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Na Colômbia, se governa a quente
Publicado em: 30 de junho de 2025
Em um curto período, o governo colombiano de Gustavo Petro enfrentou uma série de eventos que pareciam destinados a encurralar e enfraquecer seu mandato. No final de maio, o Senado rejeitou a proposta governamental de convocar um plebiscito para aprovar a nova reforma trabalhista. No primeiro fim de semana de junho, o senador e candidato presidencial Miguel Uribe Turbay foi baleado durante um ato político e permanece em estado grave. Dias depois, três pessoas morreram e quinze ficaram feridas em atentados nos estados de Cauca e Valle del Cauca, provavelmente perpetrados por grupos guerrilheiros que não aceitam os diálogos de Paz.
O tom dos ataques ao governo foi dado pelo Secretário de Estado estadunidense, Marco Rubio, que declarou que o atentado contra o senador era “resultado da violenta retórica esquerdista proveniente dos níveis mais altos do governo colombiano”. O episódio, inevitavelmente, revive a memória da violência política que o país sofreu nas últimas décadas. A mãe do senador Uribe Turbay, Diana Turbay, foi sequestrada por ordem de Pablo Escobar e morta três meses depois, em 1991, durante a tentativa de seu resgate.
A resposta do governo ao atentado foi investigar. “A tradição política colombiana, mesmo em casos de grande comoção nacional, era não investigar, não aprofundar, não se chegar aos culpados”, explica o deputado Jorge Bastidas, do Pacto Histórico. “As classes dominantes sempre contaram com essa impunidade e agora estão perplexas com um governo que vai até o fim para encontrar os culpados”. Quatro pessoas, incluindo um adolescente de 15 anos apontado como o atirador, estão presas. Uma das linhas de investigação considera que o crime tinha exatamente a intenção de desestabilizar o governo, e há indícios da ação do narcotráfico no comando do atentado.
Ao contrário do Secretário de Defesa estadunidense e da família do senador, que acusam o presidente colombiano de incitar o ódio, a posição de Gustavo Petro foi não estimular manifestações de ódio ou polarização por seus partidários. Em um ato político em Cauca, na mesma região onde ocorreram os atentados guerrilheiros, Petro silenciou manifestações contra o senador e pediu unidade e paz, além de desejar a recuperação do adversário. No mesmo ato, justamente na região atacada por grupos guerrilheiros, Petro também anunciou que a decisão do Senado de não aceitar a Consulta Popular sobre a reforma trabalhista era inconstitucional e que, portanto, o governo a convocaria por decreto. Em maio, o presidente já havia proposto uma greve geral caso o parlamento rejeitasse a reforma.
“A oposição a Petro no Congresso é forte, representando o capital concentrado e uma burguesia latifundiária ligada ao paramilitarismo e narcotráfico, que ainda detém muito poder”, explica Laura Capote, da ALBA Movimentos. “Essa oposição tem sabotado constantemente as propostas do governo”. A decisão de anunciar em um ato político, nas ruas, e não recuar na proposta da reforma, surtiu efeito. O Senado recuou e aprovou a proposta de reforma trabalhista que já havia sido aprovada pelo governo anteriormente na Câmara.
Entre as medidas aprovadas, a Reforma aumentou o adicional pago aos domingos e feriados, de forma gradual, mas que em dois anos, será o dobro da remuneração de um dia comum. Também serão eliminados os contratos de trabalho por hora, reconhecidos os direitos das trabalhadoras domésticas, fixando sua jornada de trabalho em oito horas diárias, e incluídas medidas como a proteção às trabalhadoras rurais. Outra novidade é a criação do termo “trabalhador digital” para definir entregadores e motoristas de aplicativos. A reforma contempla dois tipos de vínculos: como trabalhadores dependentes sob as regras tradicionais ou como autônomos com contribuições compartilhadas à seguridade social. No caso dos autônomos, as plataformas arcarão com 60% das contribuições para saúde e aposentadoria, e com 100% da contribuição para riscos trabalhistas, enquanto os entregadores cobrirão os 40% restantes. A Reforma cria ainda a possibilidade de os trabalhadores solicitarem revisão humana de decisões automatizadas e maior transparência na comunicação entre plataformas e entregadores. As plataformas devem ainda estar registradas no Ministério do Trabalho e informar trimestralmente o número de trabalhadores ativos.
Vitorioso, Petro manteve a “temperatura alta”, prometendo incluir uma consulta nas próximas eleições sobre a convocação de uma assembleia constituinte. O modo de governar “a quente” é herança da própria trajetória pessoal de Petro, “um líder histórico da esquerda colombiana, com grande carinho e apoio de vastas massas da população”, explica Laura Capote. E, ao mesmo tempo, do contexto que levou à primeira eleição de um governo de esquerda na Colômbia, que “não pode ser compreendida sem a longa luta pela solução política do conflito, sintetizada nos diálogos de Havana, e a enorme mobilização social que abriu a conversação pública sobre os problemas da Colômbia além das guerrilhas, como as desigualdades evidenciadas na pandemia”, sintetiza, “A vitória de Petro e o apoio ao seu governo se devem a esses dois momentos de participação política e discussão pública”.
Contudo, os atentados em Cauca também revelam uma das fragilidades do governo. “A política de paz de Petro, chamada de ‘paz total’, que buscava negociar com todos os atores armados, fracassou, devido a uma visão equivocada e urbana da guerra, sem considerar a voz das comunidades”, afirma Capote. Além da ação dos grupos armados que, na prática, questionam a capacidade do governo em lidar com o tema, “a mudança na pasta da defesa, com a nomeação de um militar como ministro, aponta para um retorno a um discurso mais belicista”, conclui.
Outro desafio do governo é construir um modelo econômico capaz de garantir crescimento econômico, combater a desigualdade, mas respeitando a questão ambiental. “A primeira onda progressista da América Latina era muito baseada no extrativismo e no petróleo”, reflete Andrés Camacho, ex-ministro da Energia. “Nós temos que construir um modelo que respeite estes bens comuns da natureza, mas que garanta que as pessoas tenham o que comer no fim do mês”. Camacho associa o tema ambiental diretamente à necessidade de construir um modelo energético diferenciado: “não há reforma agrária ou crescimento da economia, sem energia”, explica, “mas se não pensarmos em como equalizar a demanda por infraestrutura com uma integração energética, caímos no neocolonialismo”.
A pouco mais de um ano para as próximas eleições presidenciais e com a Constituição proibindo a reeleição, o cenário eleitoral e político está aberto. A manutenção da esquerda no poder passa tanto por fortalecer os processos e forças populares que levaram Petro ao poder, quanto garantir a estabilidade do governo, enfrentando as forças históricas conservadoras. Até aqui, a opção colombiana é fazer isso “a quente”.
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