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A guerra, o mundo em crise e o Brasil


Publicado em: 4 de julho de 2025

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Coluna Gabriel Santos

Gabriel Santos

Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi

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Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi

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O mundo passa por mudanças, algumas visíveis aos olhos, outras já desenhadas no horizonte, e existem aquelas que seu desenlace pela linha de tear da história ainda é incerto.

Hoje, o sistema internacional passa por terremotos, vemos um mundo onde o elemento central é a perda da hegemonia estadunidense, decadência do imperialismo de Tríade e ascensão da China.

Estamos diante de algo inédito. Pela primeira vez, desde que o mundo moderno se ergueu a partir da expansão européia pelo globo, vemos a possibilidade de uma Nação do Sul Global assumir o posto de principal potência econômica e política do sistema mundo. A civilização ocidental, o colonialismo que a ergue e sustenta o modo de produção capitalista, os Estados nacionais e as burguesias centrais erguidos e enriquecidos com base em uma hierarquia racial e na espoliação, roubo, saque e destruição de países do terceiro mundo, se vêem desafiados pela experiência chinesa.

Para onde caminha o Imperialismo

O imperialismo estadunidense ao longo do século XX modificou e recriou as ordens e instituições internacionais para manter e ampliar seu posto como potência hegemônica. Os Estados Unidos lideraram o bloco imperialista no confronto com os soviéticos, ao mesmo tempo que garantiram durante a globalização que as demais potências imperialistas ocupassem o posto de subordinados aos interesses estadunidenses, criando uma ordem mundial unipolar.

Desde a segunda guerra, a existência da URSS e de um bloco socialista, as lutas de libertação nacional, somada às políticas dos Estados Unidos geraram uma situação onde as contradições interimperialistas passaram a ser secundárias. Hoje, com o mundo em crise e as movimentações de Donald Trump, elas podem voltar a aflorar.

A estratégia de Trump para resgatar os EUA de sua decadência tenciona novas contradições dentro da própria Tríade. Na crise, há espaços cada vez menores para os Estados Unidos cederem parcelas de influência para seus sócios menores na partilha do mundo. Na visão de Trump, a Europa perde cada vez relevância estratégica. A burguesia estadunidense vai atrás de novas fronteiras, novos mercados, e novas colônias, disputando de forma aberta contra quem for, inclusive contra seus aliados.

O destino resguarda uma subordinação completa dos interesses das demais potências aos planos e vontades de Washington, ou que os países europeus consigam elaborar estratégias próprias para defender seus interesses próprios.

A aliança anglo-saxónica que organiza o século XX parece ficar para trás, as tentativas de aproximação de Trump com a Rússia são mais um elemento disso. Os instrumentos internacionais erguidos por ela, como União Europeia, Otan, G7, ONU, FMI, têm cada vez menos relevância.

O que se arrisca é os países europeus aprofundando sua subordinação aos EUA, que seguirá com uma estratégia de redesenhar a ordem mundial e suas instituições através da força, ganhando tempo e tentando reverter sua decadência, enquanto se prepara para um confronto estratégico com a força que disputa seu hegemon, a China. Washington, será portanto, a barreira do Ocidente para manter seu controle histórico sobre os povos planetas, e fará de tudo para impedir que o Sul Global consiga avançar. Utilizando cada vez mais as armas como meio de diplomacia.

Um projeto para o Terceiro Mundo

O Sul Global, outrora chamado de Terceiro Mundo, é mais do que uma comunidade imaginária. É, acima de tudo, um conceito político para a luta de classes e uma forma de enxergar o sistema mundo.

É uma definição a partir de um passado e de um presente comum para aqueles países subalternos na divisão internacional do trabalho. Países da América Latina, África, Ásia e Oceania, que foram oprimidos, marginalizados, colonizados, ao longo da história da Modernidade e construção do sistema mundo como conhecemos hoje.

Esses países embora com formações econômico-sociais diferentes entre si, com histórias distintas, ocupando postos diversos dentro da hierarquia capitalista, têm em comum uma história. Uma história de luta pela libertação nacional contra o colonialismo e neocolonialismo.

Podemos afirmar que o que coloca um país como sendo parte desta definição sociopolítica é sua exclusão do centro da dinâmica de poder histórico do colonialismo e do capitalismo. Os países imperialistas, os seus aliados e associados, e as antigas potências coloniais, são membros do Norte Global, do Ocidente. Os demais, aqueles excluídos desse pacto civilizatório, aqueles que são vistos como párias e hierarquicamente inferiores, ocupando uma posição subalterna na divisão internacional do trabalho, e tendo um passado onde foi vítima deste mesmo Ocidente, são parte do Sul Global.

Diferentemente dos países imperialistas e do Ocidente, os países do Sul Global não apresentam na atualidade um projeto de desenvolvimento comum. Se no passado a bandeira vermelha do comunismo e os ecos de Bandung foram uma experiência comum para esses países em suas lutas por libertação nacional ou desenvolvimento, hoje é difícil vermos alianças programáticas e estratégicas coletivas ou universais. A ausência da atuação desses países como um bloco unificado é uma dificuldade nos tempos atuais, e um alívio para o Ocidente.

Diferentes entre si, esses países têm governos com ideologias distintas, além de disputas seja por questões econômicas, ou territoriais. Dessa forma, apostar na construção de espaços de convergência econômica e social para um número cada vez maior entre os países do Sul Global, onde as diferenças possam ser suprimidas em nome de projetos estratégicos em comum, parece ser algo onde se deve apostar e dedicar esforços.

A construção de instituições multilaterais e de modelos de desenvolvimento que passe por fora da relação com as potências imperialistas e com o Ocidente estão surgindo e devemos olhar com atenção, felicidade e buscar desenvolvê-las.

Dois exemplos são a Nova Rota da Seda, que compõe 64% da população do planeta, e mais de 50% do PIB mundial. O outro é BRICS+, com a a expansão desse bloco para outros países totalizando 45% da população mundial e 35% do PIB, que comparado ao G7 tem 10% da população mundial e 30% do PIB.

No momento histórico de decadência do Ocidente e de crise da ordem internacional se abrem possibilidades para a construção de projetos de desenvolvimento nacional autônomo. É um papel das forças de esquerda apostar nessas iniciativas e buscar desenvolvê-las, tentando a criação de uma convergência maior entre os países do Sul Global.

O Brasil diante de seu futuro

Aqui, em nosso país, se faz necessário tirar lições do que doi a guerra dos doze dias entre Israel e Irã, e o mundo novo que ela escancara.

As discussões internacionais baseada em regras terminou. Não adianta portanto seguir rezando para um deus que está morto. Isso significa que o Brasil precisa rever sua posição presente nos fóruns e na diplomacia internacional. Por mais que uma voz em defesa da paz, do direito internacional, e que denuncie os gastos militares seja necessária, ela sera cada vez mais insuficientes e parte de uma situação internacional que ficou no passado. Será uma bela canção para um teatro vazio.

No cenário internacional, a diplomacia brasileira sempre buscou se colocar como neutra. Hoje temos como estratégia não se alinhar diretamente com nenhum bloco em disputa, mas apostar na multipolaridade e tentar ampliar a relação com a Europa acreditando que ela poderá ser um terceiro pólo no mundo multipolar. Por mais que a defesa de um mundo multipolar seja importante, ela se torna vazia, se não acompanhada de movimentações estratégicas e construção de mecanismos internacionais para construir esse novo mundo.

Acreditamos que o papel de nosso país como um mediador de conflitos e neutro está sendo superado pela necessidade histórica. Aqueles que ainda tentam repetir esta mesma fórmula apenas batem com a mão na ponta da faca. Cabe ao campo da esquerda brasileira desenvolver um projeto que aproveite o novo momento histórico para definir os rumos do país e uma nova rede de aliados, ou deixar passar a chance, colocando para a extrema direita definir a nova forma e o novo lugar do Brasil nas relações internacionais.

Precisamos definir o tipo de país que queremos ser. Se aceitaremos ser uma Nação desigual, subdesenvolvida, sustentado pela venda de commodities, ocupando o posto de uma fazenda no mundo. Ou se tentaremos com a janela aberta pela crise construir uma Nação independente politicamente e soberana economicamente.

Enquanto os principais países do planeta demonstram a centralidade do papel do Estado e da questão nacional. Seja pelo desenvolvimento do aparato militar, pelo papel deste como um polo de desenvolvimento da ciência, pelo papel do Estado como impulsionador e polo dinâmico da economia, entre outros temas. Em nosso país vemos discussões sobre Estado mínimo e um congresso que busca a todo custo fazer os gastos públicos caber no orçamento.

Estamos hoje indefesos para o período de mudanças que o mundo enfrenta, e desafios que temos pela frente. Não acho correto dizer que o Brasil passa à margem dos grandes debates, pelo contrário. O projeto que a extrema direita, parte de nossa burguesia e nossa imprensa tem para o país é justamente a submissão cada vez maior ao Ocidente e ao imperialismo em decadência, não em troca de um desenvolvimento social, mas para que possam fazer parte de uma suposta sociedade ocidental eurocêntrica.

A extrema direita e o Congresso Nacional apequenam o Brasil e nossas possibilidades como Nação. Tentam sequestrar o Estado e fazer do país um reflexo do tamanho deles próprios.

A nós cabe desenvolver e atualizar um projeto de desenvolvimento nacional para o tempo de guerras e transformação que vivemos.

Nesse momento histórico o Sul Global deve ser nossa bússola. Construir um Brasil do tamanho do povo brasileiro, essa deve ser nossa meta.


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