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O Estado judeu está construindo um gueto
Publicado em: 12 de julho de 2025
Reprodução Eye On Palestine
Se Mordechai Anielewicz estivesse vivo hoje, ele teria morrido. O líder da Organização de Combate Judaica durante a Revolta do Gueto de Varsóvia1 teria morrido de vergonha e desgraça ao ouvir os planos do ministro da Defesa – com o total apoio do primeiro-ministro – de erguer uma “cidade humanitária” no sul da Faixa de Gaza. Anielewicz nunca teria acreditado que alguém ousaria conceber um plano tão diabólico 80 anos após o Holocausto.
Ao ouvir que este plano foi imaginado pelo governo do estado judaico, estabelecido sobre os sacrifícios de seu gueto, ele teria ficado arrasado. Depois que ficasse claro para ele que Israel Katz, o homem que apresentou essa ideia, era filho dos sobreviventes do Holocausto Meir Katz e Malcha (Nira) nascida Deutsch, da região de Maramures, na Romênia, que perderam a maior parte de sua família nos campos de extermínio, ele nunca teria acreditado. O que eles teriam a dizer a seu filho?
Quando Anielewicz tomasse conhecimento da apatia e da inação que o plano provocou em Israel e, até certo ponto, no mundo, inclusive na Europa, até mesmo na Alemanha, ele teria morrido uma segunda vez, desta vez de coração partido.
O Estado judaico está erguendo um gueto. Que frase horrível. Já é ruim o suficiente que o plano tenha sido apresentado como se pudesse ser legítimo de alguma forma – quem é a favor de um campo de concentração e quem é contra? – mas a partir daí o caminho pode ser encurtado para uma ideia ainda mais horrível: alguém pode sugerir um campo de extermínio para aqueles que não passarem pelo processo de triagem na entrada do gueto. Israel está matando os moradores de Gaza em massa de qualquer maneira, então por que não agilizar o processo e poupar a vida de nossos preciosos soldados? Alguém também pode sugerir um crematório compacto nas ruínas de Khan Yunis, no qual a entrada, como no gueto próximo em Rafah, será puramente voluntária. Claro, voluntário, como na “cidade humanitária”. Apenas deixar os dois campos não será mais voluntário. Foi isso que o ministro propôs.
A natureza dos genocídios é que eles não nascem da noite para o dia. Não se acorda uma manhã e vai da democracia para Auschwitz, da administração civil para a Gestapo. O processo é gradual. Após a fase de desumanização – pela qual os judeus da Alemanha e os palestinos de Gaza e da Cisjordânia passaram cada um em seu próprio tempo – eles passam para a demonização, como ambas as nações também experimentaram. Então vem a fase do medo – não há inocentes na Faixa de Gaza, 7 de outubro como uma ameaça existencial a Israel que pode ocorrer novamente a qualquer momento [Nota da tradução brasileira: duas frases empregadas pelos líderes do regime sionista em relação aos palestinos]. Depois disso, vêm os apelos para evacuar a população antes que alguém levante a ideia de extermínio.
Estamos agora nessa última fase, a última fase antes do genocídio. A Alemanha transferiu seus judeus para o leste; o genocídio armênio também começou com a deportação, que na época era chamada de “evacuação”. Hoje, estamos falando de uma evacuação para o sul de Gaza.
Durante anos, evitei fazer comparações com o Holocausto. Qualquer comparação desse tipo corria o risco de perder a verdade e prejudicar a causa da justiça. Israel nunca foi um estado nazista e, tendo estabelecido esse fato, seguiu-se que, se não era um estado nazista, deveria ser moral. Você não precisa do Holocausto para ficar chocado. Você pode ficar chocado com muito menos, por exemplo, com o comportamento de Israel na Faixa de Gaza.
Mas nada nos preparou para a ideia da “cidade humanitária”. Israel não tem mais o direito moral de usar a palavra “humanitário”. Quem transformou a Faixa de Gaza no que ela é – um cemitério em massa e um deserto de ruínas – e a trata com equanimidade perdeu toda a conexão com a humanidade. Quem vê apenas o sofrimento dos reféns israelenses na Faixa de Gaza e não consegue ver que a cada seis horas as Forças de Defesa de Israel matam tantos palestinos quanto reféns vivos, perdeu toda a sua humanidade.
Se 21 meses vendo a morte de bebês, mulheres, crianças, jornalistas, médicos e outros inocentes não bastassem, o plano do gueto deveria acender todas as luzes de alerta. Israel está se comportando como se estivesse planejando genocídio e expulsão. E, se não está pensando em fazê-lo agora, colocou-se em sério risco de cair rápida e inconscientemente para cometer um crime ou outro. Pergunte a Anielewicz.
Nota
1 Em 1943, os judeus remanescentes no Gueto de Varsóvia se levantaram contra os nazistas. Mesmo esmagados, sua gesta heroica foi o primeiro combate aberto contra as tropas nazistas na Europa, antes que os partizans, especialmente na Itália, na França e em países da Europa Oriental, em muito maior número, seguissem seu exemplo.
Original aqui
Tradução de Waldo Mermelstein, do Esquerda Online
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