Portugal: a greve foi um sucesso. E agora?
Publicado em: 18 de dezembro de 2025
A Greve Geral de 11 de dezembro de 2025 foi um sucesso. A CGTP leu bem a realidade e marcou uma greve geral que criou uma dinâmica de unidade e foi participada, bem como as manifestações do dia da greve, em especial em Lisboa. Após este sucesso, coloca-se a questão, «e agora?» Como transformar o êxito da greve num movimento que obrigue o governo a recuar no pacote laboral? Qual deve ser a nossa atitude perante situações destas?
Quem, como eu, viveu na primeira pessoa a luta contra a Troika, participando nos movimentos sociais da altura, relembrou-se, inevitavelmente desse período. No dia 11 de dezembro, seja quando estava nos piquetes da greve geral ou na manifestação em frente ao parlamento, a luta que se travou no período de 2012 a 2013 veio-me à memória várias vezes. Desta forma, para tentar responder às questões e inquietudes sobre como dar continuidade a esta enorme greve, considero que ajuda revisitarmos o processo de luta contra a Troika, assinalado o que de correto se fez, mas também os erros cometidos para não os repetirmos na luta contra o pacote laboral.
Como foi no período da Troika? Um acerto.
No dia 12 de março de 2011 saiu às ruas um protesto que ficou conhecido como “Geração a Rasca”. Passados 11 dias desta poderosa manifestação, que se realizou em várias zonas do país, o primeiro ministro José Sócrates (PS) demitiu-se.
A 6 de Abril de 2011 o governo PS de José Sócrates anunciou o pedido de “ajuda financeira” externa. Esta é a data que de certa forma abre o período da Troika (UE, BCE e FMI) em Portugal. Entre este acontecimento e setembro de 2012, aconteceram várias manifestações e duas greves gerais (24 de novembro de 2011 e 22 de março de 2012). Em especial, proponho que nos foquemos no período que se inicia a julho de 2012 com a convocação de uma manifestação nas redes sociais, marcada por um coletivo desconhecido na altura, o “Que se lixe a Troika” (QSLT), para o dia 15 de setembro de 2012.
Inicialmente, a manifestação convocada para 15 de setembro de 2012 era uma manifestação genericamente oposta às medidas de austeridade. Como tantas outras à época, esperava-se que fosse participada, mas não necessariamente gigantesca. Inclusivamente, a sua marcação para uma praça não muito grande, a Praça José Fontana, em Lisboa, indicava as expetativas modestas de quem a convocava. Mas algo mudou. Já com a manifestação convocada, mas antes da sua realização, o primeiro ministro desse período, Pedro Passos Coelho, anunciou, entre outras medidas, a redução da TSU (Taxa Social única) para as empresas e o aumento em 7% a contribuição dos trabalhadores para a segurança social. Na prática, isto significava um corte nos rendimentos de todos os trabalhadores e uma borla para todos os patrões. A medida não só era injusta, como em nada contribuiria para o suposto equilíbrio das contas públicas que, supostamente, justificaria a austeridade. A raiva popular explodiu e a manifestação de 15 de setembro transforma-se na maior manifestação desde o 25 de Abril (com mais 500 mil pessoas nas ruas por todo o país). Sentia-se e via-se na rua uma energia, força e revolta que lembrava e superava a manifestação da Geração à Rasca (2011) que tinha sido um dos fatores que levou à queda do Governo Sócrates. Essa manifestação mudou a situação política no país, alterando repentinamente a correlação social de forças. Os trabalhadores e o povo, que até aí estavam a sofrer pesadas derrotas, tinham a possibilidade de virar o jogo.
Na sequência deste poderoso dia, que colocou na ordem do dia a queda do governo, todos no movimento social nos questionávamos:como prosseguir a luta? Como derrotar a TSU? Como derrotar o Governo de Passos Coelhos? Como não deixar arrefecer esta mobilização popular?
O movimento Que se Lixe a Troika não deixou o Governo descolcar das cordas e foi para cima. A continuidade apresentada pelo QSLT foi uma manifestação para seis dias depois em frente ao Palácio de Belém, onde se realizava o Conselho de Estado. Apesar da manifestação se ter realizado a uma sexta-feira às 18h, enquanto o Governo, Presidente da República e conselheiros de estado se reúnam lá dentro, cá fora uma multidão de trabalhadores e jovens mantinham a pressão alta sobre as elites do país. Passado dois dias desta manifestação o Governo recuou na medida da TSU. Os trabalhadores e o povo obtiveram uma importante vitória. Não apenas porque evitaram que milhões de euros fossem transferidos diretamente dos salários para o lucros dos patrões. Mas sobretudo porque ficou provado que as medidas do Governo podiam ser derrotadas nas ruas.
O que demonstra este exemplo? Que a continuidade da luta manteve a pressão alta sobre o Governo e permitiu obter uma vitória. O movimento social e dos trabalhadores não ficou na expectativa e manteve a iniciativa. O nosso lado não deu espaço para que o Governo, que estava encostado às cordas ganhasse flego, obrigando-o a recuar nessa medida. Importa relembrar que mesmo havendo o recuo da medida da TSU, dadas os vários ataques do Governo, a mobilização manteve-se. Posteriormente, passadas três semanas, a 13 de outubro, houve a Manifestação/concerto em Lisboa: “A Cultura não se troika” na Praça de Espanha. Mais um momento de mobilização que teve uma grande adesão. logo dois dias depois, a 15 de outubro 2012, realizou-se o “Cerco ao Parlamento”, que juntou os movimentos sociais a trabalhadores em greve, como estivadores e maquinistas, e manteve mais uma vez a luta acesa. As mobilizações sucediam-se mesmo com intervalos de poucos dias entre eles. Porém, podiam ter sido canalizados de forma mais ousada para travar as restantes medidas de austeridade. Este período intenso de mobilização culminou na marcação de uma greve geral, por parte da CGTP e UGT. Mas esta só aconteceu a 14 de novembro. Esta também teve uma grande adesão e deu-se uma grande manifestação que acabou com uma carga policial violenta. O Governo tinha sido encostado às cordas, sofrido uma derrota na TSU, mas conseguiu recuperar, apesar de muito desgastado.
Como foi no período da Troika? Um erro que se pagou caro.
Apesar da vitória sobre a medida da TSU, as várias manifestações e protestos como as Grândoladas – que consistia em perseguir os governantes por vários locais no país, cantando a Grândola – demonstravam que o povo queria mais e estava mobilizado para isso. Os ataques aos trabalhadores eram diversos e o povo já exigia a demissão do Governo e que a Troika se fosse embora do país.
Neste contexto, chegados a outubro de 2013, a CGTP convoca uma Mega-Manifestação Nacional para a Ponte 25 de Abril, com a vinda de centenas de autocarros de todo o país. A proposta de luta da CGTP subia a parada e correspondia à vontade e sentimento do povo e do movimento. Contudo, o ministro da Administração Interna da altura, Miguel Macedo, a cinco dias da manifestação proibiu a marcha na Ponte 25 de Abril apresentando “critérios de segurança e de legalidade”. Perante a iniciativa do Governo, a CGTP cancelou a marcha pela ponte 25 de Abril passando-a para Alcântara. Esta decisão da CGTP foi um erro que se pagou caro pois provocou um certo desanimo e inclusive desmobilização da manifestação. Caso se mantivesse a manifestação, o Governo ou veria a sua proibição desobedecida por dezenas de milhares de pessoas, sofrendo uma derrota política, ou teria de usar a violência, o que destruiria a sua já pouca autoridade. Em qualquer dos casos, sofreria uma derrota. Recuar foi um erro da CGTP. Há momentos em que não se pode recuar na luta e é preciso ousar.
O movimento social que se encontrava como protagonista na ofensiva, com esta decisão acabou por ficar desmoralizado. A verdade é que depois desta manifestação não mais aconteceram manifestações que chegassem perto das anteriores em termos de números de participantes e radicalidade. A decisão foi um anti-climax e o Governo Passos Coelho e Paulo Portas acabou por durar até ao fim da legislatura. Nos momentos de grande tensão social e de fortes mobilizações, decisões aparentemente pequenas fazem toda a diferença. Manter ou desmarcar uma manifestação ou voltar a sair às ruas poucos dias após uma mobilização em vez de deixar o Governo respirar pode fazer a diferença entre conquistar vitórias ou ser derrotado.
O que tem o período da Troika a ver com o Pacote Laboral?
Na sequência da Greve Geral e das Manifestações do dia 11 de dezembro tenho-me questionado como dar seguimento à luta contra o pacote laboral? Até ao momento não está marcada nenhuma manifestação que dê continuidade ao movimento que se gerou. Apenas a entrega do abaixo assinado contra o Pacote Laboral, no dia 13 de janeiro (3ªFeira), às 14h30, em Lisboa, na residência oficial do Primeiro-Ministro. O dia e a hora escolhidos indicam que, mais do que uma manifestação, será um protesto simbólico.
Como demonstram os tempos da luta contra a Troika e o Governo da direita, em política existem momentos em que é possível alcançar objetivos concretos. Foi o caso das manifestações seguidas, a 15 e a 21 de setembro, que derrotaram a TSU, E foi também o caso da manif sobre a ponte 25 de Abril, em que era possível dar um golpe profundo ao Governo das direita e se acabou por recuar. A lição é evidente: quando deixamos passar esses momentos, a conjuntura favorável aberta pelas mobilizações pode fechar-se. Perde-se o timing e perdem-se direitos.
Na luta contra o pacote laboral e na sequência da decisão corajosa e acertada da CGTP em convocar Greve Geral, faz falta a marcação de uma manifestação para o início de Janeiro, num dia ou horário em que o povo possa participar em massa, para manter o movimento vivo, de forma a não dar a iniciativa ao Governo e continuar com a nossa classe como protagonista, a marcar a agenda e pressionar o Governo. Esta é a melhor forma de não deixar o governo inventar nenhum truque negocial, impedir a deserção de qualquer setor sindical e não deixar a extrema-direita recuperar da pirueta que foi obrigada a dar. Sem isto, o risco de se perder a oportunidade é demasiado grande.
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