colunistas
O bolsonarismo não está na UTI
Publicado em: 29 de abril de 2025
Brasil
Coluna Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Brasil
Coluna Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Foto: Fernado Frazão/Agência Brasil
Quanto mais te agachas, mais te põem o pé em cima.
Quanto mais cedência, mais exigência.
Provérbios populares portugueses
1 Anistia ou Sem Anistia? A negociação de um projeto de lei de compromisso entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal para diminuir as penas dos golpistas de 8 de janeiro é uma concessão que responde às pressões da extrema-direita pela Anistia. O clamor por Sem Anistia não foi ouvido pelos parlamentares. Atrás destas bandeiras estão dois ‘blocos’ sociais e políticas em choque, mas não são equivalentes. A triste, mas indisfarçável, realidade é que a esquerda não articulou a campanha pelo Sem anistia que era necessária. Ainda que no “chão” da sociedade se ouviu mais alto o grito pelo Sem Anistia, das salas de cinema aos grandes estádios repletos pelos shows de Caetano, Bethânia e Gilberto Gil às ruas no dia 30 de março, nas redes sociais até a superestrutura das instituições – dos governadores do triângulo AP. RJ, MG mais Paraná e Goiás até à Câmara de Deputados – o que prevaleceu foi a campanha pela Anistia, manipulando a condenação da “cabeleireira do batom”. Poderia ter sido diferente? Talvez, sim. A esquerda mais combativa tentou, no limite de suas forças, mas não era o bastante. Existiu uma oportunidade de tentar alterar a relação política de forças, e se perdeu. Os dois sujeitos políticos “ausentes”, o governo Lula e as Forças Armadas não são, evidentemente, inocentes. O Exército sinalizou que iria somente até um limite muito claro: aceitou Braga Netto em prisão especial. Já o silêncio cúmplice do governo Lula com esta manobra é grotesco: a aprovação de um projeto de lei que terá efeito retroativo é uma solução de compromisso que mantém o neofascismo, senão intacto, vivo e forte. Bolsonaro está, por enquanto, na UTI, mas o bolsonarismo não.
2 Qual será o destino de Bolsonaro e dos oficiais-generais golpistas? O conflito político da conjuntura que contém máxima tensão é o julgamento da extrema-direita. O “núcleo duro” centrão sofre, desde o início do ano, fortíssima pressão dos parlamentares bolsonaristas. Não deveria surpreender ninguém que tenham conseguido as assinaturas necessárias para a proposta de anistia. Hugo Motta sabe que, se fosse a voto na Câmara de Deputados, o desenlace poderia ser aprovação, desafiando, frontalmente, o STF. Na sequência, abre-se uma crise política institucional que obrigaria David Alcolumbre a mobilizar uma maioria forte para derrotá-lo no Senado. Os bolsonaristas adorariam este desfecho. A extrema-direita é consciente que algum tipo de condenação dos líderes neofascistas é incontornável, mas buscam alguma redução de danos agitando a bandeira da dosimetria, ou seja, penas mais leves. A tática do governo Lula, que evita a qualquer custo um desgaste com as Forças Armadas tem sido a terceirização para o STF, deixando nas mãos de Alexandre de Moraes toda a responsabilidade. A questão de fundo é saber se haverá ou não, mais uma vez, impunidade e em que grau.
3 O centrão vai decidir quem vai vencer em 2026? O governo Lula não quer confronto, porque trabalha para preservar a ampla aliança com o centrão alimentando a ilusão de que, desde um primeiro turno de 2026, poderá atrair, senão uma maioria, pelo menos uma parcela significativa dos partidos burgueses. Não vai ser possível. A fração liberal da classe dominante mantém um pé no governo Lula e outro na oposição fazendo denúncias e exigências. Esta ambiguidade não é confusão, hesitação, ou incerteza, mas cálculo. Sua estratégia em relação ao bolsonarismo e as eleições de 2026 se revela na relação com Tarcísio de Freitas. Em São Paulo não tem ambivalência nenhuma. Os grandes capitalistas apoiam a grande coalizão da direita liderada por Kassab, unindo o PSD/Progressistas/União Liberal/MDB com Tarcísio. Ninguém ignora que seja um governador de extrema-direita, aliás, ele não tergiversa: mantém na secretaria de segurança o carrasco Derrite, mesmo depois operações de chacina, massacre, e carnificina em diferentes comunidades, e do assombroso episódio da celebração Ku Klux Kan de um batalhão da Polícia Militar. Exercem pressão para que Tarcísio assuma distância dos neofascistas, mas não exigem ruptura. Fazem uma aposta tática: uma candidatura ampla arrastando o bolsonarismo, se possível com apoio do próprio Bolsonaro. Mas assim como o centrão não deu ainda as costas para o governo Lula e rompeu a coalizão, Bolsonaro ainda não desistiu de ser candidato, e não sinalizou apoio para Tarcísio.
4 O cálculo do governo Lula de “deixar com está para ver como é que fica” é perigosíssimo. A aposta do Planalto é que as entregas do governo serão suficientes para manter Lula na dianteira como favorito, e exercer uma força gravitacional de atração para dissidências do centrão. As pesquisas de avaliação de popularidade mais recentes indicam ligeira recuperação, e reforçam este otimismo. Trata-se de autoengano, e subestimação da extrema-direita. Não aprendemos nada com o episódio do PIX de janeiro, e agora com a trapalhada dos descontos do INSS? Trump está na Casa Branca, e a evolução da situação internacional é imprevisível: pressões inflacionárias e recessão mundial sendo prováveis, o Brasil não estará imune e, provavelmente, o Banco Central vai pisar no freio. Nesse contexto é insensato arriscar tudo na disseminação de uma sensação de “bem estar”, como em 2006 ou 2010, embalado pelo aumento do consumo. Além disso, será muito difícil enfrentar a “guerra cultural”. A disputa ideológica será inexorável. Mas não poderá ser improvisada. Não haverá tempo para um giro à esquerda do estilo “Dilma paixão e coragem” como em 2014. O Brasil de 2026 será muito diferente do de 2006. Bolsa-família, Vale gás, Minha Casa, Minha Vida, ou mesmo Pé de Meia não serão o bastante. O giro à esquerda deveria ser agora e já. De qualquer forma, as duas forças sociais e políticas mais fortes no Brasil ainda são o lulismo e o bolsonarismo. Uma candidatura de “terceira via” até pode ser ensaiada, mas não terá chance de chegar a um segundo turno.
5 Enganam-se aqueles que, na esquerda radical, apostam na ultrapassagem do governo Lula pela esquerda. O governo Lula é uma frustração amarga em toda a linha. Mas defendê-lo diante dos neofascistas é “leninismo” na veia”. A expectativa de que uma agitação de denúncias do governo Lula poderá conquistar simpatia não é somente insensata. Criticar políticas do governo é justo e legítimo. Mas ter como centro na prática uma estratégia de oposição de esquerda, desprezando a relação de forças, sem fazer o cálculo de que quem se beneficia é o bolsonarismo é imperdoável. O Brasil precisa de uma revolução, e um dia ela virá, porque a crise do capitalismo não vai diminuir. Mas os tempos da história não são os tempos da luta política. Anunciar a promessa revolucionária não é o bastante. Não há no horizonte social e político qualquer sinal de uma disposição de luta revolucionária da juventude e dos trabalhadores. Os atos deste 1º de maio serão simbólicos. A expectativa que “do nada” poderá ocorrer uma explosão de protesto popular é, somente, desejo irrealista. Oxalá fosse provável, mas não é. Estamos em uma situação defensiva, e o desafio é sair dela. Um cálculo lúcido deve admitir que o perigo é que a extrema-direita não só mantenha, nas eleições de 2026, as posições que conquistaram nos governos estaduais e no Congresso Nacional, mas que voltem ao poder nacional. Não há iminência de situação revolucionária. Há perigo real de derrota histórica de consequências devastadoras. Sem Lula e o PT não é possível evitar o pior. Precisamos ganhar tempo.
Top 5 da semana

mundo
Notícias da França: excelentes resultados da lista popular de Philippe Poutou, em Bordeaux
brasil
Editorial de O Globo ataca funcionalismo e cobra reforma administrativa
colunistas
Bolsonarismo tem uma estratégia clara
Brasil 2×0 México: Tem que respeitar, aqui é Brasil!
cultura