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Miró da Muribeca — Alegrismo, Negritude e o Recife que Habita o Poeta


Publicado em: 11 de agosto de 2025

Cultura

Sérgio Gaspar, de Recife (PE)

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Sérgio Gaspar/Simpere

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6 de agosto de 2025 — data em que Miró da Muribeca completaria 65 anos — é mais que um aniversário: é o Dia Municipal do Alegrismo, instituído para celebrar a força criativa, negra e periférica que moldou a poesia urbana do Recife. Nascido João Flávio Cordeiro da Silva, Miró transformou o cotidiano em verso, fez da rua um palco e do corpo um instrumento de denúncia e afeto.

Sua negritude atravessava a palavra. Ela estava no ritmo do maracatu, na cadência da fala, na denúncia da violência e na celebração das resistências. Era poesia feita de carne e calçada, que não se acomodava nas páginas: precisava da voz, do gesto, do encontro.

O Alegrismo que hoje leva seu nome é mais que um tributo. É um manifesto. A programação que se espalha pela cidade com rodas poéticas, oficinas, música, cinema e maracatu é a continuidade de sua obra — afirmando a cultura negra como espaço de criação, memória e transformação.

E como prova dessa presença viva, os seus poemas ainda ecoam na cidade como Carnaval, onde o sagrado, o profano e a liberdade se encontram no compasso do Recife e Linha de risco que fala do cotidiano que se equilibra na beira afiada entre viver e sobreviver no Recife.

Carnaval
Deus largado pelas ruas de Recife
não sabe se dança frevo
ou vai atrás do maracatu

será que Deus também tem dúvidas?

nas ruas
igrejas e povo
Deus deixa beijar
usar a roupa que quiser

são quatro dias
que Deus não tá nem aí

aí, na quarta-feira de cinza
Deus de ressaca
perdoa quase todo mundo.

Linha de risco
Recife
É o sol saindo
E a bandeira 2 anunciando seus mortos,
Foi 1 tiro lá na Linha do Tiro,
3 facadas na Bomba do Hemetério
Eu passando manteiga no pão
E pensando, quem será o próximo?
Mataram a pedradas lá pras bandas do
Coque
Encontrado enforcado nas matas de
Apipucos
Estupraram mais uma mulher em Casa Amarela,
Sangra a periferia bem de manhãzinha
O café esfria de tanta dor
E o pior, é que não adianta chorar o leite
derramado.

Miró vive nas esquinas, nos becos e nos versos que atravessam a cidade. E no Dia do Alegrismo, Recife não apenas lembra — ela revive o poeta. Viva a Miró!


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