Publiquei um texto no Esquerda Online comentando a foto de onze colegas (dos tempos do centro acadêmico “XI de Agosto”, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na virada dos anos 80) comemorando a posse de Toffoli na Presidência do STF. Respeitando o catolicismo de “Sua Excelência”, usei “imagens religiosas” para ler as “chagas” da imagem fotográfica: ao contrário de São Tomé, eu não precisava “ver para crer”. Infelizmente, eu vi o que só confirmava a minha inabalável descrença: os onze “apóstolos” comungaram com o 12º, reconhecendo nele o novo “Messias”. Para não perder a metáfora “bíblica”, chamei o “José de Marília” (José Dias Toffoli não nasceu numa manjedoura em Belém) de “Toffoli Iscariotes”, lembrando que o discípulo dissimulado traiu seu “Mestre”, deixando “Jesus da Silva” agonizar na “cruz da injustiça”. A “Via Crucis” do “Cristo de nove dedos” terminaria, como desejavam os traidores golpistas, no “Monte Calvário” de Curitiba: aliás, esqueci-me de dizer que, não por mera coincidência etimológica, “calvário”, em latim, e “gólgota”, em hebraico, significam “lugar da caveira”.
Notei só agora, revendo a imagem dos XI devotos de “São Dias Toffoli” na “Nova Jerusalém” de Brasília, outro detalhe importante: o paradoxo entrega que eu não poderia esquecer isso se não fosse ateu, não é mesmo? Fazendo a autocrítica, enfim, apesar de ter identificado que o cenário ao fundo era a “Praça dos Três Poderes”, confesso que eu não havia percebido nela a evocação do “Sinal da Cruz”: meus colegas, que fizeram a “Primeira Comunhão” e são religiosos, naturalmente estavam rezando “em nome do Judiciário, do Legislativo e do Executivo”. Confesso também (já que a “confissão” faz parte do rito, né?) que a minha desconfiança religiosa não me fez “ver para crer” que o número “3” apareceria na solenidade que a foto não revelou: Toffoli, ao centro, representava o “Deus do Judiciário”; sentado à sua esquerda, “São Temer do Executivo”; à sua direita, “Santo Eunício do Legislativo”. Enfim, gostaria de pedir perdão pelo grave pecado cometido, esperando que a benevolência dos colegas diminua a minha penitência (a propósito, sendo o Estado “laico”, não é curioso que “pena” e “penitência” sejam palavras cognatas?).
Para me redimir, provando que sou um “homem de boa vontade” e estudo a “Bíblia Sagrada”, gostaria de propor aos colegas um “quiz cristão” sobre “José de Santo Cristo” (não é pecado lembrar o “Faroeste Caboclo”: afinal, o ministro gosta de cantar Renato Russo, né?). Como bons “evangelistas” que os XI são, evidentemente sabem que o jogo cumpre um papel didático, auxiliando este iniciante a compreender melhor as lições básicas do “catecismo” do poder. Indo direto ao ponto, vou explicar a vocês em que consiste a “brincadeira”: depois que eu apresentar algumas personagens bíblicas, os XI me responderão qual delas Toffoli estaria representando na “Santa Corte”. Não me esquecendo de que já o comparei ao traidor de Jesus, comecemos por ele, para não dizerem que não falei da “coroa de espinhos” na testa da democracia:
Judas Iscariotes:
De acordo com os evangelhos, é o apóstolo de Jesus que o traiu, entregando o “Mestre” aos algozes por trinta moedas de prata. O nome “Judas” é derivado do hebraico “Judá”, que significa “louvado”, “abençoado”: o sobrenome “Iscariotes”, em uma das hipóteses etimológicas, teria vindo do aramaico “saqar”, que significa “mentiroso”, “falso”. Os XI do “XI” não só, inegavelmente, “louvam” o “abençoado” (por “Jesus Lula”) “Judas do Judiciário”, como também, evidentemente, omitem a “mentira” e a “falsidade” em suas raízes genealógicas. Pergunto, então, aos jogadores deste “quiz cristão”: vocês creem que o “Iscariotes” de Marília será citado vinte vezes na Bíblia do STF, como o foi o delator de Cristo nos relatos canônicos? Vocês acham que o beijo de Toffoli em Lula será lembrado como o “beijo de Judas” em Cristo, metáfora da amizade falsa e da hipocrisia na cultura popular? Em todo o caso, diferentemente de Judas, sabemos que o traidor do ex-presidente não irá se enforcar: afinal, é ele que tem o poder de mandar qualquer “nazareno” (não só o nordestino de São Bernardo) para o inferno dantesco (não só no inverno curitibano) desta “Maldita Tragédia Desumana”, não é mesmo, meus XI divinos balzaquianos de Agosto (perdoem-me juntar Balzac e Dante nesta trágica “comédia jurídica”)?
José de Arimateia:
Este xará do “José de Marília” (qualquer semelhança com o “José de Maria” é mera coincidência paronomástica) não era do interior de São Paulo (que, aliás, é o nome de outro apóstolo que virou santo), mas natural de Arimateia, uma cidade da Judeia (de onde deriva, a propósito, o nome “Judas”, o falso apóstolo que nunca foi santo). Segundo os “autos” evangélicos, este José (o de Marília, na verdade, é seu xará) era um próspero comerciante que, além de proprietário de uma frota de navios de exportação, foi também senador e membro do “Sinédrio” (o STF judaico da época). Guardadas as devidas proporções, apesar de o José dos XI devotos de Agosto nunca ter sido dono de uma frota de navios ou senador, ele é membro do “Sinédrio” de Brasília. Como o José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, o de Marília parecia ser o de Lula: aliás, não parecia, já que os dois Josés não podiam confessar a crença. O de Arimateia porque tinha medo de sofrer retaliações de seus pares, denunciado como cúmplice do líder acusado de “agitador blasfemo”. O de Marília porque passou a ter mais medo ainda, após o golpe, de ser perseguido como partidário do líder preso por seus pares de toga (perdoem-me a aliteração, mas a língua do poder tem mesmo muitos “pês”). O de Arimateia era amigo de Pôncio Pilatos: poderia ter intercedido pelo condenado, mas tremeu na porta do Pretório. Na mesma noite, sonhou com um anjo que lhe disse que o destino de Jesus já estava selado, mas que ele ainda poderia agir. José, então, pediu a Pilatos que lhe desse plenos poderes sobre o cadáver do injustiçado, para que este recebesse um enterro digno: os corpos dos crucificados, lembremos bem, eram jogados a céu aberto, para serem devorados pelas feras. Dizem que foi José de Arimateia quem deu o lençol de linho que cobriu o corpo de Cristo: os XI do XI creem que “José de Marília” também sonhará com um anjo e fará o mesmo por “Jesus Lula”? Será que ele também cobrirá o corpo do ex-presidente, fazendo da bandeira do PT o “Santo Sudário” do injustiçado?
Caifás:
Para quem é leigo nos assuntos bíblicos como eu (apesar de que tenho me esforçado bastante, meus caros “Apóstolos do XI”, em respeito a “Sua Excelência”), vale saber que Caifás, no Novo Testamento, é o nome do Sumo Sacerdote judaico (entre 18 e 37 d.C.), designado para o cargo pelos romanos. Nessa qualidade, acumulava também a função de chefe da Corte Suprema dos judeus, o “Sinédrio”. Consta dos “autos” evangélicos, conforme os depoimentos de Mateus e João, que Caifás representou o papel principal no rito do julgamento de Jesus, após a sua prisão no “Jardim de Getsêmani”. A acusação de que teria cometido o crime de “blasfêmia” levaria à sentença condenatória do “Messias”. O “Evangelho de Mateus” (Mateus 26:57-67) narra a cena do interrogatório de Cristo pelo Sumo Sacerdote (ancestral de Moro e Cia.), relatando a dificuldade dos “magistrados” para encontrar “falsas evidências” que o incriminassem. Abrindo parêntese, os doutos onze do “XI de Agosto” não acham essa história bíblica muito parecida com a tal da “forte convicção” dos nossos juízes sem juízo e promotores do caos jurídico? Enfim, por falar em semelhanças que não parecem só meras coincidências, gostaria de lhes recordar uma passagem do “Evangelho de João” sobre a sessão plenária em que Caifás, acompanhado dos “sacerdotes e fariseus” da Corte, defende a necessidade de dar um fim naquele homem cuja influência se disseminava entre o povo. Peço-lhes mais um breve parêntese para que me esclareçam uma dúvida: não seria por esse motivo, guardadas as devidas proporções entre o antigo “Sinédrio” e o moderno STF, que Lula não apenas foi impedido de disputar as eleições presidenciais, mas também proibido de falar? Confesso-lhes, nobres discípulos de “José de Marília”, que me parece bem atual o pronunciamento dos principais membros daquele tribunal: “Vós nada sabeis, nem considerais que convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação. Ora, ele não disse isso de si mesmo” (João 11:46). Os XI certamente devem ter recordado o que disse o governador da Judeia, Pôncio Pilatos, quando os sacerdotes lhes trouxeram Cristo, exigindo a sua execução: “Tomai-o vós, e crucificai-o, porque eu nenhum crime acho nele” (João 19). Quem sou eu para ensinar o “Pai Nosso” aos vigários, não é mesmo? É óbvio que os XI franciscanos de Agosto conhecem muito bem o final dessa história: Pilatos lavou as mãos, deixando a turba enfurecida decidir quem seria absolvido (“benevolência” que fazia parte da cerimônia de celebração da Páscoa judaica). Os sacerdotes incitaram a multidão a escolher libertar “Barrabás” e crucificar Jesus e o “Bom Ladrão”.
Para concluir esse “quiz cristão” em honra ao Sumo Sacerdote do STF, lembro aos XI do XI, que juraram “em nome do Judiciário, do Legislativo e do Executivo” no altar da “Praça dos Três Poderes” (a “Santíssima Trindade”), que o júri popular escolheu um nome entre “3”: enquanto o “Mau Ladrão” é sempre absolvido (Aécio, Jucá e Cia.), Jesus e o “Bom Ladrão” são sempre as vítimas. Aliás, parece-lhes mera coincidência que Pedro tenha renegado Cristo “3” vezes e que o nome de “Pôncio Pilatos” tenha “13” letras, e que “13” seja o número do PT? Ah, meus XI acadêmicos de Agosto (desculpe se parece nome de escola de samba), já que citamos “A Divina Comédia” para falar dessa tragédia com ares de farsa, Dante também tinha uma obsessão pelo número “3”: o “Inferno”, o “Purgatório” e o “Céu” são os “3” livros que compõem as obra; cada parte é constituída de “33” Cantos (a idade com que Cristo morreu); as estrofes são estruturadas em “terza rima” (“tercetos”). Enfim, será que há algum mistério a ser revelado pelas recorrências numerológicas? Será que os XI notaram que o nome de “Pôncio Pilatos” tem “13” letras? Enfim, perdoem-me ter falado tanto: passo a palavra a vocês, que conhecem os segredos das inscrições sagradas muito melhor do que este incrédulo ateu!
*Paulo César de Carvalho (Paulinho) é militante da RESISTÊNCIA-PSOL e protesta contra o Bonaparte de toga que preside o STF.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
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