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TEORIA

Um pouco sobre nossos antepassados: a tradição trotskista no Brasil (parte I)

Felipe Demier (doutor em História pela UFF)

Grupo Comunista Lênin (GCL); Liga Comunista do Brasil (LCB); Liga Comunista do Brasil (LCI) e Partido Operário Leninista (POL)

Desde o final dos anos 20 do século XX, em função das fortes divergências e expressivas cisões ocorridas no interior do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e da Internacional Comunista (IC), começaram a se formar em muitas partes do mundo agrupamentos políticos orientados por uma perspectiva crítica ao estalinismo. No Brasil, como em quase todos os demais lugares, o trotskismo acabou se mostrando como o caminho político-programático adotado pela maioria dessas novas organizações.

A primeira geração dos trotskistas brasileiros (cujos militantes se autodenominavam “bolcheviques-leninistas”) organizou-se primeiramente no interior do PCB por intermédio do Grupo Comunista Lênin (GCL), fundado em 1930. Em janeiro de 1931, o GCL passaria a se chamar Liga Comunista do Brasil (LCB), organização que mantinha relações diretas com a Oposição de Esquerda Internacional (OEI), liderada por León Trotsky. Abandonando a estratégia de funcionar como uma fração do PCB cujos rumos buscava reorientar, a LC deu lugar, em outubro de 1933, à Liga Comunista Internacionalista (LCI). Tal postura adequava-se à nova orientação política da OEI às suas “seções” nacionais após a vitória do nazismo na Alemanha: desistir da disputa pelo controle dos já “degenerados” Partidos Comunistas e fomentar a criação de novas organizações revolucionárias, rumo à construção de uma nova Internacional (a IV Internacional).

Constituídos em sua maioria por militantes dissidentes do PCB, esses primeiros núcleos trotskistas brasileiros, que tiveram como divulgador de suas idéias o jornal A luta de classe, agrupavam tanto militantes de perfil intelectual, como Mario Pedrosa (advogado, jornalista e crítico de arte), Lívio Xavier (advogado e jornalista), Aristides Lobo (professor), Rodolpho Coutinho (advogado e professor) e Salvador Pintaúde (editor à frente da Gráfica e Editora Unitas que, nos anos 30, foi responsável pela publicação pioneira de diversos textos de Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo etc.), quanto quadros oriundos dos meios operários, como João Jorge da Costa Pimenta (gráfico), Mário Colleoni (metalúrgico), João Dalla Déa (linotipista) e Josefina Mendez (operária têxtil). Trabalhadores do comércio (Arnaldo Tommasini, Lelia Abramo e Fúlvio Abramo), assim como estudantes (Mirno Tibor e Azis Simão) e artistas de vanguarda (a escritora Rachel de Queiroz e o poeta surrealista francês Benjamin Péret, por exemplo) também tiveram espaço nas fileiras desses pequenos agrupamentos.

Intervindo em sindicatos como os de comerciários, motoristas, ferroviários, alfaiates, sapateiros, construção civil, professores e gráficos, os primeiros trotskistas brasileiros só obtiveram uma significativa inserção nesta última categoria, dirigindo greves combativas da União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo (UTG). Em termos da política mais geral, a LCI destacou-se por ter impulsionado a construção, em junho de 1933, da Frente Única Antifascista (FUA), uma entidade que visava à aliança de diversos setores e correntes do movimento operário com o fito de combater o crescimento do fascismo tupiniquim, expresso pela Ação Integralista Brasileira (AIB), criada em 1932. Em 7 de outubro de 1934, a LCI liderou, em São Paulo, uma contramanifestação a uma parada integralista na Praça da Sé, episódio que resultou em uma morte e em feridos de ambos os lados.


Por intermédio de seus refinados intelectuais (sobretudo Mario Pedrosa e Lívio Xavier), esses primeiros grupos trotskistas produziram interessantes análises da realidade brasileira nas quais, diferentemente do PCB, se descartava qualquer possibilidade de realização das tarefas “democrático-burguesas” por alguma parcela das classes dominantes nativas, dadas a dependência do capitalismo brasileiro ao imperialismo e a própria formação da burguesia local. Em oposição à idéia que afirmava, baseando-se nas desigualdades econômico-regionais do Brasil dos anos 30, a existência de um confronto no país entre as forças capitalistas e as estruturas “feudais” (ou “semifeudais”), a LC, em seu documento “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil” (fevereiro-março de 1931), afirmou: “o processo econômico estendeu-se pouco a pouco a todo o território brasileiro, e o capitalismo penetrou todo o Brasil, transformando as bases econômicas mais retardatárias”. Já em outro documento, intitulado “Projeto de teses sobre a situação nacional”, a LC compreendeu o Estado surgido da “Revolução” de 1930 como uma “forma de compromisso entre a burguesia dos estados do Sul e a burguesia dos estados do Norte”, posição bastante próxima da que seria adotada posteriormente por intelectuais acadêmicos como Francisco Weffort e Boris Fausto.

Em função da altíssima repressão estatal desencadeada contra o conjunto do movimento operário após o levante frustrado da Aliança Nacional Libertadora em novembro de 1935, a LCI foi praticamente desbaratada. Seus militantes do Rio de Janeiro (que passaram a se denominar, em fins de 1936, Grupo Bolchevique Leninista) estabeleceram uma aproximação política com membros da “oposição classista” do PCB, que haviam deixado as fileiras estalinistas criticando a linha partidária adotada às vésperas do putsch aliancista. A aproximação entre esses dissidentes do PCB (como o bancário Augusto Besouchet, o médico Febus Gikovate e o jornalista Barreto Leite Filho) e os remanescentes da LCI deveu-se, em grande parte, ao fato de os trotskistas terem tido, desde o início, uma postura crítica em relação à ANL, assim como ao levante impulsionado por esta em novembro de 1935. Dessa aproximação nasceu, em janeiro de 1937, o Partido Operário Leninista (POL). Atuando junto a garçons, gráficos, vidraceiros, tecelões, ferroviários etc., o novo agrupamento trotskista propagandeou suas posições também por intermédio de A luta de classe. Em abril de 1938, o aparato repressivo da ditadura estadonovista provocou um forte revés na organização. Ainda em 1938, Mario Pedrosa, representando o POL, participaria (sob o pseudônimo de “Lebrun”) da conferência de fundação da IV Internacional, realizada na França. Em 1939, o POL se fundiria com outra dissidência do PCB (“Dissidência pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária”, liderada por Hermínio Sacchetta), dando origem ao Partido Socialista Revolucionário (PSR).

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