O Senado aprovou na noite deste sábado, 02, o PLP 39/2020,que prevê socorro financeiro aos Estados e Municípios durante a pandemia do Coronavírus. O projeto, porém, estabelece uma série de contrapartidas que atacam as trabalhadoras e trabalhadores do setor público, impondo um severo aprofundamento do arrocho salarial e congelamento das carreiras do funcionalismo público, além de comprometer as contas dos Estados e Municípios, a curto prazo, através de questionáveis mecanismos financeiros.
O PLP 39/2020 foi aprovado numa sessão atípica, em plena noite de sábado, tendo o próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), como relator. O texto substituiu o projeto original, o PLP 149/2019, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados há alguns dias e que estabelecia ajuda financeira aos estados e municípios, sem a necessidade de contrapartidas como o congelamento salarial e de carreira de servidores públicos. O projeto foi aprovado por 79 dos 81 senadores da República, incluindo os de partidos ditos progressistas e pró-trabalhadores, como PT, PDT e PSB. Apenas o senador Randolfe Rodrigues (REDE) votou contra. O senador Ewerton Dias (PDT) não votou porque presidiu a inusitada sessão.
O texto aprovado estabelece um repasse de R$ 60 bilhões da União para os estados e municípios, sendo R$ 10 bilhões destinados para ações de combate ao Coronavírus, nas áreas de saúde e assistência social e R$ 50 bilhões para reposição da queda de arrecadação dos entes federados. O projeto também prevê uma economia de R$ 49 bilhões através da suspensão das questionáveis dívidas dos estados com a União e bancos públicos, além de uma economia de R$ 10,6 bilhões com a renegociação de dívidas contratuais dos estados com organismos financeiros internacionais, que tem a União como garantidor. Para receber a ajuda fiscal, os estados e municípios terão que se comprometer a congelar os salários e carreiras de servidores públicos, com exceção dos servidores da saúde que estão na linha de frente do combate a pandemia e dos militares das forças armadas e auxiliares.
Além da ajuda fiscal aos estados e municípios, o texto trouxe uma série de mudanças na gestão fiscal e orçamentária dos entes públicos, com destaque para chamada securitização de créditos, uma sofisticada engenharia financeira que estabelece um esquema fraudulento de desvios de recursos públicos para investidores privilegiados.
Arrocho salarial e congelamento de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do setor público
O Governo e o Senado aproveitaram o fato de serem obrigados a ajudar os estados e municípios, para aprofundar o arrocho salarial e a destruição de carreiras do serviço público. Para receber a ajuda financeira, os estados e municípios terão que se comprometer a não conceder reajustes salariais para servidores públicos; proibir progressões na carreira de servidores; proibir a contagem do tempo de serviço como período aquisitivo necessário para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais direitos equivalentes; e não realizar concursos públicos para novas vagas no setor público. Todas essas medidas até 31 de dezembro de 2021. O projeto também estabelece a proibição do aumento de despesas com pessoal no fim dos mandatos de titulares de todos os poderes e esferas.
Essas imposições ocorrem em meio a um cenário de uma significativa redução de gastos com pessoal da União e dos entes federados, que de dez anos para cá, caíram de 4,8% do PIB para 4% atualmente. Uma queda, que evidencia o arrocho salarial e o desmonte do funcionalismo público. A título de exemplo, no Estado da Bahia, os servidores estão há seis anos sem reajuste salarial.
Danos as contas públicas para favorecer ao capital financeiro
O PLP prevê a suspensão dos pagamentos das dívidas dos estados para União e bancos públicos durante todo o ano de 2020. As parcelas suspensas serão incorporadas ao saldo devedor, a partir de 1º de janeiro de 2021, acrescidas de atualizações, juros e multas. Assim, o que pode parecer um alívio momentâneo, significará um peso ainda maior nas contas públicas, já em janeiro de 2021, imposta pela União aos próprios entes federados. Importante destacar que a maior parte dessas dívidas são oriundas do refinanciamento das questionáveis dívidas do estados no final da década de 90, através da Lei 9496/97, que estabeleceu, entre outras medidas, a privatização de bancos públicos estaduais, transferindo os ativos para os bancos privados e transformando o passivo em dívida pública que os estados pagam até hoje à União.
Essas dívidas vêm sendo questionadas pelos Estados ao longo dos anos e recentemente estados como Bahia e São Paulo conseguiram a suspensão dos pagamentos através de decisões do STF. Através desse projeto, o Governo condiciona o repasse da ajuda aos estados, a desistência dos processos de suspensão na justiça e adesão às onerosas condições impostas pelo PLP. Essas mesmas dívidas refinanciadas já foram pagas cerca de 3 vezes e mesmo assim, os estados devem em média cinco vezes o valor original da dívida refinanciada, devido as abusivas taxas de juros, atualizações e encargos.
Ao invés da suspensão onerosa a curto prazo, os governos e órgãos de controle deveriam realizar uma ampla auditoria das dívidas dos estados para verificar os abusos que a União pratica contra os estados para atender aos interesses da banca, e assim liberar essa parte do orçamento que é sequestrado, para o financiamento de políticas públicas. Já que os recursos que a União recebe das dívidas dos estados são destinados para o pagamento da questionável dívida pública da união com os seus credores, muitos deles sigilosos.
O texto aprovado ainda incluiu a chamada “Securitização de Créditos”, um esquema fraudulento que estabelece que a União, estados e municípios possam ceder parte de sua arrecadação tributária e não tributária para o pagamento de novas dívidas, por fora dos mecanismos de controle orçamentário. Um esquema que já vem sendo implementado em alguns estados e municípios, a exemplo de Belo Horizonte, onde uma CPI comprovou graves danos aos cofres públicos. Com essa medida, o Governo e o Senado prejudicam ainda mais as contas públicas, comprometendo a arrecadação, de forma definitiva, com esse processo de securitização, sob o argumento da entrada momentânea de alguns recursos. Uma verdadeira farra do capital financeiro!
Alternativas ao PLP 39/2020 que não penalizam as trabalhadoras e trabalhadores
Ao invés de adotar mecanismos que obriguem os ricos pagarem pela crise, o Governo e o Congresso preferem, como já é de costume, transferir a conta para os trabalhadores. Como alternativa a imposição do arrocho salarial e destruição das carreiras dos servidores públicos, outras medidas poderiam ser adotadas, como a taxação das grandes fortunas, que poderia arrecadar R$ 40 bilhões aos cofres públicos, a taxação dos lucros e dividendos de grandes empresas que poderias arrecadar R$ 232 bilhões e a suspensão de parte da questionável dívida pública, que só neste ano consumirá R$ 409 bilhões de reais de juros e encargos. Só com essas medidas, teríamos R$ 681 bilhões para políticas públicas de combate a pandemia e socorro aos estados e municípios. Valor cinco vezes maior do que os R$ 130 bilhões de reais previstos com a economia a ser gerada às custas do arrocho salarial e congelamento de direitos dos trabalhadores do setor público.
O texto agora segue para votação na Câmara dos Deputados. Alcolumbre anunciou logo após a votação que o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), garantiu que colocará o projeto para votação, já nesta segunda-feira (03/05). Importante lembrar que Rodrigo Maia participou do ato do Dia Dos Trabalhadores, a convite das centrais sindicais, com as exceções das centrais CSP-Conlutas e Intersindical.
É preciso uma grande mobilização por parte das centrais sindicais e movimentos populares que exija que o mesmo Presidente da Câmara, que foi convidado para o ato do dia das trabalhadoras e dos trabalhadores, bem como os parlamentares do dito campo progressista, rejeitem esse projeto que penaliza os trabalhadores do setor público, favorecendo o capital financeiro.
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