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5º Conferência de Política para as Mulheres: retomada histórica das políticas públicas para as mulheres desde o golpe contra Dilma
Publicado em: 8 de outubro de 2025
Brunna Ramos/Brasil de Fato
Entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro, mais de 4 mil mulheres se reuniram no CICB (Centro Internacional de Conferências do Brasil) em Brasília para a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres sob o lema “Mais democracia, mais igualdade e mais direitos para todas”. O processo de realização do encontro mobilizou milhares de mulheres em todo o Brasil a partir das etapas municipais, estaduais e das conferências livres, culminando em uma Conferência profundamente diversa e plural.
A 5ª Conferência Nacional aconteceu após quase 10 anos desde a última, realizada em 2016, espaço que foi, inclusive, última agenda oficial da ex-presidenta Dilma Rousseff antes do impeachment. Não é mera coincidência que, desde o golpe, nenhuma outra tenha sido convocada. Os últimos anos, sobretudo com Bolsonaro, foram marcados pelo intenso aprofundamento da agenda anti-gênero, pelo drástico desmantelamento das políticas públicas para as mulheres e por reformas neoliberais que ampliaram a exploração sobre a classe trabalhadora. Diante desse cenário, a 5º Conferência representou um momento simbólico de retomada das políticas públicas para as mulheres desde então.
A diversidade das mulheres deu o tom da Conferência
Do regimento da Conferência, até os discursos de Márcia Lopes, Ministra das Mulheres, ficou nítida a preocupação de realizar uma conferência que fosse, de fato, bastante representativa. As cotas de 50% para participação de mulheres negras e as cotas para a participação de mulheres LBT, indígenas e com deficiência representaram um acerto político.
De todos os estados brasileiros, mulheres negras, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, do campo e da cidade, mulheres jovens e idosas, mulheres com deficiência e mães atípicas, mulheres trans, travestis, lésbicas e bissexuais, imigrantes, sindicalistas, parlamentares e mulheres das mais diversas ocupações estiveram presentes. Essa pluralidade se refletiu nas falas no plenário, nos painéis de discussão e principalmente nas propostas aprovadas pelas delegadas.
Uma novidade: as conferências livres
Destacamos como bem-vinda a proposta de realizar esta alternativa de participação na Conferência Nacional. Isso garantiu que mulheres com dificuldades de participação nas conferências oficiais pudessem se auto-organizar a partir de seus territórios ou movimentos. Das cerca de 4 mil participantes, quase 1/3 se elegeu pelas conferências livres em todo país. Este instrumento possibilitou uma maior representatividade e diversidade na 5CNPM, com critérios de cotas também para essa modalidade.
Três dias intensos
No primeiro dia, Márcia Lopes, Ministra das Mulheres, abriu os trabalhos juntamente com as representantes do Conselho Nacional de Direitos da Mulher (CNDM), das Marchas das Mulheres Negras, das Margaridas, das Mulheres Indígenas, da Visibilidade Trans, Caminhada Lesbi SP e o Presidente Lula, acompanhado de Janja.
Em seu discurso, a Ministra observou que a retomada da Conferência só foi possível com a mobilização de mulheres em todo o Brasil e resgatou que, apesar das dificuldades, nesse governo foi sancionada a Lei de Política Nacional de Cuidados (Lei 15.069/2024) que reconhece o cuidado como fundamental para a sustentabilidade da vida e da sociedade. Um trabalho que, historicamente, recaiu sobre as mulheres, mas que precisa ser compreendido como responsabilidade compartilhada do Estado, compartilhada com a sociedade, as empresas e as famílias — e, dentro delas, também os homens. Também a Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023) estabelece que homens e mulheres com a mesma função, no mesmo empregador e localidade, devem receber o mesmo salário, sem distinção de gênero.
Após discursar, Lula aproveitou a cerimônia para sancionar, diante das conferencistas, o Projeto de Lei nº 386, de 2023, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e prorroga a licença-maternidade em até 120 dias após a alta hospitalar do recém-nascido e de sua mãe, a Lei no 8213, de 24 de julho de 1991, para ampliar o prazo de recebimento do salário-maternidade e o Projeto de Lei nº 853, que institui a Semana Nacional de Conscientização sobre os Cuidados com as Gestantes e as Mães.
No painel desta tarde, foi a vez das ministras Sônia Guajajara, Esther Dweck, Anielle Franco, Macaé Evaristo e Luciana Santos abordarem as políticas públicas e ações do Governo Federal para as Mulheres do Brasil, bem como os desafios a serem vencidos. Foi lembrado que a atual configuração da Esplanada dos Ministérios conta com o maior número de ministras da história do Brasil.
Elas lembraram que, entre as medidas implementadas, está o sistema de cotas para mulheres em situação de violência nas contratações públicas. Macaé Evaristo alertou para a persistência do trabalho análogo à escravidão entre trabalhadoras domésticas.
Sonia Guajajara, elencou desafios sociais como justiça climática, justiça socioambiental, o enfrentamento da violência doméstica e a redução da jornada de trabalho, com o fim da escala 6×1. Ela também destacou ações voltadas aos povos originários, como o combate à violência nos territórios.
Lembraram também um dado preocupante sobre desigualdade salarial: embora as mulheres representem 51,5% da população brasileira, ainda recebem, em média, até 20% menos que os homens no mercado de trabalho.
O segundo dia da 5CNPM foi o dia de maior participação e interação das representantes nos Paineis temáticos e Espaços de diálogos (grupos).
Destacamos o Painel Violência Política de Gênero: Desafios nas Redes e na Democracia, com as Painelistas Maria
Tereza Capra e Manuela Dávila.
Nesta atividade, foram dados vários exemplos de violência contra parlamentares, como o absurdo pedido de cassação do Mandato Estadual Paulista da Bancada Feminista, feito pelo deputado Estadual bolsonarista Lucas Bove.
Manuela discorreu sobre a importância das mulheres se colocarem na política e, ao mesmo tempo, nos protegermos de toda violência misógina que perpassa nesse tipo de atuação. Apresentou as iniciativas do Instituto que coordena, E se fosse você?, dando destaque para o Enxame, que é uma rede de mulheres parlamentares que oferece apoio, formações e ferramentas para fortalecer a atuação política e combater a violência de gênero e raça no Brasil. Também anunciou o 2º Festival Mulheres Em Luta, o MEL que se realizará em São Paulo nos dias 29, 30 e 31 de maio de 2026.
Nesse mesmo dia, à tarde, as propostas mais reivindicadas vindas do processo conferencial foram debatidas em 15 grupos simultâneos com destaque para: trabalho, emprego e autonomia econômica; políticas do cuidado; educação para igualdade e cidadania, saúde integral das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; violência contra as mulheres, violência política e das redes; participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; direito à terra com igualdade para mulheres do campo e da floresta; enfrentamento do racismo, sexismo, transfobia e lesbofobia, igualdade para mulheres jovens, idosas e com deficiência; cultura, esporte, comunicação, mídia, etc.
O exercício dos grupos foi de evitar ao máximo excluir propostas, aperfeiçoando e aglutinando-as como políticas públicas a serem desenvolvidas pelo governo. Por fim, a ministra garantiu que as outras propostas que não foram contempladas na conferência nacional farão parte das discussões do Ministério.
E nesse dia as conferencistas também foram às ruas

Centenas de mulheres marcharam na Esplanada dos Ministérios para reivindicar soberania nacional, fim da escala 6×1, isenção do Imposto de renda para quem ganha menos de R$ 5 mil reais e taxação dos ricos, a não anistia para golpistas e reforçar a demanda das mulheres contra todo tipo de violência, mais direitos, mais democracia e mais igualdade. Também foi feito um forte chamado à construção da Marcha Nacional de Mulheres Negras que acontecerá no dia 25 de novembro em Brasília.
No terceiro dia, com ampla maioria do plenário, uma série de propostas voltadas para a defesa da vida das mulheres trans foi aprovada.
Nesse mesmo sentido, coletivos organizados em torno da pauta dos direitos reprodutivos e pela legalização do aborto também foram fundamentais para a ampliação do debate acerca dessa pauta histórica do movimento feminista brasileiro. Ao final, também foram aprovadas com ampla maioria, propostas que visam garantir o direito ao aborto para mulheres e pessoas que gestam, como uma medida urgente de saúde pública e defesa da vida das mulheres, sobretudo das mulheres negras e pobres, as mais atingidas pela criminalização do aborto no país.
O conjunto de propostas aprovadas estará disponível em breve no portal do Ministério das Mulheres.
As conservadoras não conseguiram estragar a festa
Ocorreram alguns episódios de boicote ou desmoralização à Conferência Nacional. Um dos mais graves aconteceu no Estado de São Paulo onde ocorreu a única conferência estadual de forma online. Na primeira tentativa, a plenária foi suspensa com silenciamento das participantes e muita arbitrariedade. Depois de muita articulação das mulheres e interferência do Conselho Nacional e Ministério das Mulheres, finalmente foi retomada a Conferência e eleitas as delegadas. Para se conseguir o transporte também foi travada uma dura luta com a Secretaria Estadual de Mulheres que tem Valéria Bolsonaro à frente da gestão. Não bastasse isso, durante o voo de Guarulhos à Brasília, em vez do tradicional snack fornecido pela companhia aérea, as conferencistas receberam pão com mortadela, numa escrachada provocação.
Além disso, já na Conferência, mulheres de direita e extrema direita aproveitaram alguns problemas de hospedagem e, em vez de se colocarem à disposição para ajudar na solução, aproveitaram para desmoralizar a organização e plantar fake news na grande mídia.
Estas situações não tiraram a mulherada do foco que realizaram uma excelente conferência.
Motivos para sorrir
No último dia da Conferência, enquanto as mulheres se preparavam para voltar para seus estados e territórios, tivemos a notícia fantástica da votação unânime no congresso do Projeto de Lei que isenta do imposto de renda quem recebe menos de 5 mil reais. O que coroou nossa alegria, após essa união de mulheres que acontece logo após as grandes manifestações contra a PEC da bandidagem e anistia.
A Conferência de Política para as mulheres é ponto de partida para a luta
A 5CNPM demonstrou a força e o potencial de mobilização das mulheres brasileiras pela retomada das políticas públicas de combate às desigualdades de gênero. O êxito da conferência demonstra o quanto o feminismo segue sendo um setor ativo na disputa política no Brasil. E, nesse sentido, a Conferência representa não um ponto de chegada, mas de partida na batalha pela implementação das propostas debatidas e aprovadas. Voltar aos nossos municípios e estados, organizar ainda mais mulheres e pressionar os governos por nossas demandas é fundamental! E, com isso, não podemos baixar a guarda na luta contra a extrema-direita. Enfrentar esse setor nas ruas e nas eleições segue sendo a principal tarefa de nossos tempos. Vamos enfrentar eleições no próximo ano e nos cabe também, enquanto feministas e de esquerda, a batalha para eleger grandes bancadas do nosso campo e garantir a reeleição de Lula. Bora mudar o medo de lado e semear esperança!
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