1. Divisões não são incomuns na esquerda revolucionária. Pequenas organizações estão sempre vulneráveis a poderosas pressões desagregadoras. Mas um tsunami de proporções inusitadas atingiu o movimento trotskista mundial nesta década. Seis, entre as principais organizações revolucionárias que reivindicam a tradição da Quarta Internacional, se fragmentaram pela metade e aumentou, qualitativamente, a dispersão daqueles que compartilham o programa marxista revolucionário. O SWP inglês se dividiu; o PSTU do Brasil se dividiu; o POI francês se dividiu; a ISO norte-americana se dissolveu; o CWI, liderado pelo Socialist Party, que vinha da corrente Militant rompeu em três frações; e o Partido Obrero da Argentina se dividiu.
2. Estes seis partidos eram algumas das mais importantes organizações trotskistas do mundo. Todas elas tinham superado a condição de círculos de propaganda fundacionais. Tinham trajetórias de décadas, acumulação programática, milhares de militantes ativos e abnegados, presença nacional, influência na juventude, reconhecimento nas lutas populares, alguma implantação operária e sindical, experiência nos movimentos de luta contra as opressões, iniciativa de articulação de campanhas políticas, capacidade de publicação regular de jornais, revistas e livros, e vínculos internacionais. Esta dinâmica destrutiva de crises devastadoras coloca o desafio de uma interpretação que vá além das peculiaridades nacionais de cada racha.
3. Evidentemente, estamos em uma situação internacional muito adversa para quem defende a revolução socialista mundial. Quando as perspectivas são desfavoráveis o desalento pode aumentar a amargura, a angústia favorece o desespero, e a desmoralização facilita o rancor. Todas estas organizações tinham sofrido, ideologicamente, porque desde a vitória no Vietnam em 1975, não ocorreu um triunfo revolucionário anticapitalista. Todas tinham sobrevivido, umas melhor do que outras, ao impacto devastador da restauração capitalista ao final dos anos oitenta, trinta anos atrás. A situação política nacional, ou a realidade da esquerda em cada um desses países é muito diferenciada. Historicamente, o movimento trotskista sofreu, no essencial, uma pressão terrível do estalinismo, em alguns países, e da socialdemocracia, em outros. Esse contexto internacional mudou. A decadência tanto da socialdemocracia quanto do estalinismo, ou do castrismo, do chavismo, e do petismo esboçou uma situação em que a pressão dos grandes aparelhos reformistas, embora não possa ser desconsiderado, não parece ser o fator chave do terremoto atual. Tampouco viemos de derrotas históricas. Os fatores exógenos estão presentes, mas os endógenos não podem ser diminuídos, porque parecem prevalecer.
4. Fatores endógenos são aqueles que resultam de conflitos internos. Quando um problema é muito complexo, um caminho prudente é estudar as contradições em seus diferentes níveis de abstração, e construir a análise, provisoriamente, sem ambição de síntese. Conflitos políticos são lutas em que nem sempre há clareza cristalina. Mas devemos identificar, diante das múltiplas pressões, quando predomina uma dinâmica progressiva ou regressiva. Há, entre outras, pelo menos, cinco grandes hipóteses possíveis que não se excluem.
5. A primeira remete ao choque entre as deformações sectárias geradas por uma longa marginalidade social, e as possibilidades abertas de aumentar a audiência política, ainda que as pressões oportunistas geradas pelo perigo de adaptação aos limites dos regimes democrático-eleitorais sejam muito grandes; (b) a segunda remete ao choque entre as deformações burocrático-monolíticas no regime interno de partido-fração, e a necessidade de construir organizações que precisam aprender a conviver com a pluralidade democrática, ainda que as pressões horizontalistas de partido-movimentista sejam poderosas; (c) a terceira remete ao choque entre as deformações patriarcais-machistas-
6. É muito possível que estes cinco conflitos tenham estado presentes, em alguma proporção, em todas estas rupturas, em graus variados e combinações diferentes. O que fazer? Mais do que nunca a resposta é muito difícil. Há que mudar. O perigo é que, dependendo da dose, o remédio pode ser mais perigoso que a doença. Mas há que mudar.
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