Valerio Arcary, professor do IFSP
O dia de greve geral unificada de 14 de novembro de 2012 em Portugal, Grécia e Estado Espanhol, com ações simultâneas como a greve metalúrgica na Itália e outras, seja qual for a sua dimensão e repercussão imediata, entrará para a história como um novo momento do internacionalismo. Nada remotamente semelhante já aconteceu, e isso diz tudo. Esta greve é uma resposta em terreno novo e muito animador. Será um acontecimento extraordinário, mesmo que venha a ser somente um ensaio geral.
O internacionalismo proletário poderá renascer, nesta quarta feira, como uma força social e política capaz de derrotar a Troika. Se a união do movimento operário e sindical com os movimentos sociais de juventude vier a se consolidar estará aberta uma nova situação política no Mediterrâneo. Estarão começando a serem reunidas, quiçá, as condições para impor aos governos uma nova relação de forças, ameaçando todos os planos de austeridade.
O capitalismo está se confrontando, a cada crise (1990/92; 2000/2001; 2008/12), com seus limites históricos. A perspectiva de situações revolucionárias nos países mediterrânicos da Europa está mais próxima. Contudo, paradoxalmente, as duas premissas anteriores não permitem ainda concluir que o socialismo está mais perto. Porque o futuro do socialismo depende da afirmação de um sujeito social com disposição de luta, consciência anticapitalista, e organização independente capaz de atrair para o seu projeto a maioria dos oprimidos. Esta afirmação só será possível com uma capacidade de ação internacionalista. Por isso a greve geral de 14 de novembro será um momento magnífico de resistência, ou seja, uma demonstração de que há energias no proletariado da Europa, aquele que tem maior tradição histórica no mundo.
Estamos diante de um impasse histórico, um período transitório, que poderá mergulhar a sociedade em um abismo regressivo. Abismos regressivos já vitimaram sociedades contemporâneas, desde o final da Segunda Guerra Mundial, incontáveis vezes, e das mais diferentes e terríveis formas. Na forma de limpezas étnicas, por exemplo, quando da fundação do Estado de Israel, a nakba palestina em 1948 ; ou na forma de genocídios, como no Ruanda, em 1994, ou na Bósnia, entre 1992/95. Mas ocorreram, tragicamente, outras formas de regressão histórica, como as ditaduras no cone sul da América Latina nos anos setenta, ou as sequelas da restauração capitalista na Rússia nos anos noventa.
A perspectiva de uma estagnação econômica internacional, por uma década, como tem sido admitida por analistas da mais diversas tendências, merece ser caracterizada, também, como uma regressão, pelas consequências sociais e políticas imprevisíveis que provocará. Uma das mais plausíveis é a confirmação da tendência a uma queda acentuada do salário médio nos países centrais (EUA, União Européia e Japão). Pela primeira vez, desde o pós-guerra, a geração mais jovem será mais pobre que a mais velha. Outra, também, provável, é a revogação das políticas públicas do chamado bem estar social, sendo a previdência dos mais velhos, o salário desemprego dos ativos, e o acesso à educação gratuita dos mais jovens, três dos alvos prioritários dos ajustes. As relações entre o centro e a periferia do capitalismo deverão conhecer, também, transformações reacionárias como reprimarização, desnacionalização e recolonização. Estes são os planos da Troika para salvar o capitalismo. Conseguirão ou não aplicá-los? O 14 de novembro será um dia em que se medirão forças.
A última crise do capitalismo e a teoria da crise última
As últimas crises econômicas confirmam que os limites históricos do capitalismo estão mais estreitos. É verdade que estes limites nunca foram fixos, mas o fato de serem móveis não quer dizer que não existam. Eles resultam de uma luta política e social. Vivemos em uma época histórica em que os destinos políticos e econômicos da civilização se decidem na arena mundial, ainda que a luta política se desenvolva, aparentemente, em marcos nacionais. Do futuro desta luta de classes internacional dependerá a longevidade do capitalismo.
O que, no entanto, é previsível, é que a senilidade do sistema exigirá mudanças regressivas, ou seja, reacionárias, historicamente, até em relação ao passado do capitalismo. O futuro deste passado será cada vez mais próximo ao prognóstico de barbárie crescente. Em alguns períodos, os horizontes histórico-sociais do capital se contraíram (depois da vitória da revolução russa; depois da crise de 1929; depois da revolução chinesa; depois da revolução cubana; depois do Maio 1968; depois da revolução portuguesa), e em outros se expandiram (depois do New Deal de Roosevelt; depois do acordo de Yalta/Potsdam, ao final da II Guerra Mundial; depois de Reagan/Thatcher nos anos 80). O capitalismo não terá “morte natural”, o que não é o mesmo que dizer que não se manifestou na história uma tendência ao desmoronamento, isto é, uma tendência a crises cada vez mais sérias e destrutivas, que ficou conhecida na tradição marxista como a teoria do colapso.
Os últimos cento e cinqüenta anos já foram um intervalo histórico suficiente para se concluir que o capitalismo não morre de “morte natural”: suas crises convulsivas, por mais terríveis, não resultam em processos revolucionários, a não ser quando surgem sujeitos sociais com disposição revolucionária. Os critérios objetivistas que diminuem a centralidade do protagonismo do proletariado e das classes oprimidas foram refutados pela história. Os vaticínios políticos catastrofistas neles inspirados, se aproximaram perigosamente de uma versão marxista de um novo milenarismo.
Ainda nos Grundrisse, Marx deteve-se no comentário das contratendências que poderiam neutralizar e até, em determinadas circunstâncias histórico-sociais, inverter de maneira transitória a ação dos fatores que pressionam no sentido da queda da taxa média de lucro e, portanto, da precipitação da crise, como se pode perceber a partir deste fragmento:
“No movimento desenvolvido do capital existem fatores que detêm este movimento mediante outros recursos que não as crises, como, por exemplo: a contínua desvalorização de uma parte do capital existente; a transformação de uma grande parte do capital em capital fixo, o qual não presta serviços como agente da produção direta; improdutivo desperdício de uma grande parte do capital, etc. […] Que ademais se possa conter a queda na taxa de lucro, por exemplo, reduzindo os impostos, diminuindo a renda do solo, etc., não é assunto que devamos considerar aqui, por maior que seja sua importância prática, já que se trata de partes do lucro chamadas por outro nome e das quais se apropriaram pessoas que não são o capitalista mesmo. […] A diminuição é contrabalançada, da mesma forma, mediante a criação de novos setores de produção, nos quais se requer mais trabalho imediato em proporção ao capital, ou naqueles em que ainda não está desenvolvida a força produtiva do trabalho, isto é, a força produtiva do capital (também os monopólios).” (tradução nossa)
O conceito de crise final revelou-se, históricamente, sem fundamento, portanto, politicamente estéril. As crises econômicas do capitalismo continuaram a se manifestar com uma intensidade destrutiva que não deve ser subestimada. Mas da regularidade da crise não se pode retirar outra conclusão que não seja que a sociedade estará condenada a sofrer, convulsivamente, as dores do parto de uma transição que vem se revelando muito mais longa do que eram os prognósticos de Marx.
Marx apostava na hipótese de que o peso crescente do maquinismo, ou seja, da ciência objetivada como tecnologia, como uma força produtiva aplicada em larga escala, exigiria uma tal imobilização de capital, que a tendência à queda da taxa média de lucro seria irrefreável, donde o prognóstico da precipitação de crises mais destrutivas e devastadoras. Como se pode conferir adiante:
“Na mesma proporção, portanto, que no processo de produção o capital enquanto capital ocupe um espaço maior em relação ao trabalho imediato, quanto mais cresça a mais-valia relativa – a força criativa própria capital – tanto maior será a queda a taxa de lucro (…) Esta é, em todos os aspectos, a lei mais importante da economia política moderna e a essencial para compreender as relações mais difíceis. É, do ponto de vista histórico, a lei mais importante. É uma lei que, apesar de sua simplicidade, nunca foi compreendida.” (tradução nossa).
O próprio Engels interveio no debate preocupado com ênfases excessivas ou deformadamente deterministas que eram feitas em nome de Marx. Na conhecida carta a Kugelmann apresenta a fórmula do paralelograma de forças, um esforço de reequilibrar/reordenar a articulação das causalidades, sugerindo que Marx utilizava diferentes níveis de abstração quando buscava o estudo de cortes de temporalidades ou esferas distintas de análise. A necessidade do desenvolvimento histórico colocava a possibilidade da revolução social. Necessidade e possibilidade se definem assim em uma unidade dialética que não se confunde com fatalismo.
O 14 de novembro de 2012 será um dia de celebração do internacionalismo. Porque é possível, porque é necessário.
Nakba é uma palavra árabe que significa “catástrofe” ou “desastre” e designa o êxodo palestino de 1948 quando pelo menos mais de 700.000 árabes palestinos, segundo dados da ONU, fugiram ou foram expulsos de seus lares, em razão da guerra civil de 1947-1948 e da Guerra Árabe-Israelense de 1948. Limpezas étnicas são remoções forçadas de populações com o uso de violência estatal que resultam em migrações forçadas.
Há um debate interessante sobre o tema conhecido como a discussão sobre a Zusammenbruchstheorie,ou teoria do colapso ou desmoronamento. Uma referência útil pode ser encontrada no livro organizado por Lucio Colletti: El marxismo y el “derrumbe” del capitalismo. 3ª ed. México, SigloVeintiuno Editores, 1985.
São caracterizados por uma parte da historiografia como milenaristas alguns movimentos populares europeus de inspiração mística e, algumas vezes, messiânicas, da Idade Média e Moderna que acreditavam no advento de um novo mundo com a inauguração de um novo milênio. O livro de Norman Cohn é uma das eferências para este tema. Na senda do Milênio: milenaristas revolucionários e anarquistas místicos da Idade Média. Lisboa: Editorial Presença, 1970.
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