Em palestra intitulada “As últimas reformas trabalhistas na Itália: extensão da tutela ou precarização? Compreendendo a reforma trabalhista brasileira através da experiência italiana”, o professor e advogado italiano Dr. Fábio Petrucci trouxe alguns elementos para que possamos pensar na atual situação de retrocesso dos direitos sociais não só no Brasil, mas em outros países, como na Itália.
A proposta foi inicialmente comparar as duas legislações, italiana e brasileira, relativamente à proteção ao emprego, tomando como parâmetro o cumprimento da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata sobre a proteção contra a dispensa imotivada pelo empregador.
Curiosamente, a situação formal de ambos os países com relação à ratificação desta norma internacional é semelhante, pois o Brasil ratificou a convenção em 1995, mas no ano seguinte realizou a denúncia, que é a desistência em participar do pacto, enquanto a Itália nunca o ratificou.
Ocorre que a Itália, diferentemente do Brasil, mesmo não tendo ratificado a Convenção 158 da OIT, adotava um procedimento diferenciado para a demissão de empregados, que estava previsto no art. 18 da Lei nº 300, de 1970, conhecida como Statuto dei Lavoratori (Estatuto dos Trabalhadores).
Este procedimento trazia certa segurança às relações de emprego, pois teoricamente permitia apenas a dispensa por uma justa causa e exigia que, caso a empresa fosse demitir um empregado, esta deveria ter anteriormente publicado um código com regras disciplinares, mediante o qual instauraria um procedimento disciplinar, com acusação por escrito e em que fosse assegurada a defesa do empregado também por escrito. Essa legislação previa que, caso fosse constatada a ocorrência de despedida ilícita, ou seja, sem justo motivo, o juiz determinaria a reintegração do empregado, com o pagamento dos salários devidos.
No entanto, esta certa estabilidade no emprego começou a ser questionada desde anos 1980, e a partir da década de 1990, principalmente com o ingresso do país na União Europeia, foi sendo enfraquecida, culminando com a sua total desvirtuação, com o mais recente conjunto de medidas legislativas adotadas na Itália, as quais ficaram conhecidas como “JOB ACT”.
Após estas alterações, o texto do artigo 18 passou a “monetarizar” a dispensa sem justa causa, passando a prever apenas uma indenização de dois meses de salário para cada ano de serviço, até o limite de 24 mensalidades naqueles casos em que fosse reconhecida a ilicitude da demissão, e restringindo o conceito de demissão sem justa causa, passando a admitir dispensas por motivos econômicos.
A grande questão é que, segundo a visão adotada pela OIT na Convenção 158, a dispensa é ato causal, ou seja, deve ter uma motivação, uma justa causa, seja ela subjetiva ou objetiva. Esta visão foi totalmente suplantada no ordenamento jurídico italiano em sua reforma trabalhista.
No Brasil, há muito a dispensa imotivada é, desde a extinção da estabilidade decenal, com a Lei nº 5.107/66 que criou o FGTS, uma espécie de direito potestativo da empresa, pois embora esteja previsto expressamente no artigo 7º da Constituição Federal que o empregado será protegido contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, o único ônus para a empresa quando demite o funcionário sem justa causa é o pagamento da multa de 40% sobre o valor dos depósitos de FGTS devidos durante o contrato de trabalho.
Este não é um ônus capaz de garantir efetivamente a proteção contra a dispensa arbitrária, ainda mais quando se verifica no país a grande inadimplência dos depósitos de FGTS e, para aqueles que ajuízam reclamações trabalhistas tentando receber na justiça os valores, a morosidade e dificuldade dos procedimentos, como os honorários de sucumbência mesmo para quem não tem condições de arcar.
Ressalte-se ainda que a reforma trabalhista brasileira criou uma espécie de dispensa por acordo, que reduz essa indenização para apenas 20% do saldo de FGTS, o que tende a generalizar a realização desse tipo de rescisão contratual, deixando o vínculo empregatício ainda mais frágil.
O fato é que na Itália, segundo o palestrante, essas mudanças na lei trabalhista, ao contrário do que seus defensores alegavam (tal qual ocorreu no Brasil) não foram capazes de criar mais empregos. Ao invés disso criaram um volume de demandas sociais ao Estado, pois, com a maior facilidade para demitir, o número de desempregados necessitados de assistência estatal cresceu.
A reforma trabalhista brasileira também aprofundou um cenário de insegurança para o empregado, pois há muito o fantasma do desemprego já é uma realidade cotidiana para os trabalhadores brasileiros. Com a tendência de maior desregulamentação, que cria contratos precarizados, além de criar novas modalidades de dispensa, soma-se a este quadro os cortes com gastos públicos, que aprofundam ainda mais a situação dos desempregados.
Uma reforma trabalhista que beneficie os trabalhadores no Brasil deve ocorrer no sentido inverso da que foi aprovada no país, ele deve partir do cumprimento do preceito constitucional de proteção contra a dispensa imotivada, para que seja possível dar mais segurança ao empregado com relação à sua situação financeira e até mesmo conferir maior segurança para o empregado na hora de reclamar o cumprimento dos demais direitos trabalhistas.
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