Coringa e a distopia niilista pós-moderna
Publicado em: 12 de outubro de 2019
Colunistas
Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
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Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Não é, evidentemente, um filme de entretenimento de super-heróis, ou de ação, embora tenha três cenas de catarse que são pura violência horrenda, medonha, aterrorizante.
“Why so serious?” (Tão sério, por quê?) era o bordão do Coringa contra o Batman da minha infância, e eu adorava. O personagem tinha um irreverente e desafiador senso de humor. O Coringa perdeu a graça e o humor morreu. Sua gargalhada é anormal e monstruosa.
A imagem melancólica de um palhaço infeliz de quem ninguém ri, como metáfora de um trabalhador anônimo, atravessou o século passado. A expressão mais delicada e inspiradora foi a genial criação do vagabundo Carlitos de Chaplin em comédias de máxima humanidade.
O Coringa do século XXI é um filme muito triste. Não há um fio de esperança em Coringa. A revolução dos clowns levanta a bandeira de “morte aos ricos”, mas Coringa não é um filme sobre a injustiça. O terreno da política é o da luta pelos destinos coletivos, e Coringa é um filme sobre a amargura, a frustração, o ressentimento de um homem com fantasias de grandeza.
O tema não é a injustiça, mas a loucura. É um filme sobre a vingança.
O Coringa é um assassino justiceiro paranoico. E desperta impulsos fascistas de “limpeza social” destruidora. Estamos, culturalmente, na época da pós-modernidade, e cresceu o apelo de romantização de distopias. Coringa é uma narrativa sobre a solidão de um maníaco infantilizado, e as fraturas caóticas de uma sociedade que regrediu à barbárie. Os personagens são todos execráveis, alguns somente mais abomináveis que outros.
Tem uma dimensão emocional forte agigantada pela música. A dramaturgia é simples. Mas exagerada. Portanto, é novelesco. A narrativa favorece, cruelmente, a empatia com o personagem. Porque o Coringa é apresentado como uma vítima. E ele está devorado pela autopiedade. A interpretação de Joaquin Phoenix é imensa, monumental, perturbadora.
Acontece que o Coringa não é um anti-herói, é um psicopata. E a revolução dos clowns é insana. Mas o mundo precisa de uma revolução. Eis o paradoxo. A revolução do futuro irá além das revoluções do passado. Será uma revolução das pessoas comuns, os trabalhadores, as mulheres, os negros e a juventude, e será, inevitavelmente, radical, mas, também, alegre, porque inspirada em justiça e esperança, não no rancor.