Seis aspectos do fascismo
Publicado em: 14 de janeiro de 2020
Especificamente, vemos o fascismo como uma expressão da decadência e desintegração da economia capitalista e como um sintoma da dissolução do Estado burguês.
Clara Zetkin
O fascismo tornou-se um tema atual. Não é mais algo do passado. A extrema direita cresce em vários lugares do mundo. No Brasil, depois do golpe de Estado de 2016 e do governo ilegítimo de Michel Temer, foi eleito fraudulentamente Jair Bolsonaro para presidente. De fato, há um ano a extrema direita governa o país. Por isso, importância de entender o fascismo, movimento típico da direita radical, para poder combater e derrotar todas suas formas que ressurgem das sombras para defender o sistema decadente capitalista. Nesse sentido, o diálogo com revolucionários que viram os movimentos fascistas nascerem e se desenvolverem é condição para a vitória da luta socialista nos dias atuais.
Leon Trotsky, em um texto de 1932, apanhou o essencial do fascismo:
No momento que os recursos policiais e militares “normais” da ditadura burguesa, em conjunto com as suas defesas parlamentares já não são suficientes para manter a sociedade num estado de equilíbrio – chega a vez dos regimes fascistas. Através da organização fascista põe em movimento as massas da pequena burguesia enlouquecida e os bandos desclassificados e desmoralizados do lumpemproletariado – todos os inúmeros seres humanos que o capital financeiro ele próprio levou ao desespero e à fúria.
Do fascismo a burguesia exige um trabalho completo; uma vez que ele recorre ao método da guerra civil, ele insiste em ter paz por um período de anos. E a organização fascista, através do uso da pequena burguesia como tropa de choque, esmagando todos os obstáculos no seu caminho, faz um trabalho completo. Após a vitória do fascismo, o capital financeiro direta e imediatamente concentra nas suas mãos, como que com tenazes de aço, todos os órgãos e instituições de soberania, a administração executiva, e os poderes educacionais do estado: todo o aparelho de Estado, juntamente com o exército, os municípios, as universidades, as escolas, a imprensa, os sindicatos, as cooperativas. Quando um Estado se torna fascista, isso não significa apenas que a forma e os métodos do governo mudaram de acordo com o modelo estabelecido por Mussolini – as mudanças nesta esfera afinal jogam um papel menor – mas significa acima de tudo que as organizações dos trabalhadores são aniquiladas, que o proletariado é reduzido a um estado amorfo, e que é criado um sistema de administração que penetra profundamente nas massas o qual serve para frustrar a cristalização independente do proletariado. Eis precisamente o fundamental do fascismo…(1)
Baseado na teoria de Trotsky sobre o fascismo, presente em vários textos dos anos 1930, Ernest Mandel (1976) identificou uma unidade de elementos integrados em uma totalidade histórica. Desses, o momento determinante da ofensiva fascista é o objetivo de destruir a “democracia operária”, isto é, o movimento operário organizado em sindicatos, cooperativas e partidos, além de suas conquistas históricas. Eis os seis aspectos do movimento fascista ocorridos com destaque na Itália e Alemanha.
Primeiro, a ascensão do fascismo foi expressão de uma crise estrutural do capitalismo que coincidiu, nos anos 1929-1933, com uma crise econômica clássica de superprodução. De fato, ocorreu a impossibilidade da acumulação normal de capital dentro das condições existentes do nível de salários reais, da produtividade do trabalho da disponibilidade de matérias-primas e mercados. Nesse contexto, a tomada do poder pelo fascismo é a alteração pela força e pela violência, a favor dos grupos decisivos do capital monopolista, das condições de reprodução do capital.
Segundo, na época do capitalismo monopolista, a burguesia exerce seu domínio político de maneira mais produtiva por meio da democracia parlamentar burguesa. Por duas razões: a redução das tensões sociais através da concessão de certas reformas, e por outro possibilita às diversas frações burguesas disputarem e participarem do exercício do poder político por meio de instituições como partidos, universidades, organizações patronais entre outras. Tal domínio, no entanto, exige o equilíbrio estável de forças históricas e sociais. Quando há uma ruptura neste equilíbrio, devido a uma crise econômico-social, torna-se necessária a instauração de uma forma mais centralizada do poder de Estado, mesmo que isto signifique a renúncia do exercício direto dos negócios públicos por parte da burguesia.
Terceiro, a maior centralização do Estado, para a recomposição do processo de acumulação capitalista pressupõe a destruição de conquistas do movimento operário, o que não pode ser realizado por meios meramente técnicos. A simples repressão não tem capacidade de atomizar e desmoralizar, por um longo período, uma classe social consciente, impedindo a resistência espontânea dos trabalhadores. Para isso ocorrer é necessário um movimento de massas que desgaste e reprima os setores mais conscientes da população trabalhadora, por meio do controle político dos assalariados, da influência ideológica sobre os setores mais atrasados e da efetivação da colaboração de classes pelo enaltecimento dos interesses maiores da “nação” ou da “raça”.
Quarto, a base de tal movimento de massas é a pequena burguesia (2), vitimada além do processo de centralização e concentração de capital, pela crise estrutural do capitalismo, o que provoca falências das pequenas empresas e desemprego de técnicos e diplomados. Tal situação conduz, fruto do desespero, à constituição de um movimento político pequeno-burguês, que mistura num caldo de cultura nacionalismo extremo, demagogia anticapitalista e ódio visceral ao movimento operário organizado. Sob a bandeira de combate ao “comunismo ateu” e às “doutrinas alienígenas” o movimento fascista começa atacando fisicamente os operários, suas organizações e manifestações. Em seu desenvolvimento até a tomada do poder, aumenta a dependência financeira e política de setores da burguesia monopolista.
Quinto, a ascensão do movimento fascista significa o esmagamento de qualquer resistência popular. A experiência ítalo-germânica demonstra que, inicialmente, os grupos fascistas organizam a mais desesperada parcela da pequena burguesia. O grosso das massas pequeno-burguesas, como os setores mais atrasados e desorganizados dos assalariados, oscilam entre a reação fascista e o movimento político dos trabalhadores. É da incapacidade deste de oferecer uma alternativa para a crise, de acordo com seus interesses, que surge a possibilidade da vitória do fascismo.
Sexto, após a derrota do movimento operário, o movimento fascista é absorvido pelo Estado burguês, reprimindo o radicalismo das bases pequeno-burguesas e servindo aos interesses do capital monopolista.
Tais são os elementos aproximativos da racionalidade interna do fenômeno fascista, onde combinam-se de forma dialética fatores objetivos e subjetivos em uma mesma totalidade, que se apresentou de forma diferenciada em vários países, conforme suas especificidades. Nos países imperialistas, como Itália e Alemanha, o fascismo revelou seus diversos momentos em toda sua rudeza explícita.
* Frederico Costa é professor da Faculdade de Educação de Itapipoca da Universidade Estadual do Ceará – FACEDI/UECE. Diretor da SINDUECE. Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO. Artigo teve como base o texto: COSTA, Frederico. A pedagogia do sigma. Cadernos da pós-graduação em educação, v.13, 2000, Universidade Federal do Ceará – UFC.
NOTAS
1 – Como Mussolini triunfou? de “Que fazer? questão vital para o proletariado alemão”, 1932, Publicações VORKUTA.
2 – “…a pequena burguesia deve ser conceituada como uma classe social própria e a partir de duas determinações fundamentais. Primeira, a propriedade dos meios de produção ou de serviço, que a separa qualitativamente do proletariado. Segundo, o trabalho manual ou intelectual, que a separa qualitativamente dos capitalistas” (ROCHA, 1989: 73).
Referências Bibliográficas
MANDEL, E.Sobre o fascismo. Tradução M. Rodrigues. Lisboa: Edições Antídoto, 1976.
ROCHA, Ronald. Teses tardias: capitalismo e revolução social no Brasil moderno. São Paulo:Editora Interferência, 1989.
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