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Colunas

Bolsonaro já passou de todos os limites

Reprodução / Twitter

Bolsonaro faz novo ataque à memória de Fernando Santa Cruz, enquanto corta o cabelo

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Nos últimos dez dias, durante o recesso do Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) resolveu ocupar a mídia e as redes sociais com declarações que demonstram nitidamente o conteúdo extremamente autoritário e reacionário de seu governo e do projeto político que representa.

São tantas declarações revoltante que corremos o risco de esquecer alguma importante. Nos últimos dias: atacou o povo nordestino; disse que não há fome no Brasil; defendeu a censura em nossa Agência de Cinema; afirmou que não existe desmatamento na Amazônia, ignorando todos os dados disponíveis; afirmou que um líder indígena não foi assassinado por invasores de terras no Amapá; fez ataques homofóbicos contra Jean Wyllys, David Miranda e Glenn Greenwald; e, em relação ao editor do Intercept Brasil, chegou a defender sua prisão no Brasil, atacando a liberdade de imprensa, garantida na Constituição.

Mas, nesta segunda-feira, 29, Bolsonaro passou todos os limites do aceitável. O ataque a memória de Fernando Santa Cruz, um desaparecido político durante os “anos de chumbo” da ditadura militar, representa sim um crime político. Este fato comprova, mais uma vez, que ele é um político de extrema-direita com fortes traços neofascistas.

O objetivo de suas declarações sobre este triste fato da nossa história recente, era atacar o atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional, Felipe Santa Cruz, que é filho do desaparecido político.

A OAB vem divergindo de algumas das medidas autoritárias de seu governo. Para Bolsonaro, essa atitude independente da OAB já basta para justificar um ataque vil como o desta segunda-feira.

Bolsonaro afirmou, numa primeira declaração, que sabia como Fernando Santa Cruz teria morrido. Lembrando que nunca se encontrou o corpo do então militante do movimento estudantil, que desapareceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1974.

Em uma segunda declaração, enquanto cortava seus cabelos, Bolsonaro destilou mais uma vez seu discurso de ódio, afirmando que foram as próprias organizações de esquerda, que lutavam de forma armada contra a ditadura, que mataram Santa Cruz.

A Comissão da Verdade, um órgão oficial do Estado brasileiro, que foi constituída para recuperar a memória sobre os crimes cometidos no período da ditadura militar e reparar de alguma forma quem foi atingido por eles, chegou uma conclusão oposta das declarações de Bolsonaro.

Recentemente, durante o atual governo, a referida comissão, 45 anos após o desaparecimento de Fernando, emitiu finalmente seu atestado de óbito. Nele, consta a informação que ele foi assassinado pelo aparato repressivo do Estado brasileiro, baseado em documentos de registro da prisão e em dois depoimentos de militares da época. Um deles, chegou a afirmar que seu corpo foi incinerado no interior do Estado, na cidade de Campos dos Goytacazes.

As declarações de Bolsonaro criam uma grave contradição. Caso o presidente atual tenha razão no que afirmou, ele, como deputado federal, em todo o período de trabalho anterior da Comissão da Verdade, omitiu informações extremamente relevantes sobre os verdadeiros acontecimentos envolvendo um desaparecido político; Ou, o que é pior, suas declarações são mentirosas, mais uma vez usadas para defender e abrandar os crimes contra a humanidade praticados no período da ditadura militar no Brasil, e atacar quem lutou pela redemocratização de nosso país, pagando com a sua própria vida pela defesa da democracia.

Na verdade, as declarações de Bolsonaro dos últimos dias representam uma escalada autoritária de seu governo, que ameaça direta e seriamente as liberdades democráticas em nosso país. Embora, infelizmente, suas declarações reacionárias e autoritárias já tenham ficado costumeiras, não devemos perder a nossa capacidade de indignação e reação diante deste projeto de extrema-direita neofascista, que busca se consolidar e avançar em nosso país. É necessário dar um basta nesta situação indignante.

As declarações de Bolsonaro representam um crime político

Não há dúvida que Bolsonaro cometeu um gravíssimo crime político com suas declarações desta segunda-feira. Um crime político, que deve ser punido, pois ele demonstra a sua incompatibilidade com o exercício da Presidência da República, num estado minimamente democrático.

Lembrando que, apesar de nossas críticas aos governos do PT, é sempre bom não esquecer que a ex-presidente Dilma sofreu um impeachment fraudulento e golpista, sem crime de responsabilidade comprovado, acusada de “pedaladas fiscais”.

Um presidente da República, eleito em um regime que se assume como democrático, não pode omitir uma informação sobre os crimes da ditadura militar e zombar da dor e da memória de um desaparecido político e de sua família. Um estudante assassinado, com apenas 26 anos, que, inclusive, o próprio Estado brasileiro, durante seu governo, declarou que foi assassinado pelas forças militares, durante a ditadura.

Entretanto, o mais revoltante, é a constatação óbvia de que esse Congresso Nacional e o Poder Judiciário, que tanto se apressaram para garantir a tramitação do impeachment fraudulento e golpista da ex-presidente Dilma, nada fará contra Bolsonaro.

Na semana que vem, o Congresso Nacional deve retomar seu funcionamento. Na primeira sessão da Câmara dos Deputados, prevista para o dia 6 de agosto, ao invés de examinar seriamente a proposta de abertura de impeachment já levantada por alguns deputados do PSOL e do PT, os deputados da base do governo Bolsonaro e do Centrão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) vão ignorar este pedido, muito provavelmente, e tentarão aprovar em segundo turno a famigerada contrarreforma da Previdência, que ataca o direito básico da aposentadoria em nosso país.

Ao contrário de impedir a escalada autoritária de Bolsonaro, o Congresso Nacional já prepara outros brutais ataques a educação pública, aos direitos trabalhistas, a soberania nacional, ao meio-ambiente, aos direitos democráticos, entre outros temas fundamentais.

Infelizmente, não há atalhos. Não virá do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal (STF) alguma medida efetiva que interrompa de fato as intenções autoritárias deste governo. Não devemos ter ilusões que os deputados e senadores aprovariam um impeachment de Bolsonaro. O único caminho para enfrentar este projeto autoritário de extrema-direita é intensificar a organização das nossas lutas e mobilização.

Devemos concentrar as nossas energias na retomada com toda força do calendário nacional e unificado de mobilização. Mais ainda é fundamental a ampla unidade de nossa luta, que tem no próximo dia 13 de agosto a real possibilidade de repetimos uma grande dia nacional de lutas, realizando principalmente grandes protestos de ruas na maioria das grandes cidades brasileiras.

A saída é investir numa luta incansável para derrotar o governo Bolsonaro nas ruas.