brasil
Não ao aumento da passagem em Porto Alegre!
O caos do transporte público e o direito à cidade
Publicado em: 15 de março de 2025
A imprensa da capital gaúcha já anuncia que o prefeito Melo vai aumentar o valor da passagem de ônibus. O mandatário, que recém iniciou seu segundo mandato, mentiu durante a campanha eleitoral, quando afirmou que não iria mexer no valor da passagem, hoje R$4,80.
O aumento da tarifa acontece em um momento em que “pipocam” nas redes sociais vídeos em formato de denúncias sobre a qualidade do transporte público. Diariamente é fácil ver usuários reclamando sobre ônibus que estão sucateados, sobre a falta de ar condicionado em diversas linhas nos dias em que vivemos uma onda de calor, e inclusive ônibus que quebram e deixam os usuários ao léu no meio do caminho.
O valor da passagem é um dos principais gastos das famílias brasileiras. Uma recente pesquisa apontou que as despesas com transportes correspondem 18,1% dos gastos mensais, sendo o segundo item do orçamento familiar que tem maior custo, atrás apenas de habitação. Melo, ao aumentar a passagem ignora esse dado. Na prática a prefeitura faz com que as famílias de porto alegre retirem dinheiro que poderia ir para a alimentação, para gastos com lazer e cultura, além de limitar o acesso e locomoção a cidade para famílias de baixa renda.
Em Porto Alegre o custo operacional mensal de transporte coletivo, incluindo o lucro sobre os serviços, é na casa dos R$56 milhões de reais. Argumentasse que aquilo que se arrecada com as passagens não é necessário para cobrir esse valor. A prefeitura, para compensar as empresas que administram o serviço repassa, como subsídio, um montante que pode chegar a R$ 110 milhões/ano, uma média de R$10 milhões/mês. Hoje são menos de mil ônibus em circulação, sendo que a frota já chegou a mais de 1,7 mil veículos. Desses ônibus, de acordo com a EPTC, mais da metade tem 10 anos ou mais de uso.
A gestão de Melo é desastrosa quando se fala de transporte público. Além dos inúmeros casos de ônibus sucateados, se soma: o corte de linhas durante a pandemia e que nunca retornaram, deixando desassistidos moradores de diversas regiões; a demissão de cobradores fazendo com que motoristas acumulassem dupla função; a privatização da carris, uma das melhores empresas públicas do país e que foi vendida a preço de bananas para uma empresa incopetente de Viamão; a retirada de meio passe para estudantes, o que atingiu 70% dos usuários desse direito e influenciou diretamente a evasão escolar; entre outras falcatruas e chinelagem.
A medida de aumento da passagem, além de ser algo que não condiz com a qualidade do serviço prestado e de interferir no orçamento das famílias da capital, vai na contramão do desenvolvimento humano, social e econômico necessário para nossa cidade no século XXI.
É bem verdade que existe uma crise no atual modelo de financiamento dos transportes públicos brasileiros. Em 10 anos, entre 2013 e 2023, o transporte coletivo nas capitais brasileiras perdeu, em média, 30% dos passageiros. Nesse
esquema, a solução apresentada pelos empresários do ramo e prefeituras é apenas duas: a redução de ônibus circulando, ou, aumento do valor da tarifa. Em ambos os casos a preocupação é apenas uma: aumentar a taxa de lucro das empresas e nenhuma preocupação com o usuário ou busca por reverter o problema da perda de passageiros.
Um ônibus que leva 30 passageiros sentados custa o mesmo que um que transporta 90, com alguns em pé, amassados como sardinhas, e sacudindo como bois. O gasto é o mesmo: um motorista, um tanque de diesel para efetuar o percurso. O lucro do empresário está no recebimento da tarifa. Dessa lógica faz mais sentido para o empresário, e para o prefeito Melo, lotar um ônibus que passa a cada meia hora do que colocar dois para circular a cada 15 minutos.
Porém, com o número de passageiros caindo se faz necessário para o empresário e seus compadres que estão na prefeitura, reduzir ainda mais os custos. Respostas velhas e conhecidas para aquela que dizem ser a “cidade da inovação”. Linhas são cortadas, cobradores são demitidos, aumenta o espaçamento entre uma viagem e outra, veículos velhos e caindo aos pedaços se mantém em funcionamento, e a passagem segue aumentando. Essa lógica é uma verdadeira bola de neve, pois o aumento da tarifa somado a perda de qualidade do serviço, tiram ainda mais passageiros.
Nós, que dependemos do transporte público para se locomover reclamamos do serviço com qualidade ruim, a prefeitura e os empresários respondem que a única forma de melhorar é com o aumento das tarifas ou com o poder público subsidiando o sistema, ou seja, colocando dinheiro público no caixa das empresas. A questão é que Melo já fez de tudo, privatizou, cortou direitos de usuários, retirou linha, aumentou passagem, e mesmo assim a qualidade do serviço continua caindo de forma acentuada.
Estamos presos em um círculo vicioso quando se fala de transporte público, mas afinal, qual a solução? Aqui queremos trabalhar com a ideia de implementação da tarifa zero, algo que se comprovou um sucesso nas cidades que essa medida entrou em vigor. E antes que sejamos acusados de comunistas lunáticos, olha que interessante, o campo político de diversas cidades com tarifa zero não é associado necessariamente à esquerda. Podendo ser prefeituras de esquerda, de centro, de direita e até de extrema direita, que resolveram inovar na gestão de transporte público.
A tarifa zero já foi implementada em mais de 100 municípios, fazendo do Brasil aquele país que mais tem cidades com essa política no mundo. Pesquisas demonstram que nessas cidades o dinheiro investido para a implementação da tarifa zero se multiplica, com maior fluxo no comércio, circulação de pessoas e gastos em outras áreas.
Podemos dizer que a tarifa zero não é apenas a eliminação dos custos da passagem, mas é a construção de uma cidade mais livre, inclusiva e justa, independente de quanto cada cidadão tem para gastar. O passe livre universal existe em centenas de cidades espalhadas pelo mundo e que afirmam que as catracas estão cada vez mais fora de moda, e que a mobilidade urbana é um direito
humano universal e deve, portanto, ser assegurado a todos e todas. Sendo também uma necessidade para superar o caos que é o transporte público em nossas cidades, ajudando a combater a corrupção, o superfaturamento e retomando o número de usuários.
É preciso que Porto Alegre entenda que a mobilidade urbana deve garantir a circulação de pessoas, a acessibilidade geográfica e que estas medidas são fundamentais para o fortalecimento da democracia. Além disso, um transporte público de qualidade e acessível tem reflexos importantes à economia familiar e ao acesso à educação. Pesquisas comprovam que o alto custo da passagem tem deixado jovens e crianças fora da escola. Podemos colocar também que um bom funcionamento do transporte público beneficia o comércio local, já que amplia a circulação de pessoas impulsionando a atividade econômica, contribuindo para o desenvolvimento econômico da cidade.
Outro ponto, é que a tarifa zero atua na diminuição dos gases de efeito estufa, e na melhoria da qualidade de vida nas áreas urbanas. Nossa cidade tem vivido na pele o peso das mudanças climáticas. Ondas de calor, tempestades, ciclones e a enchente histórica do ano passado. Apesar do pouco caso que a prefeitura faz deste tema, as mudanças climáticas são um tema que deveria nortear o debate público e planejamento urbano. Vale destacar que de acordo com o IPEA, o transporte individual é responsável por quase 60% das emissões de dióxido de carbono nos centros urbanos brasileiros, mais que o dobro das taxas do transporte público. Políticas públicas que incentivem a passagem do transporte individual para o transporte público são necessárias. A tarifa zero, comprovadamente ajuda a atuar nesse caminho, e por tanto, desempenha um papel crucial na construção de cidades que possam enfrentar a crise climática.
O debate sobre os benefícios dessa política são visíveis, o grande tema é sobre a possibilidade real de sua implementação com base econômica. Ou seja, de onde virá o dinheiro que financiará a implementação dessa política pública?
Olhando para os municípios que ousaram e inovaram com o passe livre, podemos ver diversas fontes diferentes de financiamento para sustentar a tarifa. Desde a realocação de recursos do orçamento municipal, priorizando verbas para o transporte coletivo em detrimento de outras áreas. Passando pela busca de subsídios e apoio financeiro com convênio estadual e federal. E chegando até mesmo na arrecadação de tributos municipais específicos que sustentem a liberação das catracas. Sendo possível ainda um formato de financiamento onde se combinam diversos meios para esse fim.
Aqui em Porto Alegre vemos com bons olhos a ideia de criação da Taxa de Mobilidade Urbana, proposta por Roberto Robaina do PSOL. Se hoje as empresas por lei são obrigadas a pagar para os funcionários o vale-transporte para que o mesmo se locomova ao local de trabalho, por essa proposta de lei, o empregador faria o pagamento por meio de tributação direto para a prefeitura com fim exclusivo de garantir a política de isenção universal no transporte público coletivo. Vale destacar que está ideia propõe que empresas com menos de 10 funcionários paguem apenas 50% do valor, e além disto, o valor final que os empregadores seriam tributados é menor que a quantia paga por meio do vale-transporte. Se
estima que por meio da implementação da TMU se consiga arrecadar R$62.385 milhões mensais, enquanto o custo do sistema de transporte, ou seja, gastos com gasolina, salários dos trabalhadores e manutenção dos ônibus é de cerca de R$55 milhões por mês, destes 20% sendo aplicados diretamente pela prefeitura.
Hoje, o atual modelo de financiamento do sistema de transporte é inviável. As empresas alegam que dá prejuízo, a prefeitura não consegue mais aportar, a passagem não cabe no bolso do trabalhador, e os ônibus estão caindo aos pedaço. O modelo de transporte público em Porto Alegre entrou em colapso.
Nós acreditamos que para resolver o problema do transporte público o ônus não pode cair sob aquele que mais necessita do mesmo: o trabalhador. As medidas apresentadas por empresários e pela prefeitura de Sebastião Melo não resolvem, inclusive ampliam o problema. Achamos que não é do interesses da prefeitura resolver, pelo contrário, caso busque isso, ela teria que se enfrentar com parte daqueles que financiam a campanha do prefeito: os empresários de transporte. Justamente por isso as ações de Melo buscam apenas aumentar o lucro dos empresários, e não chegar na solução para o caos que é o transporte.
A política que diversas cidades vem realizando de tarifa zero é uma medida que busca a garantia de direitos sociais redução da desigualdade, e são chave para o debate do direito e acesso a cidade, além de influenciar positivamente a economia, o meio ambiente e o bem estar social.
Uma visão moderna de cidade, com desenvolvimento econômico, social e sustentável, é o que norteia, ou deveria nortear, o debate sobre transporte público, e não se os gastos das empresas são maiores que seus lucros. Podemos ver uma cidade mais inclusiva à medida que se enfrenta de frente o problema do caos que se tornou o transporte público coletivo. A cobrança direta dos usuários faz cada vez mais parte do passado.
Queremos ser a cidade da inovação e da tecnologia e isso começa pela forma que acessamos e nós movemos por Porto Alegre.
Wellignton Porto é Coordenador Geral DCE UFRGS e militante do Afronte
Gabriel Santos é militante do Movimento Negro Unificado (PSOL)
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