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MUNDO

Precisamos falar sobre a repressão andina

Lucas Scaldaferri, de São Paulo (SP)
MARTIN BERNETTI / AFP

Carabinero chileno atira contra manifestantes, no dia 21 de outubro

Os ativistas mais conscientes de todo mundo devem aprender com os processos de luta de massa de cada época histórica, mas não para imitá-los em processos de transposição de realidades diferentes. Lenin e Trotsky estudaram de maneira profunda a chamada Comuna de Paris de 1871 e dela tiraram lições importantes para a Revolução Russa de 1917. A história costuma ser implacável com quem negligencia seus ensinamentos. 

Creio que as insurreições do Equador e do Chile trouxeram muitos elementos de aprendizado para nova geração de ativistas. A primeira e mais importante é que a luta direta e de massas pode mudar as injustiças praticadas pelos poderosos. No Equador vimos a força dos povos originários liderando o levante popular. No Chile tivemos a juventude radicalizando no método de luta ao marcar pontos de encontros pela internet para desafiar o aumento na tarifa do metrô. 

Mas o objetivo deste pequeno texto é mostrar outro aspecto destes processos que nós brasileiros precisamos aprender com nossos irmãos em luta. A hipótese que trabalhamos é que os governos neoliberais estão até dispostos a recuar em seus planos perante a explosão das massas em luta, mas não irão aceitar serem colocados pra fora de seus palácios presidenciais. Ou melhor, estão dispostos a endurecer utilizando o porrete das forças armadas contra a luta do povo pobre e trabalhador. 

O processo no Equador foi marcado por uma forte reação do poder estatal. O presidente Lenin Moreno decretou Estado de Exceção no dia 3 de Outubro, fazendo com quê seus poderes institucionais fossem aumentados. O artigo 165 da Constituição Equatoriana permite que no Estado de Exceção o presidente da república possa suspender ou limitar o direito a inviolabilidade de domicílio e de correspondência, assim como liberdade de associação e reunião. Vejamos o que aconteceu horas seguintes da publicação do decreto autoritário. 

Prisões em massas – Poucas horas após o decreto que instituiu o Estado de Exceção, milhares de pessoas foram encarceradas sem mandato judicial. Líderes indígenas, populares, sindicais e políticos da oposição foram presos em suas próprias casas. Segundo Paola Pabón, governadora da província de Pichincha, em reportagem do Sul 21, “após onze dias de paralisação e protestos, o saldo que temos é de 1070 pessoas presas, das quais se calcula que aproximadamente 55% são menores de 30 anos e 13% são adolescentes. Há 885 feridos. O governo reporta a morte de cinco pessoas, mas as organizações sociais falam que há sete mortos já”.

Pedidos de asilo político- Outro aspecto da brutal repressão equatoriana foi a busca para sair do país via embaixadas estrangeiras. Esse tipo de episódio foi comum no nosso continente na época das ditaduras militares, a última escapatória contra perseguições, torturas e assassinatos políticos.

No Chile está acontecendo uma repressão brutal, que mesmo para história do país está chocando a sociedade chilena e a comunidade internacional. O presidente declarou logo nos primeiros dias da mobilização que estava em guerra, mas os métodos utilizados pelas forças estatais contra seu próprio povo são desprezíveis, mesmo em conflitos bélicos entre nações. Pinera lançou mão do Estado de Emergência limitando as liberdades democráticas em Santiago e outras três localidades e dando amplos poderes as forças armadas. Ao anunciar o Estado de Emergência o presidente parabenizou os carabineros, policiais militares, pelo serviço prestado até ali o que representou uma verdadeira carta branca para tocar o terror sobre os manifestantes.

Balas de borracha podem causar danos irreversíveis – existe um mito difundido em todo mundo sobre munição não letal, em particular as balas de borracha. Acontece que estudos apontam que até mesmo este tipo de munição pode matar ou causar danos irreversíveis. No Chile a utilização deste tipo de arma está sendo feita sem nenhuma preocupação com a integridade física das pessoas. Segundo a Sociedade Chilena de Oftalmologia, entre os dias 19 de outubro e 4 de novembro, 136 pessoas deram entrada na Unidade de Trauma Ocular do Hospital do Salvador, destes 27 perderam totalmente a visão. Os números falam por si: o Estado chileno está deliberadamente atirando na região da cabeça com o objetivo de lesionar gravemente os manifestantes.

Violência específica contra mulheres e LGBTs – Outro aspecto da escalada autoritária implementada por Pinera é que mulheres e LGBTs estão sofrendo uma violência política sexual, específica e direcionada. Segundo ABOFEM (Asociación de Abogadas Feministas de Chile) mulheres estão sendo obrigadas a ficarem nuas nas prisões e sofrendo tortura psicológica, abuso sexual e estupro.  A advogada Bárbara Sepúlveda, da ABOFEM, explica como e qual razão fundamental desse procedimento perante as mulheres:

“Las obligan a abrir sus piernas, a mostrar sus genitales, incluso algunos agentes del Estado en esas condiciones tocan sus pechos, su cuerpo, o incluso sus genitales y en este caso configurando además el delito de abuso sexual. Estas formas de tortura son específicamente dirigidas a mujeres. Nosotras sostenemos que son formas de castigos que buscan disciplinar y castigar a las mujeres que salen a luchar, que desafían el rol que tienen dentro de la sociedad patriarcal.”

O Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile ajuizou quase 20 ações de violência sexual praticadas por agentes estatais contra manifestantes. Mulheres lésbicas estão sendo obrigadas a ficar em celas com homens e a transar com eles, numa espécie de estupro punitivo operado pelo Estado. Além disso, são chamadas por termos masculinos e sofrem outras humilhações em virtude de corte de cabelo e vestimenta. Pelo menos 5 casos de lesbofobia serão denunciados pela ABOFEM. 

Tortura – o Chile também está sendo palco desta ação bárbara típica das ditaduras sul-americanas dos anos 60 e 70. Milhares de vídeos no YouTube mostram os policiais militares torturando ativistas com tapas, ponta pés e tiros de bala de borracha a queima-roupa em pessoas já imobilizadas. 

Prisões indiscriminadas – mais de 1000 pessoas foram presas no Chile de maneira ilegal e arbitrária, dessas 475 eram crianças e adolescentes. 

A luta de massas aterroriza os poderosos de plantão. Os governos neoliberais não contavam que o povo explorado e oprimido explodiria num processo vigoroso de contestação aos planos de austeridade e subserviência ao imperialismo norte-americano. Mas eles, os de cima, também aprendem com as experiências da luta de classes. 

Eduardo Bolsonaro, deputado federal, chocou o Brasil ao declarar que caso o movimento de massas entre em ação no nosso país como no Equador e no Chile o governo terá que tomar medidas enérgicas como o AI- 5 da ditadura militar. O presidente Jair Bolsonaro, em seu discurso de 300 dias de governo, também voltou ao tema e declarou: “… Em falando do Chile meus amigos, nós devemos ter a capacidade de se antecipar a problemas. Nós sabemos que infelizmente aqui no Brasil existem alguns maus brasileiros que ficam o tempo todo maquinando como chegar ao poder, não interessa porque meios, não podemos admitir isso.” A fala de Bolsonaro Pai é totalmente condizente com a fala do filho, pois aponta para uma estratégia repressiva contra o movimento de massas.  Quando os ventos andinos chegarem ao Brasil, precisamos estar preparados.