meio-ambiente
Brasil, COP30 e o paradoxo extrativista: entre o “greenwashing” e o negacionismo reacionário
Publicado em: 10 de novembro de 2025
Ricardo Stuckert
A cada dia que passa, as evidências — já não apenas científicas, mas também as mais empíricas, como o ocorrido em Valência [Espanha] no ano passado — constatam a emergência ecológica. Não como um fenômeno próprio de um futuro funesto, mas como uma realidade presente. O próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que 2024 foi «uma verdadeira aula magistral de destruição climática». Esta frase foi parte de seu discurso inaugural por ocasião da cúpula climática mundial da COP29 em Baku, exatamente há um ano.
Um ano mais, a COP — Conferência das Partes, por sua sigla em inglês —, a reunião dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CMNUCC), volta a se reunir para supostamente tomar decisões políticas em nível internacional para combater a mudança climática ou diminuir seus efeitos. Desta vez no Brasil, com o peso simbólico de ser celebrada na Amazônia, em um contexto caracterizado tanto pelo agravamento dos efeitos da crise ecológica quanto pelo crescente negacionismo climático liderado da Casa Branca por Donald Trump.
O Brasil está utilizando o macroevento climático para tentar se posicionar como o campeão do capitalismo verde. Um movimento que tem muito de disputa política interna, como antagonismo ao negacionismo da extrema direita bolsonarista a um ano das eleições presidenciais, ao mesmo tempo em que posiciona o Brasil como ator regional e internacional. Tudo isso no âmbito de uma conjuntura marcada por uma União Europeia que está abandonando a maquiagem do Pacto Verde para mostrar uma face mais cáqui, militar, de «Rearm-Europe» [Rearmamento da Europa], assim como pelo crescimento do negacionismo liderado pela internacional trumpista.
A COP30, que se celebra em Belém, mostrará os limites do soft power brasileiro para liderar a agenda ambiental global enquanto aumenta a produção de petróleo, expande a fronteira dos combustíveis fósseis e incrementa o agronegócio que exacerba a crise climática e seus fenômenos meteorológicos extremos. De fato, um mês antes da cúpula climática, a Petrobras, a empresa petrolífera pública brasileira, obteve a licença para perfurar a bacia da foz do Amazonas. Uma exploração que converterá o Brasil no quarto maior produtor de petróleo do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.
De fato, as duas últimas reuniões da COP foram realizadas em Baku, Azerbaijão (2024), e Dubai, Emirados Árabes Unidos (2023), países com uma economia centrada nos combustíveis fósseis, mostrando as contradições existenciais deste tipo de cúpula. No caso de Dubai, o CEO da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC) usou seu cargo como presidente anfitrião da reunião internacional para fechar negócios petrolíferos.
Enquanto em Baku os lobistas do setor de combustíveis fósseis tiveram mais de 1.700 representantes, um número muito superior ao das delegações dos países mais vulneráveis à mudança climática. São exemplos que mostram a captura corporativa da COP e parte de suas deficiências estruturais para ser um fórum útil para enfrentar a crise ecológica em curso.
Mas não só os combustíveis fósseis parecem estar fora do controle da COP, também outras atividades extrativas como a mineração ou o agronegócio. O Brasil tem evitado reconhecer o papel da agricultura intensiva no desmatamento, principal contribuição do país para as emissões de gases de efeito estufa. Uma realidade que, mais uma vez, colide com o verniz de capitalismo verde que o país quer vender nesta cúpula, com sua medida estrela do Fundo para as Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Uma iniciativa público-privada que pretende criar um fundo de 125 bilhões de dólares (25 bilhões como contribuição dos Estados e 100 bilhões de multinacionais), administrado pelo Banco Mundial para investir nos mercados financeiros, distribuindo sua rentabilidade anual — estimada em cerca de 4 bilhões — entre os países que preservarem suas florestas. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o fundo é «a principal iniciativa do Brasil» na COP.
Impulsionar um Fundo para as Florestas Tropicais enquanto, algumas semanas depois, está previsto assinar o acordo comercial União Europeia–Mercosul — conhecido popularmente como um acordo de «vacas por carros» —. Enquanto a UE pretende melhorar o acesso ao mercado do Mercosul para suas multinacionais de automóveis, acessórios automotivos, empresas de energia, bebidas e serviços financeiros, em troca os países do Mercosul querem mais acesso ao mercado europeu para suas matérias-primas, carne bovina e de frango, soja, açúcar e etanol para biocombustíveis, entre outros produtos. Não podemos ignorar que a pecuária é o maior impulsionador do desmatamento na Amazônia, com 63% das áreas desmatadas ocupadas por pastagens.
Esta COP será a primeira desde que Donald Trump voltou à Casa Branca. Em uma declaração de intenções inequívocas, os Estados Unidos não só não participarão da cúpula de líderes deste fim de semana, como também não enviarão representantes de alto nível às negociações técnicas da cúpula de Belém, que começarão a partir desta próxima segunda-feira. Assim, mostra seu desprezo mais absoluto pelos espaços multilaterais, reafirmando também a bandeira do negacionismo climático como um traço definidor da onda reacionária global. De fato, o presidente argentino, Javier Milei, a figura mais proeminente da internacional reacionária no continente latino-americano, seguirá o exemplo de Trump e tampouco irá à COP de Belém.
Um negacionismo ultradireitista, que se revela funcional ao “mal menor” do capitalismo verde. Um espelho côncavo no qual é possível aumentar a imagem do fundo especulativo para as Florestas Tropicais, não ser muito crítico com as prospecções petrolíferas na Amazônia ou inclusive defender o verde cáqui militar da União Europeia. Uma forma de diminuir o espaço do possível para as políticas de mitigação climática enquanto aumenta a influência e a importância do negacionismo, cedendo-lhes o rótulo de antissistema em um momento de mal-estares crescentes.
Mas nestes dias no Brasil não se reunirão apenas os lobistas do capitalismo verde, cáqui e fóssil, ou os representantes dos governos, que comparecem de forma litúrgica para bater ponto como quem visita a igreja ano após ano no dia de Todos os Santos para pôr uma vela pelos falecidos e limpar sua consciência até o ano que vem. Também serão desenvolvidas diferentes iniciativas populares e encontros que pretendem estabelecer alianças amplas entre organizações sociais, políticas e sindicais que rejeitem este modelo violento e predador, assim como sua maquiagem verde de “mal menor”.
Diante da impotência do negacionismo e do verniz verde do capital extrativo, é fundamental levantar um novo internacionalismo ecoterritorial, a partir da base e ligado aos processos comunitários. Neste sentido, neste fim de semana em Belém, coincidindo com a cúpula de chefes de Estado de meio mundo, nasce “Povos contra o Extrativismo”, uma plataforma de encontro de organizações populares que enfrentam a mineração e o extrativismo em todas as suas formas. Denunciando cada projeto que destrói a vida nos territórios, não como ameaças desconectadas, mas como materialização concreta das dinâmicas do capitalismo verde militar.
Porque, diante de um cenário de emergência climática, crise ecossocial e avanço de uma internacional reacionária a serviço dos interesses dos super-oligarcas, não podemos continuar confiando em cúpulas que se converteram em estruturas zumbis parasitadas por lobistas do capital. Precisamos enfrentar a ditadura do lucro para arrancar conquistas que coloquem a vida e o território no centro.
“Povos contra o Extrativismo” nasce como uma iniciativa humilde a serviço dos processos de luta popular contra a lógica extrativista. Ao mesmo tempo, há muitas outras iniciativas que se reunirão nestes dias no Brasil, desde o fórum pós-extrativista em São Paulo até os encontros ecossocialistas e a Cúpula dos Povos em Belém. Propostas que vão além da chantagem funcional entre o negacionismo climático e o capitalismo verde, alargando o quadro do possível.
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