às CTs pelo governo federal na contramão do controle social e dos movimentos sociais
Para piorar, todo este cenário, que por si só já é inaceitável, ainda vai na contramão das instâncias máximas de controle e participação sociais do país. Por exemplo, nos meses de novembro e dezembro, tivemos mais dois importantes posicionamentos contrários às CTs, por parte do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
O CNAS publicou uma Nota de Posicionamento sobre o termo “Serviço de Acolhimento”, apresentado no Edital do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) nº 20 de 2025, que habilitou mais de 200 CTs para receberem financiamento público. O CNAS manifestou sua preocupação com tal tipologia utilizada pelo MDS no referido edital, reforçando que as CTs não são entidades da assistência social – conforme Resolução anterior do próprio CNAS, a nº 151/2024. Além disso, reafirmou também seu compromisso com os princípios antimanicomiais que regem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), bem como o Sistema Único de Saúde (SUS) e demais políticas sociais, apontando que o Estado deve garantir o cuidado em liberdade – na contramão do que ocorre nas CTs.
Já o CNS manifestou o seu apoio institucional ao Manifesto Contra as Comunidades Terapêuticas, reafirmando a sua “posição contrária ao financiamento público das comunidades terapêuticas e à sua incorporação em políticas públicas”. Da mesma forma, o CNS também defende “que os recursos da saúde e da assistência social sejam destinados à qualificação, ampliação e fortalecimento dos serviços públicos substitutivos da RAPS, bem como às políticas intersetoriais de moradia, trabalho, renda, assistência social e redução de danos”.
A partir da manifestação do CNS, mais do que nunca, cabe ao Ministério da Saúde (MS), por meio do seu Departamento de Saúde Mental (DESMAD), seguir retirar as CTs da RAPS. Até então, a postura do MS tem sido a de se desresponsabilizar da temática, já que o financiamento público federal tem vindo fundamentalmente do MDS. Contudo, a manutenção das CTs na RAPS (inseridas na Portaria nº 3.088/2011, que instituiu a RAPS) tem sido utilizada para como fundamento e argumentação para o financiamento público delas por secretarias estaduais e municipais de saúde, bem como pelo próprio MDS – argumentando que são instituições de suposto “acolhimento”, que constam nas políticas. Junto à retirada das CTs da RAPS, cabe ao MS e seu DESMAD também revogarem a Portaria 1.482/2016, que inclui as CTs como elegíveis ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Ora, se não são instituições formais de saúde, não devem possuir CNES.
Tais posicionamentos seguem na esteira de outros igualmente contrários às CTs dos próprios CNAS e CNS. Soma-se a isto os posicionamentos recentes dos demais conselhos de direitos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD). Fechamos o ano de 2025, portanto, com todos os principais conselhos de direitos, nos marcos do controle e da participação social nacionais, tendo posicionamentos críticos e contrários às CTs.
Quanto ao CONAD, saudamos o processo que resultou em uma nova Política Nacional sobre Drogas, construída democraticamente. Nesta mesma toada, cabe revogar a sua Resolução nº 01/2015, que regulamentou as CTs, aceitando e chancelando o inaceitável.
Contudo, apesar destes posicionamentos, o governo Lula permanece intransigente, mantendo uma postura que desrespeita tais conselhos e, ao fim e ao cabo, a participação e o controle social, ao seguir chancelando as CTs e, pior, financiando-as, sobretudo a partir do MDS. Não suficiente, ficamos estarrecidos e indignados com a notificação extrajudicial feita à Associação Brasileira de Saúde Menta (ABRASME), com utilização do aparato estatal por meio da Advocacia Geral da União (AGU). Essa prática, que tem sido caracterizada pela própria associação como assédio judicial, com intuito de silenciamento e constrangimento, se deu em nome da defesa de um servidor do DEPAD/MDS, pelo fato de a ABRASME ter se posicionado solidariamente a uma manifestação ocorrida no dia 6 de outubro, na USP, contra um evento que legitimava a violência das CTs com roupagens de cuidado e por ter pedido a devida apuração, nas instâncias competentes, da conduta de servidor público federal.
Aproveitando a indignação contra a utilização do aparato estatal contra a ABRASME, não é demais salientar que a contrariedade às CTs é consensual no âmbito da Luta Antimanicomial. Em todo o ano, vimos saltar com bastante frequência, notas, posicionamentos, bem como atos, manifestações e outras iniciativas de usuários e profissionais da RAPS, de pesquisadores, ativistas e militantes, bem como de entidades, coletivos, e que aliaram a luta nas redes, na RAPS e nas ruas. As próprias manifestações e os posicionamentos dos conselhos de direitos também resultam dessa efervescência de luta, ao mesmo tempo que a compõe e retroalimenta. A referida Campanha nacional contra as comunidades terapêuticas foi a cereja de bolo dessa mobilização, ao mesmo tempo que a impulsionou e possibilitou um salto qualitativo na luta contra as CTs, inclusive, reanimando os ânimos da militância e do ativismo antimanicomiais – e suas interfaces com outras lutas, como a antiproibicionista, abolicionista penal, em defesa do SUS, do SUAS, dentre outras.
E 2026?
Esperamos ter conseguido expressar, mesmo que de maneira resumida, o que significou e significa o avanço das CTs no ano de 2025, e quão relevante é a luta contra elas no presente. Optamos por lançar luz sobre o MDS e os órgãos de controle e participação social não por acreditarmos que a luta se resume aos espaços e vias institucionais, dentro do próprio aparato estatal. Pelo contrário, começamos e terminando o texto afirmando a relevância das lutas fora do Estado, criticando-o, tensionando-o, como tem sido feito pela construção unificada da Campanha nacional contra as comunidades terapêuticas.
A evidenciação foi, portanto, para ilustrar que há luta até mesmo dentro das contradições do aparato estatal, nos diferentes espaços e considerando as distintas posições as quais ele possibilita – não sem limitações e contradições. Ora, e se há luta por dentro do Estado, demonstramos neste ano que há luta também fora dele – especialmente fora dele. Inclusive, fica como anúncio e alerta para quem defende as CTs, ou seja, para quem defende o indefensável: a luta do lado de cá continua, sem hesitação ou vacilação. Não há meio termo de nossa parte: ou somos antimanicomiais ou não somos.
Nossa luta é para que o ano de 2025 tenha sido o último ano de financiamento público às CTs, sobretudo no âmbito federal; para que, de fato, tenhamos um novo ano na saúde mental, álcool e outras drogas. Estamos reivindicando do governo federal aquilo que já deveria ter sido feito há muito tempo; aquilo que, de fato, converge com um governo de esquerda ou de centro-esquerda, mesmo que de frente ampla; aquilo que não se negocia, pois diz respeito à defesa da dignidade humana. De antemão, em consonância com a Campanha nacional contra as comunidades terapêuticas, três medidas são prementes, a saber: 1) a retirada das CTs da RAPS, com posterior revogação da Portaria 1.482/2016; 2) a revogação da Resolução 01/2015 do CONAD, que regulamenta as CTs; e 3) o fim do financiamento público às CTs. Estas abrem portas para o recrudescermos a pavimentação de uma estrada sem CTs e quaisquer outras formas de manicômio em nosso país.
Melhor dizendo, o que estamos reivindicando é aquilo que nem deveria ter que ser feito, já que as CTs jamais deveriam ter sido incorporadas nas políticas públicas, muito menos sendo financiadas pelo Estado brasileiro. Continuar a chancelar e financiar as CTs é continuar a fomentar a lógica asilar-manicomial em nosso país e a violação de direitos na saúde mental, álcool e outras drogas. É continuar a municiar o avanço dos ataques ao SUS, ao SUAS e demais políticas sociais. Pior, é seguir fomentando setores e instituições que representam a extrema direita e o avanço neofascista na saúde mental, álcool e outras drogas. A conta e o cálculo políticos, mesmo aqueles mais mesquinhos e eleitoreiros, não fecham.
Não suficiente, o custo das CTs tem sido, antes de tudo e sobretudo, ético, humano; ele tem custado vidas. As CTs como carros-chefes da manutenção e do recrudescimento da Contrarreforma Psiquiátrica, do avanço da lógica asilar-manicomial, que anda de mãos dadas com o higienismo social, com o reacionarismo e o fundamentalismo religioso, têm significado o avanço da barbárie também na saúde mental, álcool e outras drogas – e com a chancela do governo federal.
Se o fim do ano termina com gosto amargo, podemos extrair dele um saldo positivo ao menos quanto à mobilização e organização contra as CTs. Ainda estamos aqui, por uma sociedade livre de todas as formas de manicômio!
Pela retirada das CTs da RAPS e de todas as políticias!
Pelo fim do financiamento público às CTs!
Por uma sociedade sem manicômios!
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