colunistas

Trump ataca o Brasil


Publicado em: 10 de julho de 2025

Colunistas

Valério Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Colunistas

Valério Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Compartilhe:

Alan Santos / PR

Ouça agora a Notícia:

1 A carta de Trump em que anuncia uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras para os EUA é o ataque imperialista mais grave contra o Brasil, desde a cumplicidade norte-americana com o golpe militar de 1964. O Brasil passa a ser o país com as tarifas mais altas entre todas as nações do mundo. O que significa fechar o mercado norte-americano para as exportações brasileiras. Esta é a dimensão da agressão. Não tem precedentes desde o fim da ditadura militar. Nem Nixon, nem Reagan, Bush, Clinton, Obama, Biden, ou qualquer outro presidente dos EUA, nenhum deles fez nada parecido. Quem subestimar a violência do ataque perdeu o juízo. Alguns podem interpretar como sendo somente uma declaração de “guerra econômica”. Mas não é. Não se trata de busca de nivelação da balança comercial. Aliás, ela é desfavorável para o Brasil. Este pretexto é uma dissimulação grotesca. A avaliação da ofensiva só pode ser explicada, se compreendermos qual é o seu alvo. Que fim persegue? Ela responde a uma estratégia, eminentemente, política. Trump quer desestabilizar o governo Lula. Mas trata-se de um ataque contra a nação.

2 Washington não pode aceitar, indefinidamente, a ambiguidade ou ambivalência da política externa brasileira. O Brasil condenou a invasão da Rússia contra a Ucrânia, mas não se alinhou com Zelensky. Lula exigiu a apresentação das atas eleitorais do processo que culminou com a reeleição de Maduro na Venezuela, mas não denunciou o regime como uma ditadura. Lula condenou a ação militar do Hamas, mas criticou o contra-ataque de Israel como um genocídio. Mas Trump não consegue manter “neutralidade” diante da disputa de poder que se anuncia com a possibilidade da reeleição de Lula. Lideranças do governo Trump, como o vice-presidente, já tinham manifestado apoio a candidaturas da extrema-direita, como a AFD na Alemanha.

3 O objetivo político do documento é claro quando inicia o primeiro parágrafo defendendo Bolsonaro. Não se trata, portanto, de um conflito econômico-comercial. Reduzir a investida à defesa de interesses econômicos das Big Techs ameaçadas de regulação pelo STF, tampouco, faz sentido. A importância econômica das Big Techs é, evidentemente, gigante. São hoje as maiores empresas capitalistas do mundo. As mídias norte-americanas são armas estratégicas na luta política- ideológica. São a “força aérea” da disputa de Washington pela defesa de sua supremacia no sistema internacional. A questão central é o lugar do Brasil no mundo.

4 A centelha para a insolência de Trump parece ter sido a necessidade de resposta à recente reunião dos Brics no Rio de Janeiro, à defesa feita por Dilma Rousseff da necessidade de desdolarização, à presença de Lula em Moscou, quando dos oitenta anos da derrota do nazifascismo, e as críticas ao genocídio sionista na Faixa de Gaza. Mas o gatilho deve ter sido a fala de Lula contra o “imperador”. Trata-se de abuso de poder da maior potência imperialista. Mas o alinhamento de Trump com Bolsonaro não é lateral na carta. Mudou de qualidade, e é uma sinalização da Casa Branca de que não aceita que o capitão seja preso. Anuncia, preventivamente, que a provável condenação dos bolsonaristas, e eventual prisão será denunciada como perseguição política. Trump abraça Bolsonaro diante do mundo.

5 No terreno da tática, ou na escala dos tempos mais breves da luta política, a carta de Trump é uma forma de pressão sobre o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal. Mas é também um posicionamento mais claro diante do governo Lula. Não é irrelevante que desde a posse de Trump, os EUA não têm um embaixador em Brasília. Não é, também, desimportante que Trump tenha se pronunciado, desaforadamente, no calor do dia da posse, dizendo que o Brasil precisa mais dos EUA que o contrário. Na dimensão estratégica a carta de Trump é um primeiro movimento no curso de hostilidades que vão escalar. A resposta do governo foi indicar a disposição de aplicar o princípio da reciprocidade, apresentada em um post de Lula na internet. Não é o bastante. A gravidade máxima do episódio exige que Lula faça um pronunciamento público em rede de TV aberta e rádio. Não se trata somente de defesa da nação com altivez. O que está em disputa é a conscientização do povo de que o mundo ficou mais perigoso. Cláudia Sheinbaum, por muito menos, conclamou à mobilização de massas no Zocalo, a praça central da cidade do Mexico. A governabilidade “a frio” pela via de sucessivas conciliações e recuos já tinha colapsado diante dos conflitos internos. Agora é a ambiguidade da política externa que está ruindo. Ainda há tempo, mas não muito, de inverter o curso.


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição