Opinião |A relação entre os movimentos sociais populares e os revolucionários: A adesão às necessidades concretas e urgentes da população como forma de atrair a população ao programa revolucionário
Publicado em: 7 de novembro de 2017
Por Arthur Valente*
Muito tem se falado nos últimos anos, principalmente a partir do processo de golpe parlamentar ocorrido em 2016, sobre os fatores que tanto levaram uma massa significativa de pessoas a manifestações encabeçadas pela direita neoliberal e autoritária, quanto a suposta apatia melancólica que hoje toma conta das massas ao se verem majoritariamente paralisadas frente à escrachada dominação do poder político por parte de grupos que são publicamente denominados pela própria mídia burguesa e demais veículos de propaganda como grupos criminosos.
Muitas das análises foram e têm sido feitas, e é possível já se enxergar conclusões comuns, como por exemplo: parte significativa da responsabilidade cai sobre os ombros do Partido dos Trabalhadores que durante todo o seu governo não forneceram à população nenhum ganho para além das possibilidades de consumo e, com isso, retrocedeu um trabalho promovido pelo próprio partido durante os anos 80, principalmente, de educação política voltada a uma consciência de classe que foi, aliás, o pilar ideológico pelo qual se sustentava ainda uma coesão programática na organização. É, também, inegável que, por conta do programa de conciliação de classes, durante seus governos, o próprio PT alimentou o que há de pior no espectro do pensamento de direita, através de cargos e/ou mesmo de tolerância por parte de grupos como o deputado Jair Bolsonaro, a bancada evangélica encabeçada, por entre outros, Marco Feliciano, a bancada da bala, a do boi e do empresariado. Alimentou o monstro até que este o engoliu e hoje o partido não se sustenta a não ser pela figura de Lula que pode acabar sendo impedido de concorrer à presidência e que, caso compita, pelo tom dos discursos que tem apresentado, deve propor como programa um reformismo ainda mais sem reformas, caso assuma a presidência da república oligárquica burguesa do Brasil mais uma vez.
Bom, tendo em mente essas análises e conclusões, fica à esquerda de um modo geral, e com mais afinco à revolucionária, reverter o quadro atual no sentido de virar o jogo contra as saídas burguesas para a crise que hoje – gostem ou não os apoiadores de Lula – tem no próprio PT também uma perspectiva, ainda que não tão apoiada quanto os candidatos de direita “moderada” que até agora não passaram de tentativas toscas e têm se tornado cada vez mais impopulares, como Dória. Há de se refletir e lembrar também que, em épocas de crise, a consciência geral das pessoas tende a cair para extremos e daí temos um cenário em que Bolsonaro, do alto de sua estupidez e insensatez reacionária, alcança apoiadores pelo país afora, majoritariamente entre as camadas médias da classe, mas não exclusivamente – e a isso também é necessário atentar.
Mas como virar este jogo?
A esquerda revolucionária parece estar caminhando bem em seu processo de autocrítica, no que diz respeito a compreender suas limitações e vícios históricos, como os problemas de burocratização interna, pouca compreensão sobre o fenômeno da quarta etapa – a não ser uma ou outra frase fácil, que remete aos revolucionários do começo do século XX, mas que podem e acabam se tornando pouco efetivas exatamente porque o capitalismo e a consciência política do mundo, por conta do tudo que veio depois, mudou, ainda que não essencialmente – e sobre como resgatar a interação entre revolucionários e população em geral que por hora se encontra perdida, engatinhando para se encontrar, quando deveria estar correndo contra o tempo. Se as discussões sobre a extensão da democracia de base e as análises sobre a quarta etapa parecem estar avançando num ritmo razoável por hora, simultaneamente, o acesso e o processo de envolvimento político e afetivo com as massas parecem ainda muito lentos perto do que nos coloca impositivamente as necessidades da realidade. Partindo daqui, então, nos desdobramos a pensar: O que fazer?
Talvez precisemos nos virar para os grupos que hoje já se encontram fora da direção petista, ainda que inegavelmente flertem com ela, e que conseguem centralizar no entorno de si uma massa significativa de pessoas que, como a maioria da população, não pertencem hoje a nenhum espaço outro em que a discussão política e que a disputa de consciência de classe possam ser feitas. É bom enfatizar: o trabalho imaterial hoje, não sindicalizado, é onde se localiza a maior parte da população trabalhadora do país. A mesma população, aliás, que, em muitos dos casos em que correm paralisações, greves, tanto nas fábricas quanto no funcionalismo público e universidades, ou nem fica sabendo das lutas que estão sendo travadas porque estas não chegam até elas, ou, quando ficam sabendo, são ludibriadas pelo discurso midiático a verem tais manifestações justas como irrelevantes, quando não como – em termo popular – vagabundagem. Mas a isso, não podemos atribuir uma análise rasa e nada produtiva de que as massas, por conta de sua alienação, tornam-se naturalmente estúpidas, reacionárias ou cegas. Na prática, a mesma pessoa que desconhece a realidade da fábrica, ainda que viva em condições extremamente precárias de exploração e opressão, conhece, muitas vezes, muito bem quais são seus problemas cotidianos e tem consciência, ainda que mesclada possivelmente com leituras religiosas, que a sua ausência de condições é resultado do abandono e/ou da repressão políticas por parte dos governos locais, além da condição precarizada de seu próprio trabalho. O trabalho dos revolucionários não é, portanto, e nunca foi, trazer as ideias revolucionárias para o seio da população através de conceitos amplos e/ou de acontecimentos que estão fora do alcance desta mesma população, mas, pelo contrário, demonstrar a necessidade e, principalmente, a possibilidade da revolução tomando como exemplo a vida concreta das pessoas ao construir espaços que elas possam se olhar como membros de uma mesma categoria de demandas gerais e, a partir destas demandas gerais, articular uma auto-organização que as coloque em movimento para lutar por aquilo que mais precisam, usando da teoria para viabilizar o horizonte daquilo que querem ou que podem vir a querer, a saber, a própria revolução.
A partir desta análise e do contexto de país que vivemos, fica, talvez, mais fácil visualizar o porquê de se ter como movimento atualmente mais vitorioso, massificado e combativo, ao menos na área urbana, o MTST. A pauta de moradia é uma pauta concreta que tem total relação com as relações antagônicas de trabalho da sociedade da capitalista – ainda que por si só não represente uma ruptura revolucionária – e pode, ou melhor, deve ser usada como ferramenta de disputa dos corações, mentes, braços e pernas que ali se encontram, com apoio ou à revelia de suas direções. Estas pautas concretas mais efetivas, se não têm por si uma base necessariamente revolucionária, têm em si a brecha para que um programa revolucionário possa ser desenvolvido, na medida em que – como é de entendimento dos revolucionários – todas as pautas reconhecidamente materiais, que vão da moradia às questões relacionadas às opressões estruturais – como o racismo, lgbtfobia e misoginia – tem ligação diretas umas com as outras e qualquer uma, de fato, pode ser usada como um fio a ligar e desenrolar o conjunto do problema do capitalismo na consciência das pessoas. Assim também são, em menor escala, os movimentos culturais da periferia, por exemplo, o Slam resistência, além dos movimentos comunitários por reformas de hospitais, saneamento básico e etc. Talvez o que ainda falte aos revolucionários de hoje, do Brasil, seja perceber e tomar partido – muito por conta de uma espécie de purismo que de fundo tem medo de se parecer contraditório, como de fato o é e é também o movimento da História – por uma movimentação que mantenha as disputas por dentro das organizações de trabalhadores já existentes, mas que se volte para dialogar com a população em seus lugares de vivência cotidiana, embarcando todas as pautas que vierem a surgir destes espaços e tratando de assimilá-las e compreende-las, além demonstrá-las, como parte do conjunto do sistema político-econômico atual que precisa ser derrubado. Inclusive porque, estando presente no conjunto do cotidiano das pessoas, possa também ajudar na organização daqueles trabalhos que ainda não têm – por uma série de fatores, mas principalmente por falta de respaldo e suporte para os trabalhadores que lá estão – organização trabalhista própria. Priorizar suas participações nestes espaços, girando constantemente seus militantes e convidando ativistas de forma a contribuir na construção, operação e uso desses espaços como espaços de luta e formação política, tanto quanto o faz em e para eleições sindicais, de diretórios de estudantes e etc.
É necessário entender a realidade em que vivemos de macro a micro e de volta ao macro, para que então possamos agir de modo adequado a fortalecermos nossas organizações revolucionárias. Para isto, o básico talvez seja nos voltarmos a escutar o povo nos locais em que este verdadeiramente se sente à vontade para falar e considerar suas demandas concretas, por menores que sejam, como possibilidades de vitórias que ao serem alcançadas, tornam-se a faísca necessária para explosão social revolucionária –por isso democrática, mas centralizada – que queremos e precisamos alcançar. Mãos à obra e braços abertos, então, e assim como dizem os companheiros do MTST: REVOLUCIONÁRIOS DO BRASIL, FOGO NO PAVIO.
*Este artigo corresponde as opiniões do autor e não necessariamente a do Portal Esquerda Online.
Foto: Carol Coltro
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