Foram cerca de 900 milhões de eleitores, em um processo que demorou seis semanas para ser concluído. No fim, o Bharatiya Janata Party (BJP), o partido do primeiro-ministro Narendra Modi, acabou fazendo história, conquistando a maioria absoluta na câmara baixa do parlamento indiano, o Lok Sabha, pela primeira vez desde 1984. Foram 303 assentos conquistados pelo BJP, dos 542 disponíveis, foram 21 cadeiras a mais se comparadas com a eleição de 2014. Uma verdadeira onda laranja, cor do BJP, tomou conta do país.
O BJP, partido do povo indiano, de uma direita nacionalista, é o maior partido político do mundo, com os incríveis 110 milhões de filiados, e que moveu 1 milhão de pessoas para fazer sua campanha nestas eleições.
O BJP mobilizou durante os últimos anos o extremismo religioso hindu, e em especial após os conflitos na Caxemira que envolveu o vizinho Paquistão no início deste ano. Sentimentos nacionalistas, anti-muçulmanos, e de exaltação à pátria hindu, foram uma arma de campanha que obteve resultados.
Apesar da crise econômica que atinge o país, com uma forte recessão e um número cada vez maior de desempregados, Modi fez diversas promessas. Prometeu duplicar as autoestradas e as exportações, assim como o rendimento dos agricultores, e tornar a índia a terceira economia mundial até 2030.
Modi, o líder nacionalista
O primeiro-ministro hindu ficou cinco anos sem aparecer em uma entrevista de imprensa. Desde que foi eleito, em 2014, até o dia final das eleições. Suas declarações eram à base das redes sociais, nas quais fiéis seguidores compartilham suas publicações como um salmo bíblico, ou através de entrevistas com jornalistas chapa branca.
Modi tem se resguardado das declarações mais inflamadas, deixando estas para cargos de segundo escalão do governo ou outras figuras públicas de seu partido. Ele, que busca se apresentar como um protetor do país diante de uma “ameaça” paquistanesa. Uma figura que se constrói como um messias, um pai dos pobres, que se declara o unificador nacional.
Além de seu caráter paternalista, messiânico e de unificador da pátria, Modi buscou cultivar sua imagem para chegar ao poder. Surge com colares de pétalas, usando a tradicional túnica cor de açafrão, se mostra como um homem comum do povo, que conseguiu emergir através de suas ideias, enquanto apresenta seus adversários como membros da casta política e corrupta.
Apesar de vir de uma família de comerciantes que vendiam chá, como tantos outros indianos, Modi militou desde sua juventude em uma organização de extrema-direita, o Rashtriya Swayamsevak Sangh (União Nacional Voluntária). Na década de 80, ele começou a se destacar após se filiar ao BNP, chegando a ocupar postos de direção do partido em Gujarat. Décadas depois, em 2001, foi eleito primeiro-ministro deste estado que fica no oeste da Índia, fazendo fronteira com o Paquistão, e é o segundo estado mais industrializado do país. Um ano depois, Modi foi acusado de estar entre os principais responsáveis por instigar motins e perseguições religiosas de hindus contra muçulmanos, iniciando um conflito que causou mais de mil mortos.
Em 2001, o atual primeiro-ministro também se tornou dirigente nacional do BNP, e tem mostrado como o neoliberalismo é o melhor parceiro para um programa baseado em um discurso de ódio e segregacionista.
O nacionalismo hindu, a face indiana do crescimento da extrema direita mundial
O discurso do BJP vai ao encontro do sentimento anti-muçulmano. Templos hindus foram construídos onde antes existiam mesquitas. O presidente do BJP em abril descreveu os emigrantes vindos de Bangladesh como cupins, e permitia a criação de um registro nacional de cidadão que excluísse todos os que seriam “infiltrados, exceto budistas, hindus e sikhs”.
Assim como no Brasil, o WhatsApp e as fake news fizeram parte dos debates políticos e influenciaram os resultados das eleições. Na Índia, as redes sociais têm sido usadas pelos nacionalistas hindus para lançar boatos contra os muçulmanos e insuflar o debate de “nós, hindus, contra eles, os muçulmanos invasores”. Assassinatos de muçulmanos e de dalits (a casta onde estão os mais miseráveis da Índia) foram instigados por meio do aplicativo, após vídeos falsos e boatos onde estes grupos sociais teriam supostamente assassinado vacas, um animal considerado sagrado na cultura hindu.
O Paquistão, país vizinho de maioria muçulmana, com o qual a Índia disputa historicamente o território da Caxemira, tem sido o grande inimigo nacional. O BJP centrou grande parte de sua campanha na denúncia e na relação do país vizinho com o terrorismo, e que somente através de um governo forte e de unidade nacional seria possível derrotar as forças inimigas e invasoras.
A crise econômica indiana e a força dos trabalhadores
O governo de Modi e do BJP utilizou diversas medidas populares, como isenção das taxas de pagamento para gás e eletricidade para os setores mais pauperizados da população. Mas o governo não consegue resolver os problemas econômicos do país que se intensificam. A Índia hoje tem a maior taxa de desemprego dos últimos 45 anos, muitos empregos informais ou precários foram criados, aumentando a frustração social. São 393,7 milhões de empregos considerados altamente precários.
A desvalorização da moeda, a queda das exportações, a desaceleração da economia, são grandes problemas que Modi e o BJP vão enfrentar. No primeiro mandato, o primeiro-ministro realizou uma série de privatizações de diversos serviços públicos e empresas estatais, a resposta, em 2016 foi a maior greve geral da história da humanidade. 180 milhões de pessoas cruzaram os braços em resposta as medidas do governo.
Ao longo de seu mandato como primeiro ministro, Modi enfrentou 18 protestos nacionais, um número que mostra a disposição de luta dos trabalhadores indianos contra as medidas neoliberais do governo.
Em janeiro deste ano, nos 8 e 9, Modi viu novamente uma movimentação histórica. Os trabalhadores indianos quebraram o recorde, e fizeram uma nova greve geral, desta vez de dois dias, e maior que a anterior, com 200 milhões de trabalhadores aderindo à paralisação, convocada por dez centrais sindicais do país.
Modi buscou realizar mudanças nas leis trabalhistas, retirando o papel dos sindicatos e não mais reconhecendo estes, assim como buscou realizar um novo pacote de privatizações, na educação, saúde, e áreas estratégicas, como ferrovias e aviação. Os 200 milhões de trabalhadores saíram às ruas, reivindicando o aumento do salário mínimo, a criação de uma pensão mínima de 3.000 rupias por mês (R$ 169), medidas de segurança nos locais de trabalho, a criação de novos empregos e contra as privatizações e mudanças na lei trabalhista.
O país parou. Do cinturão de Déli, com seu setor industrial, passando pelas refinarias de petróleo de Assam e chegando as grandes áreas industriais de Karnataka, Punkan, Gujarate. As empresas multinacionais do país, como a Volvo e a Toyota, pararam. Nas empresas de aço e ferro a paralisação chegou a ultrapassar os 80%, enquanto nas de eletricidade e de chá, passou dos 50% dos trabalhadores parados.
São 520 milhões de pessoas que compõe a classe trabalhadora indiana. Destes, apenas entre 6% e 7% estão no mercado formal. E somente 2% são sindicalizados. Praticamente todos são funcionários públicos. O salário médio está entre os menores do mundo. No ano passado, a média salarial do país era de 7 mil rúpias, ou R$ 365 mensais. Os trabalhadores informais recebem a média de 4.500 rúpias, ou R$ 235. Ou seja, a exploração de um trabalhador indiano é brutal.
A geração de emprego no governo BJP tem sido bastante baixa. Por ano, 13 milhões de pessoas entram no mercado de trabalho, porém no primeiro mandato de Modi, apenas 400 mil empregos formais foram criados, o restante dos trabalhadores ou foram absorvidos pelo mercado informal ou passaram a fazer parte do exército industrial de reserva. Enquanto isso, somente ano passado, 11 milhões de trabalhadores perderam o emprego, em consequência da crise econômica e das privatizações.
Mulheres na vanguarda da luta
É comum vermos mulheres na linha de frente destas manifestações. São estas as mais atingidas pelo desemprego e postos de trabalho precário. No primeiro dia deste ano, ocorreu uma gigantesca manifestação feminista, na qual 5,5 milhões de mulheres deram as mãos e formaram uma corrente de 620 quilômetros. Isto se deu em defesa de uma decisão da Suprema Corte do país que autorizava a entrada de mulheres no templo de Sabrimala, no qual, até então, somente homens tinham acesso. Um duro golpe na “tradição” tão defendida pelo partido de Modi.
Foi através de manifestações e pressão que as mulheres indianas conseguiram acabar com o imposto sob os absorventes. O alto preço transformou o produto íntimo em algo de luxo. Cerca de 70% das indianas não tinham condições de comprar um absorvente. Parte delas improvisava criando absorventes artesanais, porém, ainda assim, 40% das mulheres do país não tinham nenhum produto para lidar com a menstruação. Isso é apenas uma pequena mostra da cultura machista que reina no país, em especial por trás do discurso de defesa da tradição de Modi e do BJP.
Perspectivas
O futuro em torno do governo Modi é incerto. Porém, algumas coisas são certas. O primeiro-ministro e o BJP irão cada vez mais tentar aplicar medidas privatizantes e novas retiradas de direitos dos trabalhadores. Estes já mostraram sua força. A classe trabalhadora indiana pode vencer as medidas neoliberais do governo.
É certo também que o discurso belicista contra o Paquistão, e a criação de um inimigo interno e externo é perigoso. O acirramento das tensões pode gerar um confronto de fato, apesar de que isso hoje não está na ordem do dia.
O governo Modi, e o BJP, é mais um exemplo de um regime autoritário e nacionalista. Na Índia o nacionalismo hindu é a face da extrema direita do país. Modi, que muitas vezes parece governar sozinho, sem uma equipe ministerial, tomando para si todas as decisões, é mais um dos diversos líderes que têm esse papel no mundo.
Um regime com características bonapartistas, que mistura religião, autoritarismo, um messias e um projeto neoliberal de destruição de direitos. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
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