30 anos de atraso: a redemocratização chega à Unicamp, mas com limites

Lucas Marques, de Campinas, SP
Divulgação

O dia 26 de março de 2019 é histórico para a Universidade Estadual de Campinas. Foi aprovada no conselho universitário uma reforma que remove todo o entulho ditatorial que existia no Estatuto da Unicamp (nos artigos de 142 a 153) e no regimento disciplinar dos discentes (capítulo X do regimento geral da Unicamp). O antigo estatuto era cópia e cola do decreto 477 de 1969, responsável por instituir a repressão dentro das universidades. Bizarrices como a noção de desacato e a proibição de qualquer tipo de manifestação política marcavam o texto do antigo Estatuto.

Novo estatuto da Unicamp afirma manifestação política como direito assegurado pela constituição.

Há décadas os estudantes reivindicam uma revisão estatutária e a revisão do regimento disciplinar. É uma luta histórica contra este texto responsável por garantir a punição de diversos estudantes. No marco de um governo que afirmou que iria “aparar os centros acadêmicos” e promover uma “limpeza” nas universidade, o novo estatuto da Unicamp afirma manifestação política como direito assegurado pela constituição.

Com esse ato, a Unicamp se contrapõe ao projeto político do governo Bolsonaro, que determinou a comemoração do Golpe Militar de 1964 nos quartéis e que quer fazer com que a reitoria das universidades federais sejam escolhidas diretamente pelo governo. Esses são ataques à democracia e à liberdade de produção científica, que não pode estar submetida aos interesses do governo.

Trata-se de uma grande vitória, mas com limites. Ainda é preciso discutir aspectos fundamentais da democracia na universidade. O Conselho Universitário é composto por 70% de docentes, 15% de funcionários e 15% de estudantes. A mesma proporção se aplica para a consulta para reitor, que se trata de uma consulta, já que quem de fato escolhe o reitor é o governador. A discussão do novo estatuto passou ao largo da comunidade acadêmica, a reitoria enviou a proposta para a representação discente durante as férias. Além disso, não foi aceita a reivindicação do direito dos estudantes e funcionários de compor comissões de sindicância enquanto direito democrático, sendo esta responsabilidade exclusiva dos docentes. Nada muda em relação à estrutura de poder da universidade.

As graves ameaças postas pela atual situação política indicam a importância desse avanço, mas também apontam a urgência de avançar na democracia dentro da universidade. O movimento estudantil e de trabalhadores técnico-administrativos são força social na defesa da universidade pública e na disputa da sociedade para sua importância. A reitoria de Marcelo Knobel não pode seguir tomando parte na perseguição política daqueles que lutam em defesa da universidade, como vem fazendo ao dar continuidade aos processos abertos pela greve de 2016, que seguem apresentando graves erros processuais e caráter persecutório por parte de professores ressentidos.

A conquista das cotas étnico-raciais que se concretiza em 2019 com a primeira turma de ingressantes através das cotas também é um passo importante para a ampliação da democracia na Unicamp. Infelizmente, a situação da permanência estudantil e a falta de políticas da reitoria para a recepção dos estudantes indígenas se colocam como um obstáculo. Os estudantes se organizaram na rede de apoio Ubuntu para organizar algo que deveria ser responsabilidade do Estado: a colocação dos estudantes em moradias temporárias e mesmo a realização de uma campanha de arrecadação de dinheiro para custear as passagens dos estudantes.

Seguimos na luta por uma universidade mais democrática!