A sensação causada ao assistir o debate na Bandeirantes, para muitos, foi uma mistura de risada com desespero. A sensatez parecia estar longe do Cabo Daciolo, que conseguiu superar as expectativas de ignorância geradas pela ida de Bolsonaro ao debate. Os memes demonstram bem quem ganhou o título de candidato mais despreparado. Contudo, nós sabemos que a disputa político-eleitoral e os rumos sociais e econômicos do Brasil não estão nas mãos do representante do Nosso Senhor Jesus. Geraldo Alckmin e Ciro Gomes foram os destaques do debate que, com suas regras frouxas, deixa o círculo das perguntas girar para quem bem entender, isolando o único candidato de esquerda, Guilherme Boulos. É nítida a tentativa de se fazer a diferenciação na política econômica dos dois candidatos, e de fato essa diferença existe, mas o que ambos não falam é que as duas vertentes já foram implementadas no país, e nem preciso dizer que ambas se saíram mal sucedidas. Independentemente das épocas de bonança que Henrique Meirelles tão insistentemente lembrava, os problemas estruturais do Brasil permanecem.
Ao se falar de “desemprego”, “geração de renda” e “política econômica”, a palavra mais pronunciada pelos candidatos e pela candidata foi INVESTIMENTO. A diferença se anuncia na forma; Alckmin, o candidato que classifica o estado brasileiro como ”péssimo empresário”, defende claramente uma política entreguista sem precedentes, através de privatizações e abertura comercial com isenções tributárias. Ciro já vem com um discurso aparentemente apaziguador para os mais pobres, faz uma promessa pesada, tirar o nome dos 63 milhões de brasileiros e brasileiras do SERASA e SPC (essa proposta deve ser tentadora, pra mim e pra você que estamos no mesmo barco); contudo a cartilha seguida pelo candidato não tem nada de novo, muito menos é uma política feita para a classe trabalhadora. A visão de Ciro, como bom desenvolvimentista, é utilizar o estado para movimentar os investimentos e a geração de renda é um meio importante e muito recomendado por economistas sensatos.
Acredito que a maioria da população lembra dos recentes bons tempos de geração de renda que os governos do PT nos proporcionaram, agora pergunto: alguém acha que isso resolveu o problema estrutural de desemprego do Brasil? Acho que todos/as nós sabemos a resposta. A grande questão é que esses dois discursos se apresentam como o lado “moderno”, atraindo aqueles e aquelas que acreditam que o Brasil precisa se inserir mais fortemente na política econômica mundial e que o tão famigerado “subdesenvolvimento” é uma fase que logo poderá ser superada, só depende de uma boa administração pública. [Eu conto ou vocês contam?]
O retrato do “moderno” e do “atrasado” é um discurso da economia brasileira e está presente na vida político-eleitoral do Brasil. Essa não é a primeira eleição que temos candidatos absurdamente cômicos e caricatas, destilando imbecilidade e despreparo total: quem nunca assistiu aos programas eleitorais só pra rir dos candidatos não sabe o que é aproveitar um show de piadas gratuito. A frase “seria cômico se não fosse trágico” cai bem nesse momento, porque essa nítida diferença dos candidatos representa o mais do mesmo na política eleitoral brasileira. Cabo Daciolo e Bolsonaro falam de Deus e da nação unida contra as abortistas e maconheiros porque é isso que parte da população quer ouvir, e também é isso que esses “homens de bem” defendem: a ignorância do pensamento atrasado. Mas os políticos “modernos”, sérios, entendedores dos grandes temas econômicos também pensam assim, não nos enganemos. O pensamento atrasado anda colado com o discursos neoliberal e liberal, seja ele mais ou menos progressivo.
Guilherme Boulos e a tal radicalidade
Lógico, não poderia deixar de comentar sobre o meu candidato: Guilherme Boulos (PSOL). O único candidato que fez um discurso diferente, e sem dúvida isso ficou nítido para os/as brasileiros/as, que logo foram buscar no Google quem é esse tal homem que meteu o dedo na ferida do Henrique Meirelles e teve a ousadia de defender a descriminalização e legalização do aborto em rede nacional. O candidato mais jovem e que, pasmem, não pertence a esse mundo da política eleitoral, não foi criado para ser um político enlatado (como a maioria dos nossos parlamentares), sem dúvida gerou um incômodo no debate. Ele fugiu do “mais do mesmo” e não teve medo de dizer o real problema do Brasil.
Além de ter a difícil tarefa de se sobressair em meio a candidatos com mais de 30 anos de experiência no mundo das eleições, Boulos foi o único candidato da esquerda a participar do debate, a segunda fase do golpe (a prisão de Lula) está impedindo o ex-presidente de ser um candidato pleno e ter o direito de se candidatar e participar dos debates como qualquer outro candidato, esse cenário faz toda diferença, deixou o debate dominado pelos discursos da direita, como bem disse Boulos, os 50 tons de Temer.
Ao ler esse texto vocês podem achar que estou exigindo demais dos candidatos, pode querer me dizer que as mudanças são lentas e não se acaba com o desemprego e a desigualdade estrutural do dia pra noite e que prometer isso seria uma radicalidade absurda. Pode ser, e concordo em parte. Mas me diga você, qual o candidato que hoje representa o discurso de maior radicalidade na visão de parte dos/das brasileiros/as? Quem nunca ouviu um jovem, uma dona de casa ou um trabalhador falando que Bolsonaro é revolucionário? Eu já ouvi inúmeras vezes.
O pensamento conservador da população brasileira leva as pessoas a procurar o candidato que mais se distancia do discurso progressivo, ninguém quer mexer na ferida aberta do Brasil. Ninguém quer falar da realidade que pesa, dos jovens negros mortos aos montes: é mais fácil prometer mais policiamento ou admitir séculos de racismo estrutural? Milhares de mulheres assassinadas: é mais fácil propor castração química ou combater séculos de desigualdade de gênero? 13 milhões de desempregados: é mais fácil prometer mais investimentos ou tirar os privilégios dos ricos e garantir direitos aos pobres? As saídas mais simples são sempre as bem vistas porque meter o dedo na ferida significa arrancar privilégios dos ricos do país que tem a maior quantidade de jatinhos particulares do mundo.
Isso mesmo, os ricos brasileiros são o retrato da ostentação mundial. E nenhum dos candidatos que ali estava, com a exceção de Boulos, teve a coragem de falar da farra da burguesia nacional brasileira. E digo, infelizmente Lula também não o faria se estivesse no debate, muito menos Haddad o fará. E o meu infelizmente não é por força de expressão, é de fato uma pena, porque hoje o PT é o maior inimigo dessa burguesia e o Lula preso é a maior representação disso. O atraso da nossa elite moderna é tamanho ao ponto de não suportar filhos de empregadas entrando na universidade, e isso não é uma medida socialista em lugar nenhum do mundo. A democracia brasileira é frágil ao ponto de se quebrar na primeira oportunidade que a classe trabalhadora esteve perto de sair de uma situação de pobreza extrema.
Num país que o atrasado contribui com o moderno qualquer saída que esteja fora do discurso do “mais do mesmo” será radical, porque mexer na raiz dos problemas é repensar toda a história do Brasil e das poucas famílias privilegiadas desde as capitanias hereditárias. Se você, assim como eu, não faz parte dessas famílias, o que temos a perder em ser radical?
*Natália é diretora de formação política da Associação de Pós-graduandos(as) da Universidade Federal da Bahia (APG-UFBA) e movimento Afronte.
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