Muitos militantes honestos ainda colocam em dúvida se as elites das Forças Armadas, especialmente o Exército, praticam a infiltração de seus agentes de espionagem e provocação nos movimentos sociais e nas organizações da esquerda brasileira. Embora a ditadura militar já tenha acabado oficialmente há mais de 30 anos em nosso país, muitas das práticas que foram utilizadas pelos órgãos de repressão, naquele período de triste memória, persistem até hoje.
Apesar de sucessivos governos eleitos, inclusive dos 13 anos de governos do PT, nada foi feito para desmontar este aparato repressivo. E, ao contrário, o que vimos é que eles não só se mantêm vivos, como vêm se fortalecendo nos últimos anos. Foi assim durante os chamados “grandes eventos” – Copa do Mundo e Olimpíadas, principalmente – onde foi possível enxergar seu funcionamento a pleno vigor, sem nenhuma censura de nenhum governo ou instituição.
Essa semana voltou a público um caso muito emblemático e que representa uma prova material da prática ilegal de infiltração de agentes de espionagem e provocadores do Exército em manifestações, movimentos sociais e organizações de esquerda.
O então Capitão do Exército, Willian Pina Botelho, foi preso junto com 18 estudantes, dia 4 de setembro de 2016, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), quando estes jovens organizavam a participação em um protesto. Como o Militar, que usava o codinome “Balta Nunes”, foi rapidamente libertado, o caso chamou a atenção dos movimentos sociais e das organizações de direitos humanos, que cobraram uma investigação exemplar à época. Agora, a Justiça mandou o Ministério Público Federal arquivar as investigações sobre o militar.
Depois deste episódio no CCSP, com uma rápida investigação, apenas acessando o seu perfil falso em redes sociais, criados já no ano de 2014, foi possível facilmente identificar a presença do oficial do exército e agente infiltrado participando de várias reuniões dos movimentos sociais e de esquerda. Por exemplo, como em atividades da Frente Povo Sem Medo e do MTST, uma das frentes de luta e um dos movimentos sociais que mais se destacaram nas manifestações contra o golpe parlamentar do Impeachment e contra o governo ilegítimo de Temer.
No final do ano de 2016, o então capitão Willian Botelho foi transferido para o Comando Militar da Amazônia, e promovido para Major de Inteligência, numa espécie de prêmio pelos serviços prestados. Desde os fatos ocorridos em 2016 até hoje, o agente infiltrado já tinha escapado de pelo menos 3 investigações, nos seguintes órgãos: no próprio Exército, no Ministério Público Estadual de SP e na Procuradoria da Justiça Militar. Essa é a quinta vez que ele escapa das investigações, em determinação do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região.
A decisão da sindicância no Exército foi considerada documento sigiloso até o ano de 2021, embora se saiba que ele foi totalmente absolvido das acusações. Afinal, o que esperar num julgamento feito numa instância das próprias Forças Armadas?
Os argumentos a favor do militar infiltrado sempre caiam numa mesma tese: ele não fez nada contra a lei, se apoiando na nova legislação chamada GLO (Garantia da Lei e da Ordem). O argumento é absurdo, merece nosso total repúdio, mas poderia até ser aplicado se sua atuação como infiltrado se limitasse no período dos “ grandes eventos”. Mas, suas atividades de espião e provocador começaram antes deste período “especial” e seguiu depois dele. Portanto, num artifício totalmente ilegal, além de ilegítimo e repugnante.
Sequer o requerimento da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ainda em 2016, pedindo a convocação dos Ministros da Justiça, da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional para prestar esclarecimentos sobre o caso “Balta”, nunca chegou a ser votado. Um absurdo.
As atividades de infiltração do agente “Balta” eram investigadas agora no Ministério Público Federal de SP. Quando o Procurador Marcos Ângelo Grimone se preparava para denunciá-lo por dois crimes: falsidade ideológica e usurpação da função pública; foi avidado da decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (TRF-3), responsável pelo Estado de SP, suspendendo as investigações.
A decisão do TRF-3 havia sido tomada no final do ano passado, mas o Procurador não tinha sido comunicado oficialmente, e prosseguia com as investigações. Ele chegou a declarar que estava prestes a denunciar o Oficial do Exército: “Fiquei de mãos atadas, infelizmente”, desabafou o Procurador Grimone.
O que mais absurdo é que o pedido de Habeas Corpus (HC), que pedia o arquivamento imediato das investigações, foi iniciativa da Advocacia Geral da União (AGU). Ela foi acolhida por decisão do TRF-3, mas cabia recurso. Entretanto, a Procuradoria Geral da União (PGR) abriu mão de recorrer, e a decisão transitou em julgado.
Assim, mais uma vez, o agora Major de Inteligência, Willian Pina Botelho, ou para quem preferir: o agente infiltrado “Balta Nunes”, escapou de ser investigado e condenado pelos seus crimes contra às liberdades democráticas. Pois, suas atividades, a mando da elite do Exército, representam um atentado ao mínimo direito à livre manifestação, garantido pela Constituição.
O perigo só aumenta com Bolsonaro, Mourão e a cúpula dos militares no governo
A vigência dos aparatos repressivos se torna ainda mais grave e perigosa para o povo trabalhador, a juventude e os oprimidos com a chegada de Bolsonaro a Presidência da República. No governo de extrema-direita está representada a elite das Forças Armadas e seu projeto autoritário de poder.
A fração militar do bolsonarismo já controla diretamente 8 dos 22 ministérios e mais de 100 cargos de relevância no atual governo. Além, da presença, sempre lembrada, do general da reserva, Hamilton Mourão, na vice-presidência.
Diante do momento de maiores crises e dificuldades do governo em impor sua agenda reacionária e do início de uma maior reação dos movimentos estudantis e da classe trabalhadora com o 15M, Bolsonaro e seus aliados já rapidamente apresentam suas “garras”.
Os adoradores da ditadura militar dizem que estão tentando impedir seu governo e apontam uma saída ainda mais autoritária para o país. Convocando protestos reacionários para o dia 26 de maio, próximo domingo.
A defesa de uma saída autoritária para a crise instalada no país sempre uniu Bolsonaro, Mourão e a maioria da cúpula das Forças Armadas. Não há diferenças de projeto político entre eles. Nosso combate deve ser ao conjunto deste projeto de extrema-direita, com seus fortes traços neofascista.
Nosso objetivo deve ser, cada vez mais, unir as lutas para derrotar o governo Bolsonaro de conjunto. Enfrentar nas ruas, mobilizados e organizados, uma saída ainda mais autoritária para o Brasil será um dos grandes desafios políticos para as manifestações nacionais do dia 30 de maio e 14 de junho – data marcada para a greve geral.
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