“Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado” Gonzaguinha
Um filme triste e devastador é o sul coreano “Parasita”. Logo nas primeiras cenas fica claro que não estamos diante de um filme estrangeiro, no olhar de Hollywood. Estamos diante de um clássico dos nossos tempos sombrios e terríveis.
Smartphones, WhatsApp, fastfood e todo tipo de cultura enlatada fazem com que o ser humano da Ásia, África e América sejam mais parecidos do que nunca. Em Parasita tudo se parece com o Brasil, África do Sul e, não se engane, com os EUA. Ao mesmo tempo que nos conectamos com o mundo via websites e fibra óptica passamos necessidades básicas. O neoliberalismo democratizou a miséria dos povos numa escala nunca antes vista pela humanidade.
Em comum nossa gente vive do trabalho, do sangue e do suor. Impossível ver a família dobrando caixas de pizza para ganhar míseros trocados e não pensar nos entregadores amontoados na frente da rede de fastfood da Praça da República esperando sua hora de pedalar para ganhar o seu pão.
O trabalho é escasso, a automação eliminou postos de trabalho e a qualificação superior é para alguns. Ou se morre de trabalhar ou se trabalha até morrer. Porque aposentadoria é um luxo. Confinado num banker subterrâneo, o homem sem emprego encara sua reclusão como uma aposentadoria.
A dieta dos ricos é farta. Literalmente com tudo do bom e do melhor. Enquanto os pobres passam fome, ou se alimentam de “comida” processada, seus algozes tem frutas da terra e do mar frescos. Os quatro “parasitas” quando se reúnem é sempre em volta da mesa. Na primeira cena tem vergonha do que estão comendo e a mãe diz que era melhor o amigo do filho ter presenteado ele com comida ao invés da pedra. No primeiro salário do falso professor de inglês aparece carne na mesa. E quando a irmã se junta no golpe já podem ir comer fora num restaurante popular. Neste momento onde a água do Rio de Janeiro é imprópria para o consumo humano os milionários estão com verdadeiras adegas de água mineral com alto teor de oxigênio e vendidas a peso de ouro.
Mas se o dinheiro não dá para comer, parte fundamental da reprodução do exército trabalhador, imagina para morar. Morando em cubículos, em subsolos, onde não existe saneamento e só basta uma chuva para perder tudo e fazer com que os próprios dejetos venham a tona e mostrem como a vida que vivemos é uma merda. Impossível não pensar no trabalhador que precisa dormir durante a semana na marquise dos bancos da Libero Badaró porque o salário não dar para manter a família e pegar metrô, trem e ônibus até o gueto.
Estamos mais perto de carros que voam do que eliminar a fome endêmica nós quatro cantos do mundo. Estamos mais perto dos magnatas encontrarem uma saída para um novo habitat na órbita do que resolver o drama da nossa Terra. Para manter vida luxuosa deles vão torrar a humanidade como se queimou carvão no início da revolução industrial. Impossível não pensar nas vidas humanas, animais e vegetais destruídas e arruinadas para sempre pelos dejetos da mineradora das Minas Gerais.
Não nascemos “parasitas”, tornamo-nos. Eles tem nojo dos pobres como tem das baratas. O contato precisa ser mínimo e em total subserviência, sem ultrapassar o muro de classe. Os pobres de todo mundo tornam-se negros e o apartheid é a solução na Palestina, em Seul ou Buenos Aires. Quando descobrem que os ricos não são benevolentes, o que sobra é a raiva.
Uma humanidade homogeneizada pela miséria, pela extrema pobreza, pela decadência moral, mas principalmente pela ausência de perspectivas de futuro. Não podemos deixar que nos roubem os sonhos. Afinal os parasitas são eles que nos exploram e oprimem.
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