Bolsonarismo golpista e a unidade de esquerda
Publicado em: 5 de março de 2020
Não deveríamos nos surpreender com Jair Bolsonaro, mas nos surpreendemos. Desta vez, o presidente participa da convocação de atos com alto teor (auto)golpista. Entre as difusas palavras de ordem anunciadas para o ato do dia 15/03, uma das mais marcantes e repetidas é a de fechamento do Congresso. Trata-se de uma nova demonstração do ímpeto autoritário de Bolsonaro e do bolsonarismo. De todo modo, o governo atual não se resume a Bolsonaro e, aliás, o que une as diferentes frações da elite dentro do governo não é o autoritarismo bolsonarista, mas o projeto econômico que a popularidade de Bolsonaro tornou palatável. Não é novidade que a utopia neoliberal tomou duros golpes na sua aceitação dada as recentes crises. O ressentimento gerado pelo neoliberalismo é o que dá caldo a recente onda nacionalista, xenofóbica, racista, machista, LGBTfóbica e de extrema-direita que se prolifera pelo mundo. Não obstante, é o próprio neoliberalismo que desenvolve formas de catalisar esse ódio de modo a mesclar seu próprio projeto com estas manifestações regressivas que presenciamos. De tal modo, uma figura como Bolsonaro, perfeita encarnação desse perfil, mescla sua caracterização neofascista com o projeto econômico desejado pela elite.
No entanto, Bolsonaro não é imprescindível. Ele é a face mais abjeta desse sistema, talvez a face que a burguesia relutantemente aceita para o momento. Não é o caso, entretanto, de ser a forma ideal. Bolsonaro bem sabe disto, por isso nos deparamos com a recente convocação. O que Bolsonaro tem, e o restante da elite não possui, é poder de mobilização. Não podemos superestimar o bolsonarismo, muito menos subestima-lo. O que está ocorrendo é um teste. As grandes manifestações pelo impeachment e todas as outras expressões de direita nas ruas se deram em um combinado de diferentes organizações que as convocaram. Muitas destas já buscam descolar sua imagem da de Bolsonaro, não tomando parte da convocação atual. Bolsonaro e o clã testam o alcance do bolsonarismo.
Esta é a conjuntura atual do andar de cima e os seus conflitos. O que significa para nós, no andar de baixo? Divulgamos nos nossos círculos a necessidade de uma unidade de esquerda. De fato, mais do que nunca, essa deve ser a nossa palavra de ordem, o nosso mote. Isto significa, entretanto, ir além de eventuais e pontuais momentos de unidade. Para o mês de março teremos importantes manifestações nas quais estaremos juntos, como o 8M, a luta por justiça por Marielle e uma nova rodada de manifestações em defesa da educação. De todo modo, precisamos ir além destes encontros. Precisamos de uma frente programática, uma real aliança entre a esquerda que, sem dúvidas, é diversa e possui suas contradições, mas que, em um momento como tal, deve necessariamente possuir mais convergências. Se nos propomos a enfrentar o neofascismo e o neoliberalismo, precisamos estar juntos de fato nessa luta. A unidade nas campanhas municipais é um passo importante – e ainda irresoluto na nossa capital – que precisamos dar nesse momento, mas é necessária também uma frente de lutas mais articulada, permanente e coesa. A história nos prova que de eleição em eleição quem apanha são os oprimidos e que o nosso divisionismo em momentos cruciais representa a nossa derrota. Uma frente de esquerda é o que precisamos para resistir e, mais do que isso, propor um horizonte transformativo.
Se quisermos estar à altura dos desafios do período, precisamos ter a maturidade de olhar para o nosso passado e seus equívocos, para as nossas diferenças e desavenças, para que de forma solidária e companheira possamos conjunta e coletivamente tecer as soluções para a crise social, política, econômica e humana que atravessamos. O presente é complexo e complexas serão as respostas para as nossas encruzilhadas. O tempo de imobilidade contemplativa e abstrata já passou, é preciso agir e agora. Mas juntos.
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