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A resolução assassina do Conselho Federal de Medicina
Publicado em: 18 de abril de 2025
Foto: @ibratsp
No dia 16 de abril, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução CFM Nº 2.427/2025, em substituição à antiga resolução de 2019. Esse fato despertou debates na sociedade e angústia na comunidade trans, representando um grande retrocesso de direitos conquistados, no marco de uma ofensiva política crescente contra as pessoas trans.
Quais os principais problemas da resolução?
1. Atendimento para crianças e adolescentes trans
A nova resolução proíbe a prescrição de bloqueadores hormonais e hormônios para menores de idade.
A ideia de que os serviços de saúde estão hormonizando crianças é muito disseminada pela extrema direita. Essa mentira não leva em conta que não faz o menor sentido a prescrição de hormônios e bloqueio hormonal para crianças antes da puberdade, tem o objetivo apenas de gerar pânico.
O protoloco aplicado atualmente no Brasil prevê o bloqueio hormonal a partir da puberdade até os 16 anos, quando pode ser iniciada a terapia hormonal. O bloqueio hormonal atrasa a puberdade e permite aliviar a angústia gerada pela disforia de gênero até a idade permitida para a terapia hormonal. A puberdade gera algumas mudanças irreversíveis para o corpo e seu atraso não acarreta em nenhum prejuízo para a saúde. Muito pelo contrário, é uma ferramenta fundamental para a garantia integral da saúde de jovens trans.
2. Restrição do acesso a cirurgias
De acordo com a nova resolução, a idade para a realização de cirurgias que acarretem em esterilidade aumenta dos 18 para os 21 anos. Além disso, é obrigatório o acompanhamento por equipe médica por 1 ano antes da realização de qualquer procedimento cirúrgico.
Ou seja, pessoas trans adultas terão seu direito ao corpo restrito.
3. Patologizacão das identidades trans
Diversos elementos da resolução remetem à patologização das identidades trans. Em primeiro lugar, o olhar da resolução pressupõe a necessidade de validação das identidades de um ponto de vista médico e psiquiátrico. Além disso, o foco na prevenção de um suposto arrependimento traz a ideia de que as pessoas precisam ser protegidas de si mesmas, ainda que os índices de arrependimento sejam extremamente baixos.
A ideia de uma “incongruência de gênero” expressa na resolução está vinculada à noção da necessidade de diagnósticos clínicos para nos validar.
4. Restrição das especialidades autorizadas a prescrever hormônios
Esse ponto da resolução acarreta em consequências gravíssimas para o atual modelo de atendimento à pessoas trans ofertado pelo SUS. A partir de agora, apenas médicos endocrinologistas, ginecologistas e urologistas estariam autorizados a realizar a terapia hormonal, enquanto boa parte do atendimento é realizado com qualidade por médicos da família e clínicos gerais nas UBS.
Não é nenhuma novidade a postura reacionária do Conselho Federal de medicina, o mesmo que já tentou restringir o direito ao aborto legal em diversos momentos. Esse ataque também vem em um momento no qual a brutal ofensiva contra os direitos das pessoas trans vem se agravando.
A consequência dessa resolução não pode ser outra além da morte de pessoas trans: suicidadas pela disforia ou mortas pela hormonização sem acompanhamento. A verdade é que se trata de uma tentativa de interromper a ampliação dos cuidados de saúde para pessoas trans.
O governo Lula precisa de coragem
A conjuntura para o governo Lula vem sendo difícil: chantagens do centrão, polêmicas com fake news da extrema direita, queda de popularidade do governo. Não é de hoje que falamos por aqui que o governo precisa avançar nas medidas que beneficiam os mais pobres e implementar até o fim o programa que venceu Bolsonaro nas urnas, que essa é a melhor maneira de enfrentar a extrema direita.
A verdade é que isso também vale para debates que o governo vem evitando: Lula precisa defender os direitos das pessoas trans. São inúmeros projetos de lei inconstitucionais anti-trans aprovados em casas legislativas pelo Brasil inteiro, ataques midiáticos, morais e físicos sistemáticos, junto a uma escalada do tom, fortalecida pela política transfóbica do governo Trump nos EUA. A extrema-direita deita e rola no debate público sem que o governo se posicione.
Cada ataque contra as pessoas trans representa um passo a mais no processo de corrosão da democracia brasileira. Mais do que isso, fingir que esse tema não existe não vai fazer com que ele deixe de existir. A extrema direita vai continuar nos pautando, independentemente da nossa vontade. É preciso encarar o tema de frente e disputar a sociedade. É isso ou rifar direitos humanos por receio de enfrentar um tema intransponível.
Nesse sentido, é indispensável a aprovação do novo Paes Poptrans pelo Ministério da Saúde, a principal reivindicação do movimento trans perante o governo. O Paes Pop Trans é um documento que propõe o acompanhamento à população trans em todo o ciclo de vida, incluindo a garantia de cuidado da sua rede de apoio. É uma política mais completa do que a atual portaria vigente e que segue guardada na gaveta do Ministério da Saúde desde o ano passado. Caso já tivesse sido aprovada, todo esse enfrentamento com o Conselho Federal de Medicina poderia ser muito mais fácil.
Um chamado à esquerda e movimentos sociais
É preciso, mais do que nunca, a unidade do conjunto dos movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas trans. Esse tema é de enfrentamento frontal à extrema direita, não existe mais espaço para questionamento sobre seu suposto caráter identitário, estamos falando de direitos democráticos básicos e um dos setores mais dinâmicos em luta contra o fascismo na atualidade.
Que em nossas lutas possamos ver, também, pessoas cis comprometidas com os direitos humanos e democráticos no Brasil.
Lucas Marques é transmasculino, cientista social formado pela Unicamp e assessor da Bancada Feminista do Psol
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