As características centrais do segundo mandato de Trump


Publicado em: 21 de dezembro de 2025

Paul D’Amato, do portal internationalsocialism.net

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Estamos quase terminando o primeiro ano do tumultuoso segundo governo de Trump. O que segue é um resumo de algumas das características centrais do trumpismo e como têm se manifestado até agora.

Em relação à política externa, o segundo mandato de Trump assinala mudanças qualitativas que se afastam dos preceitos neoliberais de “livre comércio” e da manutenção de alianças estáveis com aliados escolhidos, em direção a um mercado de altas tarifas (que mudam constantemente), relações “transacionais” baseadas na pressão financeira e em ameaças de coerção militar tanto a “inimigos” como a aliados. Um oficial dos EUA anônimo resumiu a abordagem do “America First” de Trump da seguinte forma: “Os países que escolhem se alinhar aos interesses dos EUA e estão abertos a acordos mutuamente benéficos colhem os benefícios […] e têm a opção de se relacionar com nossos incríveis serviços militares e de inteligência”. Países que “facilitam e apoiam cartéis que envenenam cidadãos estadunidenses ou permitem que nações adversários tenham acesso ao controle de infraestruturas críticas ou estabeleçam bases hostis em nosso território […] sentirão pressão para mudar de rumo”.

Os EUA estão atualmente em meio a uma massiva ampliação de sua presença militar no Caribe. Dezenas de pequenas embarcações, supostamente envolvidas no contrabando de drogas, foram destruídas até agora, matando 80 pessoas. Sob o pretexto de combater os cartéis de drogas, a ação militar na Venezuela – e possivelmente no México – está sendo considerada pelo governo Trump. A diplomacia das armas está de volta com força total.

Em relação à política interna, Trump implementou rapidamente uma série de iniciativas que ameaçam deteriorar severamente, se não destruir, o sistema político tradicional nos Estados Unidos e transformá-lo em um modelo mais autoritário. Isto é algo que até recentemente, fora dos círculos de Trump, era considerado impensável. O sistema político dos EUA – com os dois partidos capitalistas, um liberal e outro conservador, cada qual assumindo o governo a cada quatro ou oito anos – está sob extrema pressão e o resultado ainda não está claro. E, diferentemente de seu mandato presidencial anterior, Trump acumulou uma coalizão mais sólida com um plano de ação mais desenvolvido.

Trump claramente faz parte de uma mudança autoritária, um fenômeno global. A diferença é que esta mudança está ocorrendo no interior da principal potência mundial, com um de seus dois principais partidos – o Partido Republicano parece estar abandonando suas próprias tradições de longa data baseadas nos chamados “freios e contrapesos” constitucionais, o prestigiado sistema de dois partidos. Parece que o sistema está sendo tensionado internamente até explodir ou se transformar diante de nossos olhos em uma ditadura de partido único. Este desenvolvimento tem alarmado amplas seções de comentaristas centristas e liberais, bem como políticos do Partido Democrata, e não apenas pessoas comuns que sentem diretamente os efeitos de ataques virulentos e das políticas econômicas de Trump.

Trump, muito mais próximo de uma monarquia, tem criado um círculo de bajuladores que o elogiam incessantemente em todas as coletivas da Casa Branca. Sua administração inclui abertamente racistas, malucos conspiracionistas, negacionistas da ciência, das mudanças climáticas e das vacinas, ex-celebridades medíocres da televisão abertamente direitistas e fascistas, como o vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, que acredita que a América deveria ser um país unicamente branco. A base de Trump não é apenas a base tradicional do Partido Republicano, mas também inclui a extrema direita radical como os Proud Boys, os Groypers e outras organizações fascistas. Trump construiu uma coalizão de direita e extrema direita que inclui os cristãos nacionalistas (ambos evangélicos e católicos), os nacionalistas brancos e as think-tanks de extrema direita fundadas por bilionários.

Em sintonia com outros políticos autoritários, Trump tem aproveitado de sua posição para transformar o Estado em uma máquina de fazer dinheiro para ele e seus comparsas, usando de seu poder para extrair riqueza por vários meios, incluindo a extorsão baseado em ameaças legais, vendas de bugigangas com a marca de Trump, presentes luxuosos e negociação de criptomoedas. Conforme um relatório do Center for American Progress, a família Trump, até o final de outubro, embolsou 1,8 bilhão de dólares em dinheiro e presentes desde a eleição presidencial de 2024 [2]. O símbolo mais visível do excesso do governo foi que, no momento em que o governo cortou os benefícios SNAP (conhecidos como vale-refeição), dos quais mais de 40 milhões de estadunidenses dependiam para garantir sua segurança alimentar, estavam prestes a expirar, Trump organizou uma festa de Halloween com o tema “O Grande Gatsby” em Mar-a-Lago [resort de luxo de Trump], que incluiu mulheres seminuas dançando em copos gigantes de martini.

Trump tem apoiado, no momento, amplas seções das classes dominantes.

Grandes empresas, as grandes universidades, bem como outras instituições, cederam a Trump após ameaças legais e financeiras; outros fizeram isso na esperança de obter favores ou, pelo menos, evitar atenção negativa. Muitos fizeram um cálculo financeiro simples: no contexto dos cortes de Trump com gastos sociais (1,2 trilhão de dólares em cortes em programas como o Medicaid e o vale-alimentação), de suas generosas isenções fiscais para os ricos e de sua desregulamentação quase completa da indústria, bem como seu ataque aos sindicatos governamentais e demissões em massa, os benefícios do governo Trump superaram em muito os problemas. Os gigantes de tecnologia e inteligência artificial – o coração do atual aumento de investimentos que está impulsionando a economia dos EUA no momento – desta vez estão apoiando Trump, com base em seu desejo não apenas de entrar no trem da alegria financeira, mas também de aumentar a competitividade dos EUA em relação à China.

O “big beautiful bill” de Trump representa, conforme alguns cálculos, uma das maiores, se não a maior, transferência de riqueza na história dos EUA. Nesse contexto, o recente relatório da Oxfam – de que os 10 bilionários mais ricos dos EUA viram sua riqueza aumentar em 698 bilhões de dólares desde a eleição de Trump – é notável. (Enquanto isso, o conselho da Tesla votou para conceder a Elon Musk 1 trilhão de dólares nos próximos dez anos, dependendo do cumprimento de certas metas de longo prazo extremamente ambiciosas). Como escreveu um comentarista na revista New Yorker [4]: “A motivação pelo lucro certamente desempenha um papel proeminente: desde a Itália de Mussolini e da Alemanha nazista até a Rússia de Vladimir Putin e a moderna China, existe uma longa história de grandes corporações cedendo a governos autoritários por razões comerciais”.

É óbvio que o corte de gastos para os ricos, a desregulação da indústria, do comércio e dos bancos, os cortes na rede de segurança social e o aumento dos gastos militares, com a polícia e gastos com a aplicação da lei de imigração não são novos. Cinco décadas de neoliberalismo, conduzido por ambos os partidos políticos, produz o trumpismo: esses eram processos que continuavam independentemente do partido que estivesse no poder. Os democratas se deslocaram cada vez mais para a direita, reforçando o status quo a cada vez, agindo como um bloqueio político a qualquer alternativa política genuína.

Foi Bill Clinton, afinal, quem aprovou a “lei-crime” que levou a uma explosão do encarceramento em massa, afetando pessoas negras, pardas e pobres nos EUA; foi Clinton quem acabou com o “Estado de Bem-Estar como o conhecemos”; foi Clinton quem prometeu eliminar o “grande governo”. Barack Obama, que era conhecido entre ativistas dos direitos dos imigrantes como o “Chefe Deportador”, salvou Wall Street, mas não as ruas comuns. Biden/Harris tentaram superar o Partido Republicano propondo uma aplicação rigorosa das leis anti-imigração, que foi rejeitada pelos republicanos. Os direitos ao aborto foram lentamente corroídos e os democratas pouco ou nada fizeram para resistir a isso, sendo sob a administração de Biden que o movimento estudantil contra o genocídio em Gaza foi reprimido nos campi universitários. Políticas de direita aprovadas pelos republicanos raramente foram revogadas pela administração democrata subsequente (um exemplo é o uso por Obama de uma lei aprovada no segundo mandato de Bush durante a “guerra ao terror”, permitindo assassinatos e execuções de alvos específicos contra “combatentes inimigos”), apesar de sua retórica eleitoral de que a única “resposta” ao perigo da direita é votar nos democratas.

Algumas das políticas de Trump já estavam sendo, pelo menos parcialmente, desenvolvidas sob Biden e governos anteriores. Em particular, Biden tentou aprovar políticas que objetivavam restringir os chips de computador à China e implementar tarifas e restrições comerciais mais seletivas a fim de encorajar a indústria a reconstruir o mercado interno dos EUA (processo conhecido como “repatriamento”) – uma política ditada pelo menos em parte pela preocupação de que, em caso de guerra com a China, os EUA ficariam vulneráveis às importações das quais as forças armadas dependem para produzir munições, armas, navios e aeronaves – por exemplo, minerais de terras raras, cuja produção atualmente é quase totalmente dominada pela China. Enquanto isso, a guerra ao terrorismo após o 11 de setembro já havia sido usada como desculpa para intensificar o estado de vigilância interna.

Mas existe uma mudança qualitativa nas políticas dos EUA desde que Trump assumiu o poder, somando-se a uma série de políticas que objetivam reverter os ganhos dos movimentos sociais e da classe trabalhadora desde a década de 1920:

1) Uma ofensiva total contra o terrorismo desde o primeiro dia contra imigrantes sem documentos, particularmente os imigrantes negros e, sobretudo, imigrantes que não tiveram problemas com a lei. O comportamento de bandidos mascarados, fortemente armados, está levando a comparações populares com a Gestapo de Hitler. O objetivo do ultimato de Trump é acabar com a “cidadania por direito de nascimento”. A rede da ICE também prendeu muitas pessoas que são cidadãs dos EUA ou estão ali com Green Cards ou vistos legais.

2) O envio de tropas da Guarda Nacional para o Washington, D.C. e, potencialmente, para Chicago e Portland – para apoiar os capangas do ICE e da Patrulha de Fronteira que já estão lá (assim como em outras cidades) – contra os imigrantes, mas também para “combater o crime”, ou seja, um código para atacar os negros. (O discurso de Trump em 30 de setembro para os generais convocados globalmente falou sobre usar as cidades americanas como “campos de treinamento” para as tropas dos EUA que se preparam para conflitos no exterior.)

3) O fim da “diversidade, equidade e inclusão” e do “wokeness”, ou seja, uma campanha feroz para desmantelar todas as proteções e vantagens para qualquer pessoa que não seja homem branco heterossexual. A ofensiva inclui um ataque total às pessoas trans. Uma das primeiras ações de Trump foi emitir uma ordem executiva declarando que existem apenas “dois sexos” e suspendendo imediatamente todos os programas de “diversidade, equidade e inclusão”.

4) Um ataque às agências governamentais, empregos, sindicatos governamentais e gastos sociais (exceto para as várias forças armadas dos EUA).

5) Um ataque à ciência, incluindo cortes massivos de pesquisa.

6) Uma campanha para criminalizar a resistência e definir todas as oposições a Trump como terrorismo – o que foi intensificado consideravelmente após a martirização nacional do líder do Turning Point, Charlie Kirk, ocorrido em sequência de seu assassinato em 10 de setembro.

7) O uso efetivo de uma Suprema Corte complacente e favorável, que até agora tem em grande parte concedido a Trump praticamente tudo o que ele deseja.

8) O perdão de apoiadores (incluindo os violentos manifestantes de 6 de janeiro de 2021) e a instrumentalização do Departamento de Justiça para empregá-lo contra os supostos oponentes de Trump, incluindo ações judiciais contra o ex-diretor do FBI James Comey, ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton e a procuradora-geral de Nova York Letitia James.

O conjunto do ataque de Trump contra a liberdade de expressão se tornou mais claro após o assassinato de Kirk. Em setembro, ele designou “antifa” como uma “organização terrorista doméstica”, emitindo um Memorando Presidencial de Segurança Nacional orientando as autoridades federais responsáveis pela aplicação da lei e outras agências a investigar e desmantelar qualquer organização sem fins lucrativos de esquerda que se oponha à sua agenda. O memorando lista como exemplos de “terrorismo doméstico” organizações do tipo “antiamericanismo, anticapitalismo e anticristianismo”, “extremismo sobre a migração, raça ou gênero” e oposição às “visões estadunidenses tradicionais sobre a família, religião e moralidade”. Resumindo, se você não for um apoiador de direita de Trump, você é um terrorista doméstico.

Tudo isso foi acompanhado por um aumento extremo da retórica violenta. (A Secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse, por exemplo, após os recentes protestos “No Kings”, que “A principal base eleitoral do Partido Democrata é composta por terroristas do Hamas, imigrantes ilegais e criminosos violentos”.) Por outro lado, nenhuma força armada do Estado, menos as forças policiais locais, foi mobilizada contra os 7 milhões de supostos “terroristas” que participaram dos protestos “No Kings”. Isso ajuda a mostrar o vácuo que ainda existe entre as aspirações do regime e seu alcance real. Sem dúvida, o governo Trump gostaria de preencher esta lacuna.

Sua política externa, pelo menos no papel, tem como objetivo restaurar a “grandeza” da América, compelindo, por meio das tarifas, o investimento extrangeiro e doméstico nos EUA para reconstruir sua base industrial e vencer a batalha com a China pelo domínio na América Latina, no Pacífico e em outros lugares. Se e em que medida isto pode ou irá acontecer, ainda é motivo de debate. Ainda mais clara é a guinada dos EUA à antiga “diplomacia das armas” na América Latina. Trump também ameaçou recentemente a Nigéria com uma ação militar por não “proteger” os cristãos e os Estados Unidos têm vindo a reforçar discretamente as suas forças militares em Creta, com a cooperação do governo grego.

Ainda não está completamente claro quais ameaças militares são projetadas para exercer pressão em determinado país, quais serão apoiadas e em que medida por ações militares – embora uma invasão na Venezuela, dada a concentração militar, pareça estar mais próxima de se tornar realidade.

Tomando o caso dos portos do Panamá, por exemplo. Primeiro, Trump ameaçou invadir o Panamá e retomar o canal sob o pretexto de que havia muita influência chinesa sobre o canal; então, ele usou a ameaça para forçar o Panamá a rejeitar a gestão de seus dois principais portos pela empresa CK Hutchison, sediada em Hong Kong. Sob pressão, a CK Hutchinson concordou em vender sua participação de 80% em 43 portos, incluindo dois no Panamá, para um consórcio liderado pela empresa estadunidense Black Rock. O acordo foi contestado pela China, que insistiu que, como contrapartida, a empresa chinesa COSCO fosse acrescentada ao consórcio com uma participação de 20-30% nos 43 portos fora do Panamá, o que congelou as negociações. De acordo com uma análise da revista Foreign Policy, os EUA estariam considerando um acordo em que permitiriam à COSCO adquirir uma participação nos outros 41 terminais e a Black Rock ficaria com os dois panamenhos. O resultado ainda não está claro, mas se esse for o acordo que os EUA conseguirem, Trump poderá reivindicar uma vitória no Panamá, enquanto a China amplia seu alcance econômico em outros lugares.

A questão sobre reconstruir as capacidades econômicas dos EUA em caso de um grande conflito militar é central na conjuntura política. Por exemplo, as Forças Armadas dos EUA são obrigadas por lei a construir todos os seus navios nos EUA, mas a China tem 232 vezes a capacidade de construção naval dos EUA, de acordo com o Escritório de Inteligência Naval dos EUA. A China registrou 74% das encomendas mundiais de construção naval no ano passado; a Coreia, 17%; e os EUA, 0,2%. Os EUA estão fazendo acordos com a Coreia e o Japão para criar joint ventures na Coreia e nos EUA. Por exemplo, a construtora naval coreana Hanwha está construindo e modernizando um estaleiro na Filadélfia e Trump é claramente a favor desse tipo de “repatriamento”. O governo Trump também está intensificando seus esforços para fazer acordos comerciais com outros países além da China, como o Cazaquistão e a Austrália, bem como para reabrir minas abandonadas no Alasca e em outras partes dos EUA, juntamente com instalações de processamento, para obter acesso a minerais de terras raras, um mercado atualmente dominado pela China.

O maior problema com o plano de “transferir para o território nacional” e restaurar a indústria manufatureira dos EUA é o grau incrível de internacionalização do comércio e dos componentes de manufatura. A internacionalização da produção se desenvolveu a tal ponto que não existe, por exemplo, um carro produzido e manufaturado em um único país – um fato que se aplica a milhões de produtos. As peças de carros que compõem um produto acabado são, elas próprias, compostas por peças e materiais de todo o mundo.

Sob tais circunstâncias, o grosseiro instrumento das tarifas (mesmo que não fosse tão confuso e errático como é sob Trump) não vai funcionar como uma solução milagrosa. Como os EUA não estão prestes a se tornar uma economia autárquica que possa sobreviver apenas com matérias-primas e bens produzidos em seu interior, as tarifas sempre terão um impacto duplo, causando perturbações na cadeia de abastecimento e o aumento dos custos de produção para muitos fabricantes. A ideia de que os Estados Unidos vão proteger seu caminho de volta ao domínio industrial é uma ilusão.

Mas, à medida que é implementado, envolverá um ataque massivo aos padrões de vida dos trabalhadores e dos pobres nos EUA, a fim de tentar tornar as empresas dos EUA competitivas com a China. Tornar a “América grande novamente” significa cortar custos trabalhistas, eliminar o salário social e usar o Estado para criar um “complexo militar industrial”. À medida que qualquer um desses planos for adiante, requererá uma transferência massiva de riqueza da base para o topo. Todas essas medidas irão tornar a vida de milhões de trabalhadores e pobres estadunidenses consideravelmente pior do que já é hoje.

O impacto econômico das políticas de Trump já está sendo sentido. As demissões em outubro atingiram o maior nível em 22 anos nos EUA e as contratações têm sido fracas. Isso ocorre em um ano em que já houve centenas de milhares de cortes de empregos no governo dos EUA pelo “DOGE” e a recente paralisação do governo levou ao corte de milhões em salários e vale-refeição. A inflação está atualmente em 3%, mas isso subestima o impacto dos custos de alimentação, moradia e gasolina/transporte para as pessoas comuns. A inflação dos alimentos está corroendo os salários. Pesquisas de boca de urna nas eleições recentes indicam que há uma preocupação crescente com a situação da economia.

A incerteza econômica provavelmente piorará, não apenas por causa da confusão tarifária. Existe cada vez mais um sentimento de que o crescimento da inteligência artificial e da tecnologia é uma bolha prestes a estourar. O CEO da fabricante de chip Nvidia (com um valor acumulado atual de 5 trilhões de dólares) expressou indignação sobre um relatório de um investidor que ficou famoso após o filme “A grande aposta”, Michael Burry (que previu o colapso do mercado imobiliário em 2008), por seu recente anúncio de que está apostando contra as gigantes da tecnologia Nvidia e Palantir.

Existe um elemento de irracionalidade, imprevisibilidade e impulsividade no comportamento de Trump – bem como as decisões ideologicamente tomadas que não se encaixam perfeitamente na política bem-sucedida do ponto de vista do imperialismo estadunidense. Em primeiro lugar, existe uma completa falta de uma estratégia tarifária coerente – elas parecem mudar a cada semana, dificultando investimentos, contratações e levando muitos países a considerar os EUA um parceiro não confiável, que eles devem contornar para encontrar alternativas.

Existem outros exemplos. Trump recentemente abandonou as negociações comerciais com o Canadá, por exemplo, devido a um anúncio de Ontário citando (com precisão) Reagan contra as tarifas. Outro exemplo é o abandono das energias não baseadas em combustíveis fósseis. Trump não está apostando nos combustíveis fósseis – que, da perspectiva dos EUA, faz sentido porque o país é atualmente o maior produtor mundial de petróleo e gás natural. Mas, ao mesmo tempo, ele está cedendo completamente o domínio das energias renováveis, como a solar, a hidrogênica e a eólica, à China.

Além disso, acontece a “fuga de cérebros”. Os Estados Unidos historicamente atrai talentos de outros países; Trump está revertendo esse processo. Seus cortes massivos nos subsídios federais às universidades e outras instituições de pesquisa científica por sua incapacidade alegada de combater o “antissemitismo”; seu assédio, prisão, detenção e deportação de estudantes estrangeiros que o criticam ou ao genocídio de Israel; seu compromisso por revogar os vistos de chineses, bem como de outros estudantes estrangeiros; e sua recente decisão de cobrar 100 mil dólares por um visto HB1 para trabalhadores estrangeiros qualificados que vêm para os EUA contribuiu para o que está sendo chamado de “fuga de cérebros” dos Estados Unidos. Além dos bilhões de dólares que as universidades perderão com a evasão das mensalidades dos estudantes estrangeiros, cujo medo do governo Trump os levou a deixar ou simplesmente não se inscrever em universidades dos EUA, e das áreas centrais da pesquisa médica e científica que já estão sofrendo com os cortes, é óbvio que dezenas de milhares de potenciais candidatos nas universidades e empregos nos EUA agora estão procurando outras opções. Segundo a Nature, nos primeiros meses do governo Trump, o número de possíveis candidatos nos EUA buscando por empregos aumentou 41% pela busca no Canadá, 32% na Europa e 59% na China e em outros países asiáticos em relação ao mesmo período no ano passado; enquanto o número de candidatos europeus que buscam empregos nos EUA diminuiu 41% no mesmo período. Pesquisadores nos Estados Unidos que perderam seu financiamento estão buscando a China, Europa, Canadá e outros lugares para continuar seu trabalho.

O governo de Trump representa uma guinada em direção ao fascismo? Essa é uma questão em aberto e muito complexa para ser tratada neste artigo. Mas, no mínimo, é próximo do fascismo. O que talvez seja revelador é que a nomeação de Paul Ingrassia por Trump para o cargo de Conselheiro Especial foi retirada quando se revelou que ele havia feito uma declaração de que ele tinha uma “veia nazista”. E, ainda assim, é muito claro que o conselheiro de segurança interna Stephen Miller seja um defensor ferrenho da ideia da “grande substituição”, a teoria nacionalista branca de que existe um “genocídio” em curso contra os brancos. E não existe dúvida de que as políticas de extrema direita têm sido normalizadas pela mídia direitista. O apresentador direitista da Fox News, Tucker Carlson, recentemente concedeu uma entrevista amigável ao antissemita fascista declarado Nick Fuentes, na qual discutiram o dominio dos judeus sobre a política e os negócios dos EUA. Fuentes já fez, no passado, declarações como “Hitler era incrível” e “os judeus não têm futuro na América”.

Além disso, com o poder estatal nas mãos de Trump, ele não precisa de tropas de choque fascistas, mas abertamente abriu as portas para contratar os piores elementos da extrema direita da sociedade para o ICE. Em um sentido muito real, o ICE está deliberadamente recrutando pessoas que querem usar máscaras enquanto causam violência contra famílias de imigrantes indefesas.

O que temos é um regime que está avançando em diversas frentes, tanto quanto possível, em direção a um Estado autoritário, testando quem e onde existe resistência e continuando a pressionar, vendo quais decisões judiciais pode ignorar, quais políticas pode impor e distorcer, quais novas políticas pode criar. Ele está engajado em uma guinada profundamente autoritária que visa, no mínimo, restringir severamente os já escassos traços de democracia formal que existem nos Estados Unidos.

O que o futuro reserva ainda não está claro. Não está fora do conjunto de possibilidades que Trump crie uma crise a fim de declarar uma “emergência” para cancelar as eleições de 2028; outra possibilidade é que ele encontre um modo de mudar a constituição para permitir que concorra a um terceiro mandato, com a esperança de que manipular o mapa eleitoral lhe garanta a maioria de que precisa no colégio eleitoral. A primeira opção é claramente sua preferida: ele disse em uma reunião da Turning Point USA antes das eleições sob aplausos entusiasmados: “em quatro anos, você não precisará votar novamente. Vamos resolver tudo tão bem que você não precisará votar”.

Alternativamente, o sistema político ainda poderia sobreviver a esta crise após Trump ser forçado a deixar o cargo por meios eleitorais nas eleições intermediárias e em 2028; ou depois que ele perdesse uma eleição e tentasse um “golpe” semelhante ao de 6 de janeiro de 2021, desta vez com mais forças estatais à sua disposição, para “impedir o roubo”. Naturalmente, se este último cenário se concretizar, o resultado será determinado por forças externas ao processo constitucional tradicional. O resultado ainda não é claro. Muito dependerá da intensidade e do tipo de resistência que se desenvolver.

Traduzido de https://internationalsocialism.net/the-key-characteristics-of-trumps-second-term/ por Paulo Duque, da equipe do Esquerda Online.


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