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A Frente Ampla de 2022 nos condenou a um governo a frio?
Publicado em: 9 de julho de 2025
Foto: Ricardo Stuckert
“Cuidado, meu corpo e minha alma, cuidado sobretudo em cruzar os braços e assumir a atitude estéril do espectador, porque a vida não é um espetáculo, um mar de dores não é um proscênio, e um homem que chora não é um urso dançarino.” ― Aimé Césaire, Caderno de um Retorno à Terra
Hoje existem duas posições diametralmente opostas dentro da esquerda brasileira que derivam de uma premissa errada: “a composição da frente que venceu as eleições contra Bolsonaro em 2022 é o que determina de forma inexorável toda a atuação política do governo.”
Para uma parte significativa da esquerda brasileira, a Frente Ampla vitoriosa de 2022 é um horizonte estratégico, o governo precisa se pautar por ela, ser dirigido por ela, portanto, não deve em hipótese alguma entrar em choque com os setores que a compuseram, para que uma nova edição de vitória eleitoral ocorra em 2026. Para esta visão a frente ampla contém, por si mesma, a única chance de derrotar o fascismo.
Para outra parte, minoritária, porém barulhenta, a Frente Ampla é o pecado original do governo Lula, portanto a razão de sua derrota inevitável, o que justificaria seu posicionamento de oposição à Lula. UP, PCBR, PSTU e até setores importantes do Psol como o MES sequer defenderam apoiar Lula em 2022. O resultado eleitoral provou que a frente ampla foi condição sine qua non para a vitória eleitoral contra o fasicsmo. Portanto, remover Bolsonaro do poder executivo há dois anos atrás e impedir o retorno da extrema direita ao poder em 2026, é problema secundário na luta para a derrota definitiva do neofascismo no Brasil.
Mas afinal, qual ponto comum entre visões tão distintas e de fato contrapostas? As duas visões em maior ou menor medida diminuem o papel da ação política no desenlace da realidade. Somos materialistas, mas não somente isso, também somos dialéticos, se é verdade que atuamos sob condições que não estão determinadas por nós também é verdade que os seres humanos incidem sobre a realidade por meio de suas escolhas. Não somos vítimas da história, somos agentes dela.
Isso é ainda mais verdade quando se trata de avaliar o balanço político de um governo ou de uma liderança política. Porque as lideranças não são só produto da opinião pública, elas também moldam a opinião pública também são capazes de incidir sobre a relação de forças.
A estratégia do governo não deriva da existência de Frente Ampla em 2022, mas sim da decisão política de governar à frio, da aposta permanente da fórmula da conciliação, que se é verdade que funcionou entre 2003 e 2015, também é verdade que fracassou tragicamente diante do golpe de 2016. A fórmula do fracasso é ideia de um governo que aplica uma política híbrida, que busca conciliar o tripé econômico neoliberal (como no caso do arcabouço), com elementos de progressismo social democrata (como as políticas sociais); um governo que renuncia à luta ideológica, e se concentra numa improvável estabilização econômica.
A última semana foi excepcional e revelou com dramaticidade que as duas visões estão erradas. Quando o governo entrou na disputa de ideias defendendo a taxação dos super ricos a popularidade de Lula cresceu, a esquerda ganhou a disputa nas redes pela primeira vez, o impacto positivo foi sentido de imediato. É inegável: há espaço para a ação política!
Independente das eventuais diferenças gramaticais, uma frente ampla ainda é necessária, por exemplo, quando estamos juntos a Alexandre de Morais e a maioria do STF na defesa da punição dos golpistas e de Bolsonaro. A Frente Ampla, tudo indica, será necessária para a vitória eleitoral de Lula em 2026. Toda a questão, portanto, é como atuar sob sua contradição intrínseca. Usar taticamente a frente ampla; mas tensioná-la ao seu limite, subvertê-la, desenvolver a contradição a favor da classe trabalhadora e do povo pobre; sem rendição. A negação absoluta da frente ampla e a submissão completa à mesma, são dois caminhos supostamente opostos que levam ao mesmo resultado estéril: a renúncia da luta política no terreno onde ela de fato está se realizando.
O desenlace dos próximos meses está em aberto, a esquerda ainda pode vencer, a política e o timing importam. Está evidente que há setores em disputa, que podem ser a base de apoio de Tarcísio como o candidato de uma “frente ampla de direita” ou não. Para vencer esta disputa as armas não podem ser a entrega de cargos e a conciliação palaciana. O ativo político, até mesmo para intimidar e pressionar o Presidente do Congresso na sua tentativa de impedir Lula de governar é a mobilização social, a disputa ideológica e a defesa de uma agenda que tensione a maioria do povo pobre e trabalhador na defesa dos seus interesses, é a radicalização do “nós contra eles”.
O que pode impedir a “frente ampla de direita” de se concretizar é a afirmação da força social e política da esquerda agora, nesse momento. Por isso, a esquerda tem que intensificar a sua ação política, ampliar a coesão de nossa base social, disputar ideias e medidas concretas como foi feito com a taxação dos super ricos e com a luta pelo fim da escala 6×1, para voltar a ter o protagonismo da iniciativa política no país.
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