Pelo direito à esperança


Publicado em: 28 de dezembro de 2025

Gabriel Casoni, da redação

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Gabriel Casoni, da redação

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Bauerngarten (Jardim da casa)/Gustav Klimt

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Mais um ano chega ao fim. Naturalmente, cada um de nós volta a refletir sobre os projetos para o novo ciclo solar: tentar prosperar, conquistar um emprego melhor, oferecer um maior conforto à família, aprender algo novo, realizar aquela viagem ansiada ou abraçar uma nova atividade física.

Mas onde foram parar nossos sonhos coletivos? Eles ainda existem? E o mais importante: ainda somos capazes de acreditar neles?

Percebo, entre as pessoas da esquerda, um tom cada vez mais pessimista — e até fatalista — sobre o horizonte da humanidade. A visão da emergência climática e da ascensão avassaladora da extrema-direita parece ter se tornado uma profecia do fim dos tempos contra a qual já nos damos por vencidos. Critica-se o capitalismo e seus mecanismos de dominação e opressão, mas poucos parecem crer na viabilidade de uma alternativa sistêmica — quer dizer, socialista. Em tempos de crise e desesperança, a ideologia do triunfo final do capitalismo democrático-liberal, que grassou nas décadas de 1990 e 2000, foi substituída pela espera angustiante do colapso da humanidade.

Ora, se não é possível vislumbrar a construção de uma nova sociedade, mas apenas o inelutável apodrecimento da atual, a luta coletiva perde o sentido. Restam apenas o prazer superficial e efêmero, o desejo individualista e narcisista, as identidades fragmentadas na luta de todos contra todos e o pragmatismo político na miséria do possível. Essa projeção aterradora consagra a extinção da utopia, do programa e da estratégia.

Tal visão apocalíptica carece de perspectiva histórica. Observada de perto, qualquer época em sociedades de classes é assombrosa. O Mundo Antigo baseou-se no trabalho escravo por séculos que pareciam perpétuos. No crepúsculo da Idade Média, a peste devorou populações inteiras e o morticínio de mulheres, sob a pecha de bruxaria, era institucionalizado. O capitalismo nascente desterrou e escravizou milhões de africanos e promoveu o genocídio dos povos originários nas Américas em escala monstruosa. No Brasil, o regime escravocrata persistiu por quase quatro séculos. As duas Grandes Guerras Mundiais no século XX ceifaram cerca de 100 milhões de vidas! O nazifascismo promoveu o horror sem paralelos do Holocausto e, ainda assim, foi esmagado.

Genocídios coloniais eram, de certo modo, naturalizados algumas décadas atrás. A expectativa média de vida no planeta, ao final do século XIX, não passava dos 32 anos em razão da altíssima mortalidade infantil. O sufrágio feminino e a democracia de massas são conquistas recentes em termos históricos, assim como os direitos trabalhistas e a organização sindical. Até meados dos anos 1960, a população negra enfrentava a segregação legal e o impedimento do voto em boa parte dos EUA. E os direitos LGBTI+, embora parciais, são vitórias ainda mais contemporâneas. Toda essa realidade pavorosa só foi transformada pela insurgência coletiva.

É evidente que o capitalismo tardio, conduzido agora pelo imperialismo neofascista de Trump, ameaça a vida civilizada e produz um desequilíbrio climático agudo. Sua continuidade projeta a radicalização das desigualdades, o aceleramento da destruição ambiental, novas e mais sangrentas guerras, golpes recorrentes, pilhagens coloniais e massacres sociais. O alvo é o mesmo: a classe trabalhadora, os povos racializados, as mulheres, os imigrantes, as pessoas LGBTI+, os mais pobres e os povos do Sul Global.

Mas é precisamente nesse sujeito plural — os explorados e oprimidos da Terra — que reside a esperança de um novo horizonte. A classe trabalhadora e os camponeses pobres perderam muitas vezes, mas também souberam vencer em momentos cruciais, liderando inclusive revoluções que mudaram a história. Sob o jugo da exploração, inevitavelmente explodirão em novas revoltas. As greves dos empregados da Amazon e da Starbucks nos EUA, as paralisações recorrentes dos operários na China, a recente greve geral em Portugal e a demanda popular pelo fim da escala 6×1 no Brasil são algumas das evidências de que a classe trabalhadora segue pulsando, apesar de todos os retrocessos.

O negro escravizado se insurgiu contra o cativeiro desde o primeiro navio negreiro que cruzou o Atlântico — séculos de açoite não o vergaram. A batalha antirracista é a continuidade dessa luta ancestral pela liberdade e dignidade humanas. Da mesma forma, as mulheres — outrora queimadas em fogueiras e aprisionadas nos lares — não se dobraram à ordem machista e avançam em suas reividicações de igualdade: a maré feminista é uma força histórica arrebatadora. Assim como é a luta da população LGBTI+ pelo seu direito de viver e amar.

A esperança sem realismo é ilusória e passageira. O fascismo contemporâneo é poderoso e está em marcha ascendente, nutrindo-se da própria crise do sistema capitalista. Mas ele não é imbatível, assim como não era o nazifascismo de um século atrás. Atualmente, como diz Mark Fisher, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Mas as lutas de massa haverão de descortinar novos caminhos. A condição primeira para vencer é acreditar nos nossos sonhos, na força das ideias de justiça, igualdade e liberdade e da mobilização coletiva. Singelos exemplos disso são a campanha vitoriosa de Zohran Mamdani em Nova York e o embate da esquerda brasileira nos últimos meses, ambos mobilizando bandeiras populares, o embate de classes e a perspectiva de mudança em benefício da maioria social.

Como diz Maiakóvski num famoso poema: “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas”.

Feliz 2026 a todas e todos!


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