Cid Benjamin: Doze pitacos sobre a questão da corrupção
Publicado em: 4 de julho de 2018
A esquerda nem sempre tem tratado a questão da corrupção de forma adequada. Depois de tê-la abordado durante muito tempo a partir de um viés udenista, como fez o PT em seus primórdios, agora com frequência não percebe a importância que ela assumiu na luta política cotidiana e foge do assunto, como faz o PT hoje.
Os presentes pitacos, escritos a partir da provocação de um amigo que publicou um alentado artigo sobre o tema, têm um objetivo modesto: apenas trazer rápidas reflexões a respeito. Como se trata disso, e não de um trabalho de mais fôlego, ele não é uma contraposição ao artigo. São apenas rápidas reflexões para enriquecer o debate.
- Para início de conversa, é preciso lembrar que o debate sobre corrupção hoje no Brasil está contaminado pela degeneração do Judiciário, que tem escancarado seu caráter de classe ao agir politicamente sem qualquer prurido, seja protegendo tucanos e assemelhados, seja forçando a barra para, por exemplo, inviabilizar a candidatura de Lula, ao condená-lo sem provas, para ficar apenas nesses exemplos.
- Dito isso, é bom se ter presente que o maior problema da corrupção não é que ela retire recursos que poderiam ser utilizados nas áreas sociais. Claro que isso ocorre e é grave. Mas o pior é que a corrupção contribui para desmoralizar a prática política, passar a ideia de que ela é uma atividade suja e fortalecer a noção, já existente no imaginário popular, de que todos os políticos são corruptos. Isso afasta as pessoas, fazendo com que se desinteressem da política, e joga água no moinho do conservadorismo, pois se não há interesse pela política é difícil que haja mudanças na sociedade.
- Alguns responsabilizam as denúncias de corrupção pelo enfraquecimento da política. É errado. O que enfraquece a política não é o combate à corrupção ou a denúncia dela, mas a sua existência. A denúncia só não contribui para o saneamento do cenário político se o discurso se esgota nela, ou se é posta em primeiro plano, transformando-se na questão central. Mas ela deve ser, sim, um elemento da prática da esquerda, devido ao papel deletério que a corrupção traz para a política em geral e a consciência das pessoas.
- Se é verdade que o combate à corrupção na forma como é feito muitas vezes “despolitiza a política”, o maior problema não está na denúncia, mas na existência, em si, da corrupção. Ela é o ponto de partida. Desgasta a política e faz com que muita gente se afaste dela, vendo-a como algo sujo. Esse efeito deletério na percepção das pessoas em geral a respeito da política é gravíssimo. Serve para ajudar a que as coisas fiquem como estão, favorece o conservadorismo. Este é um problema que não deve ser ignorado. A corrupção é, em si, portanto, despolitizadora. Por isso, mais do que por outra razão até, é importante que seja combatida seriamente. Esse combate é uma espécie de ponto de partida para limpar o terreno e para que as questões substantivas e programáticas assumam o centro do debate, como interessa aos que lutam por transformações sociais.
- Assim, não basta que a esquerda, ao tratar do tema, afirme que – claro!! – é contrária à corrupção. Ora, quem não diz isso? Quem seria a favor? É preciso ir além dessa declaração vazia. É preciso deixar claro, além de dizermos que não apoiamos a corrupção, o que propomos. É preciso que – garantido o devido processo legal – os corruptos sejam, sim, investigados e punidos de forma exemplar.
- Mais: no debate é necessário ir além dos procedimentos tipificados no Código Penal. Estes últimos são passíveis de punição no plano legal. Mas, deve-se levar em conta também – e criticar – relações promíscuas estabelecidas entre determinados personagens e o grande capital, mesmo que elas não configurem um crime. Assim, não é crime, para ficar só neste exemplo, que um ex-presidente tenha despesas pessoais pagas por uma empreiteira, como foi o caso de Lula, que teve sua mudança de Brasília para São Paulo bancada pela OAS, depois de deixar a chefia do Executivo. Mas não este é um tipo de relação aconselhável. Favores desse teor são impróprios e quem os aceita deve ser criticado politicamente, ainda que não possa ser alvo de uma ação penal.
- Na prática, não serve muito a associação que muita gente de esquerda faz entre capitalismo e corrupção, como que naturalizando a existência dessa última numa sociedade capitalista. Ora, no capitalismo a forma pela qual o capital se apropria do excedente é, por excelência, a mais valia. A burguesia rouba (pra usar uma expressão mais direta) essencialmente por esse mecanismo, não por meio da corrupção tal como a conhecemos. Esta última seria, por assim dizer, um desvio, uma deformação. Aliás, não se deve perder de vista que há sociedades capitalistas com índices de corrupção relativamente pequenos, se comparadas com a média mundial (Japão e países escandinavos, por exemplo). E houve sociedades “socialistas” (ou em que havia “estados operários degenerados”) em que já se tinha corrupção e, depois, com a restauração, hierarcas do partido supostamente comunista se transformaram em verdadeiros capos mafiosos do capitalismo. Deram um banho de corrupção nos velhos burgueses.
- Assim, a associação corrupção/capitalismo tem pequena sustentação na vida real. Nem todas as sociedades capitalistas são igualmente corruptas e nem todas as sociedades pós capitalistas estão livres da corrupção. Além disso, a associação tem quase nenhuma serventia na política prática. Até porque não é uma explicação que podemos dar à sociedade na luta política concreta.
- O PT – ou, pelo menos, parte de seus dirigentes – prestou um enorme desserviço à esquerda ao se “lambuzar”, para usar a expressão do ex-ministro Jacques Wagner. Até então, as principais figuras da esquerda tinham cometido erros políticos, mas nunca haviam se degradado moralmente e enveredado por esse caminho. Quando parte de seu núcleo dirigente se corrompe, o PT dilapida um capital político importante que não era só dele, mas de toda a esquerda. Afinal, qualquer pessoa sabe, por intuição que seja, que não se pode ser socialista se não se é republicano. E nunca é demais lembrar uma frase de Pepe Mujica: “Se alguém quer enriquecer, que o faça. No capitalismo isso é permitido. Mas que o faça longe da política”.
- Quem pretende lutar por transformações não pode perder de vista a luta política na sociedade. Um processo de transformações, seja de caráter reformista, seja de caráter revolucionário, pressupõe a disputa pela hegemonia na sociedade (até mesmo um processo armado não dispensaria essa disputa). Isso tem uma consequência: só se deve fazer o que possa ser assumido e defendido publicamente. Na luta armada contra a ditadura, por exemplo, assaltavam-se bancos, mas (independentemente da correção ou não da linha política desses revolucionários) se podia defender a legitimidade dessas ações.
- O dito acima não significa que toda e qualquer ação política hoje tenha que se limitar aos marcos legais. Pode-se, em certas circunstâncias, desenvolver ações que firam a lei (determinadas ocupações, por exemplo). Afinal, a democracia é construída também alargando-se seus limites e, às vezes, forçando os marcos legais, de uma forma plebeia. Mas – atenção! – é preciso que essas ações possam ser sustentadas como algo legítimo. E, como sustentar como legítimo a corrupção? Ela é indefensável. Seja se desvia dinheiro para um partido, seja, ainda com mais razão, se vem para engordar as contas bancárias de dirigentes. Assim, a corrupção praticada por setores da esquerda no Brasil é um problema sobre o qual ainda se terá que prestar contas à sociedade. A cobrança vai continuar pairando sobre suas cabeças. E, não nos iludamos, as consequências disso não atingem apenas as determinadas correntes e acabam respingando em toda a esquerda.
- Assim, no Brasil a questão da corrupção segue sendo um problema para a esquerda explicar. É um mau caminho tentar fugir do debate.
Foto: Protesto em Brasília. Antonio Cruz/Agência Brasil
Top 5 da semana

brasil
Prisão de Bolsonaro expõe feridas abertas: choramos os nossos, não os deles
colunistas
O assassinato de Charlie Kirk foi um crime político
brasil
Injustamente demitido pelo Governo Bolsonaro, pude comemorar minha reintegração na semana do julgamento do Golpe
psol
Sonia Meire assume procuradoria da mulher da Câmara Municipal de Aracaju
mundo